quarta-feira, 26 de novembro de 2014

          MAS AFINAL ANDA TUDO DOIDO LÁ PELAS  
                               MAÇONARIAS?


Se sempre é nas variegadas obediências maçónicas que se vão tecendo os fios imperscrutáveis dos nossos destinos institucionais, e alguns individuais, vamos lá com Deus (é o que dizem), porquê então se protegeu Sócrates por tanto e tanto tempo e só se lembraram dele agora para entalar o irmão Costa, e agora que o irmão Costa pode ficar de calças na mão por causa dele?
O contrário também serve: porque é que se protegeu e encorajou o irmão Costa no ataque ao poder no partido – e mais à frente no governo – quando já se sabia (um ano de investigações) que uma vez alçado à liderança, e com eleições à porta, o irmão Costa iria levar com a encomenda de culpas do seu amigo e irmão Zé?
Anda tudo doido lá pelas maçonarias, ou quê?


Nunca as palavras do grande alcoólico inglês ao seu jovem correligionário tiveram tanto cabimento aqui na pequena quintarola improdutiva da Europa. “Não olhe para a bancada à sua frente, meu amigo, aqueles são os seus adversários políticos; olhe é para a sua própria bancada, é lá que estão os seus inimigos”, disse o velho Churchill.
Porque, não tenhamos dúvidas, cada vez aparece mais evidente que uma ou várias mãos ocultas andam a manobrar os arames das marionetas. E isto até faz lembrar outros tempos de crise profunda, os tempos da rotatividade partidária dos últimos estertores da monarquia, os tempos da grande desvergonha político-partidária, os tempos da tristíssima desmoralização popular. Só faltava agora um atentado ao rei. E pouco depois a implantação de outra república. E talvez seja isso o que se quer dizer quando tanto se fala de crise de regime, quando tanto se diz que a democracia está doente e que o regime está moribundo. Qual regime?
Quem deve ser desmascarado e em que tempo; e quem deve ser protegido, e por quanto tempo.
O que deve ser divulgado e em que tempo; e o que deve ficar oculto e por quanto tempo.
Questão de gestão do tempo e do segredo – missão das maçonarias. Ou seja, uma e a mesma coisa, porque na política tempo é segredo.


A Crise do Regime

         O regime está em perigo.
Mas qual regime? O regime democrático em si, in toto? O regime do absolutismo partidário? Deixemo-nos de fitas, esse nunca esteve tão florescente. E onde já se viu uma democracia ocidental sem um regime de absolutismo partidário?
E se é a democracia em si que está doente e ameaçada, estará então ameaçada por quem? E qual será a alternativa?
Nada disto as televisões explicam. Ou se explicam eu não as percebo. Ou percebo de mais, e duvido, e desconfio.
Um golpe de Estado é que vinha mesmo a calhar, não? Feito por quem?
Implantação de um regime autoritário que substituísse o absolutismo pluri-partidário por outro absolutismo mono-partidário? E quem o apoiaria? E a U.E. ia nisso? Claro que não. Emalávamos a trouxa e vínhamo-nos embora de Bruxelas e do euro. E por quanto é que a brincadeira nos ficava?
Mas talvez o regime do absolutismo partidário não esteja em perigo só em Portugal. Também por esse mundo. Ou mais concretamente por essa Europa.
E também é conveniente destrinçar as ambiguidades, ou a ambiguidade dos conceitos. Regime. Democracia. Partidarismo.
Se são os partidos que estão em crise, porquê dizer que a crise é da democracia? Ou a democracia está em crise sempre que o sistema partidário o está? Se calhar é mesmo isso que eles querem dizer. Ainda que noutras ocasiões digam que a democracia não se esgota nos partidos.
Mas pronto. Se se estabelece como dogma que não há democracia sem partidos, bate certo, é porque o destino da democracia foi capturado pelos partidos e estará eternamente amarrado a eles e respectivos interesses e não se fala mais nisso.
Mas tudo deve ser mais interessante do que este meu simplismo bacoco…



Segredo de Justiça   

         Ai, filhos, mas qual segredo?
         E vamos lá ver se nos entendemos: ou segredo, ou justiça.
         Não era mau, para a conservação do tal regime e do tal Estado de Direito, que uma alma visse a público, já não digo revelar os escaninhos do insondável, mas pelo menos levantar uma nesga da manta que cobre quem viola o segredo de justiça e quem, desfeito em êxtases orgasmáticos, se deixa violar por ele.
         Sócrates já sabia de tudo. Já sabia que o andavam a investigar. Já sabia que seria encanado mal pusesse os cotos no aeroporto. Já sabia que andava debaixo de olho há muitos anos. Já sabia de quem lhe andava há muitos anos a fazer a folha, a jurar pela pele. E sentiu-se sempre protegido por “um escudo invisível” – invisível para os saloios profanos. E na segunda-feira às dez e meia da noite perguntei-me que teria sido feito desse “escudo”.
         Não me digam que os violadores do segredo de justiça são os mesmos que desmascaram quem eles acham que deve ser desmascarado num dado momento e protegem quem eles acham que deve ser protegido durante um certo tempo. Não me digam que os violadores do segredo de justiça são os mesmos que decidem o que deve ser divulgado num dado momento e o que deve ser mantido oculto por um certo tempo. Tempo e segredo. Não me digam…



As Pessoas Ainda Insistem em Votar Naquilo em que Acreditam

         Ouve-se dizer. Um justificativo para os crédulos cívicos que ainda se dão à maçada de votar ao domingo, depois do banho semanal, no regime do absolutismo partidário. E tem-se ouvido dizer isso aos que mais razões têm para temer o fim do regime.
         Mas em que é que as pessoas acreditam? Em quê e em quem?
         Acreditam nos deputados que se auto-favorecem unanimemente (da esquerda mais esquerda à direita mais direita) com aumentos de vencimento e outras regalias, e que ao cabo de 12 anos de insano trabalho a levantar e a baixar os braços nas últimas filas do areópago podem contar com a pingue reforma que o comum das gentes só aufere, e muito menos pingue, depois de 40 anos a alombar e a aturar patrões e chefes?
         Acreditam nos políticos que embolsam subsídios de reintegração na “vida civil” quando deixam os cargos e que ainda podem contar com uma subvenção vitalícia de alto lá com ela?
         Alguém lhes dá condições para acreditar nisso. Para acreditar em tudo – o que equivale a não acreditar em nada.
Ou ninguém lhes dá condições para acreditar na nobreza e na generosidade dos que se dedicam à coisa pública.
Mas se as inocentes pessoas uma vez postas em face de tudo o que na nossa vida institucional tem acontecido ainda acreditam é porquê? Por estupidez? Por ignorância? Por desatenção? Ou é matéria de fé?
         Se é por medo não se pode dizer que acreditem do fundo da alma. Se é por necessidade, é por interesse e por hipocrisia. Não vale. Isso não é acreditar. Nem é acreditar se for por inércia, tipo “eles são todos uns canalhas, mas deixa ver se votando eu salvo os menos canalhas de todos”. Inércia é desinteresse. Não vale.
         Há os que se excedem no acreditar das coisas e das pessoas. Devem ser esses os que votam. Acreditaram tanto e tantas vezes que não têm coragem de pôr a si mesmo a dúvida de poderem ter andado enganados na vida. Acreditaram tanto, afinal, em quem tinha o dever de lhes dar condições para acreditar e só lhes deu razões para desacreditar, foi o que foi.
         E há os que acreditaram tanto e tão firmemente que se cansaram da realidade. Faz-me lembrar o ateísmo assanhado e primário do que andou no seminário a estudar para padre, se veio embora, se fez à vida, e acabou a julgar que finalmente tinha percebido tudo.



Os Políticos não são Todos Iguais

            Pois não. Nem todos iguais nem todos diferentes.


À Justiça o que é da Justiça e à Política o que é da Política

         A mais doce balela impingida pela boca daqueles que de tão traquejados nas manobras de uma e de outra disciplina não acreditam já em nada de elevado e transpessoal, e já só pensam nas suas conveniências pessoais ou de partido – ou de confraria.
         É a conversa de chacha de quem tem alguma coisa a esconder, de quem tem compromissos pelo menos no imediato inconfessáveis, ou alguma culpa no cartório.
         É a conversa dos que se habituaram em 40 anos (e talvez com razão) a infantilizar o eleitorado, os concidadãos, os telespectadores, os leitores, o pagode, enfim, o contribuinte que lhes paga o aumentado vencimento e a sumptuária.
         À justiça o que é da justiça e à política o que é da política? Então onde é que começa a justiça? Na lei, não? E então quem é que fabrica as leis? São os juízes ou os políticos, esses deputados do parlamento?
         A César o que é de César e a Deus o que é de Deus. Não é? É. Foi daqui que a imaginação pesadona dos comunicadores políticos tirou o nauseante lugar-comum. E quem é César neste caso? Só podem ser os agentes da justiça, os que tratam com o concreto vil. Porque a uma qualidade de Deus, ou de deuses, só se arrogam nos media os da classe política, os eleitos.


A República dos Juízes

         À política-espectáculo algum dia teria de suceder a justiça-espectáculo.
         Então sempre é a implantação de uma outra república aquilo a que temos estado a ver desfilar nos televisores.
         Acabou o regime moribundo do maximalismo partidário e está a ser implantada uma nova república que vai pôr tudo no são, em pratos limpos, nos eixos – como se os juízes também não gostassem de marisco, de música e de fardamentos novos.
A república dos juízes é neste momento presidida, ao que parece na TV, pelo Dr. Carlos Alexandre, o famoso juiz de instrução que pode mandar os mais altos directores-gerais, os mais carismáticos políticos e os mais ricos e influentes banqueiros para a enxovia.
E o que dá a ideia é de que esses juízes, doravante tetrarcas da nova república, se estão a querer vingar de alguém. De quem estarão os juízes a querer vingar-se? Ou porque estará cometida a um juiz a função de vingar? E se está, quem os incumbiu, agora, hoje e não ontem, ou amanhã, ou daqui a um ano?
         Então não é costume encher-se a boca com o Estado de Direito? E a quem caberá mais pertinência para governar esse Estado de Direito do que aos juízes?
         O raio do assunto chega a ter ressonâncias bíblicas!
         Justicialismo! Pois. Quem sabe? Populismo! Oh.
         O que parece começar a saber-se é que, assim de um mês para o outro, passou a caber aos juízes a tarefa de desmontar e desacreditar a trági-comédia da classe política.
Alguém tinha de o fazer, mais hoje ou mais amanhã. E quem haveria de o fazer? Os jornalistas? Ora adeus. Esses que convivem tão confortavelmente com os agentes políticos, que vivem deles e que os fazem viver? Não lembrava nem ao diabo.
         Há os que dizem que a política invadiu os litúrgicos terrenos da justiça. Mas porque não ir ao invés das coisas? Porque não pensar que foi a justiça, segundo directivas vindas do lado dos mais alvos aventais, que se deu à ousadia de invadir a política? Sim, por uma questão de moral, por uma urgência moral…
         À política o que é da política inclui a própria justiça, obviamente, quando estão em jogo homens políticos ou matérias que caem no âmbito da decisão política. Porque tudo é (pode ser) política. Há muito que se sabe disso.
         E se do que se fala é do descrédito, bem, hoje por hoje só o aparecer nos telejornais já torna um homem suspeito. Quanto mais se, nem que seja muito ao de leve, esse homem mexeu numa massa nem que seja de padeiro.
Todo o homem mediático é considerado importante. O ser culpado ou inocente não é mais do que um pormenor. O essencial é que a televisão o tenha tornado importante. E o ser importante e ter amassado alguma coisa, à vista do povo que mais ordena, é o bastante para carregar às costas uma culpa. Logo, é culpado de qualquer coisa até prova em contrário.
Pois é, já estamos na fase histórica da inversão dos sentidos de muita coisa.
                               

O Assalto

         O caso Sócrates apelou à minha imaginação simbólica.
         Sócrates é um símbolo. Um símbolo de uma “nova gente” na vida política.


         Sócrates é o mais desembaraçado e impetuoso aventureiro da nova casta de aventureiros políticos. Sócrates é a última figura de proa da renovação do pessoal político nacional começada nos idos de 80 com o florir da gesta dos habilidosos, dos jovens leões ávidos de imagem, ávidos de fortuna.
Sócrates é a mais recente vergôntea de uma classe de borra-botas sem pergaminho político, de baixa estatura cultural e intelectual, transversal à esquerda e à direita, que se deu ao desplante de assaltar as atmosferas rarefeitas das elites, aproveitando a decadência das aristocracias institucionais e fundacionais da democracia, dos Soares, dos Cunhal, dos Sá Carneiro, dos Freitas do Amaral e de toda a gente de outra cepa que os acompanhou.  

 

         A física tem horror ao vácuo, não é? O apagamento político das figuras que nos habituámos a considerar éticas (não obstante tudo, e na medida do possível em política) deixou espaço vasto aos que na vida política não vislumbraram exactamente uma oportunidade moral de acção em favor do colectivo; a queda dos senhores deixou espaço aos plebeus sem contas a dar à História que assaltaram o poder a pensar primeiro no proveito próprio.
         Sem fazer comparações descabidas – e muito menos falando de atropelos à legalidade – diria que foi Cavaco Silva quem historicamente lhes abriu a porta. Sim, aos recém-chegados sem títulos de nobreza na alta política, e por consequência à abrupta queda de qualidade do pessoal político.


                                                

Foi Cavaco Silva quando foi dar uma volta até à Figueira da Foz para rodar o seu novo Renault – podia ser um Jaguar, ou um Mercedes, mas o estatuto social e financeiro não subia a tanto. E mesmo ele, recém-chegado, já tinha sorvido das aragens mais finas pela mão de um dos últimos grandes senhores, Francisco Sá Carneiro, que o teve num governo seu como ministro das Finanças.


         A partir da entronização de Cavaco Silva foi o assalto dos plebeus ao poder, àquele poder que consiste em outorgar benesses para ser remunerado mais tarde ou mais cedo por essa outorga. (Vidé, entre outras, as personagens da tragédia do BPN).

                        

         Esperteza e aventureirismo. Capacidade de truque – que outros também conheciam mas que tiveram a decência de não aplicar. Subalternização da ética e da cultura. Um á-vontade de iconoclastas de reles escalão. Deserto de ideias. Boçalidade de discurso. Milhões a entrar todos os dias vindos de Bruxelas. Aproveitamento máximo das oportunidades lucrativas. Pragmatismo irredutível. Visão estreita. Anseios de ascensão social (“pai, sou ministro!”). Frequência da margem das legalidades. Desprezo pelo interesse público. Ambição de baixo teor intelectual. Privilégio da prosperidade pessoal e do culto da personalidade.

                                                                

         Sócrates, inocente ou culpado que seja, foi mais um que descobriu o Estado como o grande filão do enriquecimento pessoal – fala-se de malas com milhares e milhões de Lisboa até ao 16eme. arrondissement parisiense, de fraude fiscal qualificada, de lavagem de capitais, de corrupção, não é brinquedo. Não sei se é verdade ou mentira. Bem, alguma verdade deve haver, o problema é saber como cresceram no fundo da gaveta os milhares e os milhões só com o salário (e com a reforma e com a subvenção vitalícia) de primeiro-ministro. Nem sei se, sendo verdade, e tendo sido conseguido com truques menos limpos, alguma vez ele chegará a pagar por isso à comunidade. Quero crer que não – ainda que seja verdade.
Mas também porque havia de ser ele o primeiro a pagar se outros, tantos, ainda não pagaram e se duvida muito que algum dia cheguem a pagar?
Pobre Sócrates. Alguém o protegeu anos e anos. Alguém lhe tirou o tapete. Quem. Quando. Como. Onde.
E porquê.
Na segunda-feira passada. Eles. Porquê também eu gostava de saber. E nunca saberei.
Deve andar tudo doido lá pelas maçonarias…    


          


1 comentário:

  1. Maçonarias? Que é lá isso, hoje em dia, senão um pedaço de mito, conveniente e estúpido, para alimentar a ignorância dos coléricos impotentes? Ná. Eu não vou nessa conversa da "maçonaria" (qual delas?). Isso são as tretas de mestres-escola serôdios que nunca acertarão contas com a República, nem com a Democracia, nem com a Liberdade, a Igualdade e a Fraternidade...

    Cá para mim ele é mais cruzes, vaderretros satanás, tarrenego belzebus e muita, muita opus dei e dor de cotovelo duma certa cultura beata e sórdida de pura inveja mesquinha, retrógrada e com fedor a bafio dos tempos prévios ao próprio Vaticano II. Um cadáver moral, exumado em todo o Mundo civilizado, mas que ainda estrebucha em Portugal.


    Curiosamente,alimentado entre nós com as cinzas, ainda quentes, de outro famoso cadáver, o do chamado social-fascismo...


    Ai, vossas mercês julgam mesmo não acreditar em bruxas? Pois vejam lá, não venham algum dia a ser caçados...

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