sábado, 27 de julho de 2013

      NADA EXISTE MAIS DO QUE AQUILO   
                       QUE NÃO EXISTE




O Dan Brown anda por aí outra vez. Com o seu último, Inferno. Que eu não li. Como não li os que se seguiram ao Código Da Vinci.
Mas agora lembrei-me desse mesmo, do Código Da Vinci.


Os códigos e as mensagens e os sinais e os signos ocultos que manuseamos ou frequentamos na nossa vida de todos os dias, que alguns pretendem estar disfarçados de outras coisas nas grandes obras de arte, os subtextos poéticos ou arquitectónicos que significariam mais (e maior) do que o próprio texto e ao qual só poucos iniciados têm acesso pleno… tudo isso… existe?, não existe? Oh, já houve evidências de tanta coisa que existia e que nós supúnhamos não existir. Será que não estamos preparados para identificar muita coisa de maior na nossa pequena vida menor de todos os dias? Será?  Não sei. Mas às tantas, vai-se a ver e nada existe mais do que aquilo que não existe…


Que códigos podem estar ocultos nas simples quatro notas em tonalidade de Dó menor da Quinta de Beethoven? Que quis Beethoven realmente dizer-nos com aquelas  quatro imperativas notas logo à cabeça da sua obra. Um aviso? Uma premonição? Talvez revelar-nos o valor de PHI, a proporção divina…
Uma coisa que há anos começou a acontecer e que muito me satisfaz pessoalmente foi o êxito de vendas de certos livros cujos conteúdos erudito-esotéricos, vamos lá, são literariamente vertidos em forma de romance de acção e mistério. Lembremo-nos do Nome da Rosa, do Prof. Umberto Eco, o primeiro, ou o mais celebrizado, achado técnico-narrativo do género, e até por acaso adaptado menos mal ao cinema. E mais O Pêndulo de Foucault, do mesmo Eco. Para não falar de outros de menos elaboração intelectual ou de inferior qualidade literária.
E, mais recentemente, à entrada do milénio, na esteira do pioneirismo de Umberto Eco, eis que nos aparece o Código Da Vinci, da autoria de um certo Dan Brown de quem eu nunca tinha tido notícia até O Código Da Vinci ser um sensacional best seller internacional. E a impressão que então me ficou foi de que TODA A GENTE tinha lido o Código Da Vinci.
O que é que cada um tirou dele, e porque é que gostou, ou não, dele… isso já é outro assunto…
Toda a gente leu o Código Da Vinci  e seus derivados, visto que a espécie de boom editorial quanto aos tais assuntos esotéricos não deixou de estar em moda, e esses produtos vendem, dão bom dinheiro a ganhar.
E entre os derivados do Código Da Vinci (que, como digo, já era um derivado das coisas sérias do Eco) estão alguns livros que só foram dele derivados por uma questão de oportunismo editorial, posto que foi de alguns deles que Dan Brown retirou grande parte do material para o romance.
        (A Flauta Mágica. O que é que Mozart quis dizer ao mundo e às Idades com esta obra? Que mistérios Mozart terá desvendado na armação dos acordes maçónicos da Flauta Mágica? Terá ele morrido por revelar por música segredos maçónicos impronunciáveis?)
Gosto que estes êxitos literários aconteçam, estava eu a dizer. Tal significa que grande número de pessoas pode começar a espiritualizar-se. O que não é mau.
As pessoas podem, por estes livros, ter ideia de alguma realidade eventualmente oculta, ou vislumbrar que a realidade absoluta nem sempre (ou até raras vezes) está ao nosso alcance, e de que essa realidade (verdade) não nos será nunca revelada nas histórias que nos são impingidas pela televisão, e que outras realidades poderão existir menos evidentes… porque nada existe mais do que aquilo que não existe, e porque às vezes parece que o que não existe na televisão não existe mesmo… quando afinal existe.


Grande parte do público talvez se tenha começado a desinteressar da política tal como ela é feita nestes nossos dias. E tal pode estar a acontecer, em boa medida, pela intuição dos públicos de que muita coisa importante lhe passa por debaixo do nariz, que nem tudo vem no jornal – nem sequer o mais importante -, e os sinais dessa intuição dos públicos pode ser o crescendo universal de interesse por este tipo de best sellers onde se acena ao público com a probabilidade de que a realidade mais real possa andar por paragens com que o respeitável público nem sonha.
Sim, o grande público pode estar a aperceber-se de que o suco da verdade da organização do mundo é oculto, está codificado e só é perceptível por signos.


O público que leu o Código da Vinci  ficou a pensar o quê do que leu?
Bom, na maioria dos casos, entreteve-se com a intriga a atirar para o policial, gostou da estória. Quanto ao mais, deixou-se estar indiferente. Ou não? Um livro que deixa o público indiferente quanto à sua intenção não dará com certeza um êxito colossal de vendas. E eu diria que, na maioria dos casos, o público leu e aderiu. Que é como quem diz, acreditou, mesmo que fosse tudo apenas imaginação. Ou se não acreditou passou a pôr uma quantidade de coisas em causa. Ou pensou que, se não acreditou poderia mais tarde vir a acreditar. E assim o livro passou – terá passado – a constituir um perigo. Um perigo para quem?
Também houve quem o tivesse lido e não tivesse gostado nada. E tanto assim que em sites e blogs da Internet começaram a aparecer as contestações. E algumas delas quase violentas, e até, a meu ver, despropositadas, que diabo, O Código da Vinci  é apenas um romance, uma obra de imaginação. A menos que haja alguma verdade concreta nele, e por detrás dele esbracejem alguns interesses pouco claros…
E cuidado com as teorias da conspiração, nem seria preciso dizê-lo …
Mas pertence à Opus Dei o mais brutal e estúpido assassino que figura no romance, é verdade…
Mas vamos lá a a ver… o livro onde Dan Brown bebeu (quase diria que copiou) para romancear a questão do Graal e do Priorado de Sião foi começado a escrever pelos anos 70 e foi dado à estampa em 1982. Chama-se The Holy Blood and The Holy Grail  - que ficou, na versão portuguesa da editora Livros do Brasil, como O Sangue de Cristo e o Santo Graal – da autoria de três investigadores, dois dos quais eu, por deles ter lido outros trabalhos, muito aprecio, Michael Baigent e Richard Leigh, aqui associados a Henry Lincoln. Um livro sem ficção que acho incomparavelmente mais empolgante do que o Código Da Vinci.
Acentua-se no Código da Vinci a força política e financeira de uma confraria, a Opus Dei, a organização católica com a mais elevada taxa de crescimento em todo o mundo e a que mais suspeições concita sobre si.
Votos de castidade na Opus Dei? Sim, e depois? Pagamento de dízimos e duras penitências, auto-mortificações, cilícios? Evidentemente. Que temos nós com isso? Já não nos chega a nossa vidinha?
Corriam boatos desagradáveis sobre a Opus Dei. Alguns poderiam mesmo ousar chamar-lhe a Máfia de Deus. Constou até que um grupo drogara alguns noviços com mescalina,de forma a induzir-lhe estados eufóricos que se pudessem confundir com transes religiosos; um homem do FBI, preso por ser agente duplo e membro da congregação, filmava em vídeo as suas práticas sexuais e mais umas quantas coisas estranhas…


A impressão que me deu, que me dá, é de que o escopo fundamental das contestações aparecidas entretanto não pretendem mais do que limpar a  histórica folha da Opus Dei.


Por exemplo, quanto a equilíbrios de masculino/feminino no interior da Opus Dei: as mulheres seriam compelidas a limpar as residências dos homens, enquanto estes se entregavam a tarefas da ordem do superior ou do espiritual; as mulheres poderiam dormir em tarimbas de pau, enquanto os homens, vá lá, pelo menos ainda poderiam deitar o cadáver em enxergas de palha. Mas estes seriam os numerários, os profissionais a tempo inteiro da confraria, por assim dizer, porque os havia supra-numerários, gestores, banqueiros, gente importante com vidas normalíssimas de mulher e filhos e alto conforto de vida e altos negócios de finança.
O autor do Código da Vinci apresenta-nos muito  evidentemente um antagonismo: Opus Dei versus uma organização multi, multi secular que teve vários nomes, que foi a Ordem de Sião e que nos chegou sob o nome de Priorado de Sião, ordem ultra secreta que supostamente teve como grão mestres algumas das maiores figuras universais da política, da aristocracia, das artes, das ciências e das letras de todos os tempos.


Uma ordem ultra secreta, o Priorado de Sião, que teria em seu poder um segredo arrepiante de gravíssimas e profundas consequências mundiais se fosse revelado.

       
                                      
Digam-me lá: quem acreditaria num maduro – ou grupo secreto de maduros - que viesse a público com meia dúzia de papiros ou velinos na mão a dizer que afinal Jesus Cristo era um homem, um simples mortal (excepcional, mas humano), um pai de família, casado com uma senhora chamada D. Maria Madalena que no momento em que lhe crucificaram o marido estava grávida de uma menina que haveria de se chamar Sara?
Ninguém acreditaria. Tal verdade nunca poderia existir.


Se o povo acreditasse seria o colapso de uma civilização, o fim da nossa consciência histórica, que é uma das poucas coisas que cada um tem de verdadeiramente seu nesta vida.
E no entanto, pode ser verdade. Mesmo que os detractores do Código da Vinci  não queiram que seja verdade.
A verdade? Qual verdade? A verdade da política? A verdade da economia e dos negócios? A verdade da própria vida? A verdade da alma? Será que a verdade existe mesmo? Cada vez tenho mais dúvidas…é verdade…


E porque hei-de eu acreditar piamente que Cristo era filho de Deus, solteiro, bom rapaz,  místico, taumaturgo, mártir, ressuscitado dos mortos... e sem nunca ter tido contactos carnais?

Porque não hei-de acreditar, se me apetecer, que ele foi um homem normal, embora de intelecto e poderes superiores, casado e pai de filhos?
É isso. Tantas provas me podem apresentar de uma coisa como de outra. Ou seja: ninguém me pode apresentar provas absolutamente indesmentíveis seja de uma coisa seja de outra.
Ah, e desconfiem sempre que nalguma obra musical ou literária lhes apareça uma rosa, a flor mais esotérica que existe, um dos códigos que pode encerrar mais sentidos ocultos. É na rosa que se esconde o Segredo… qual segredo? Não sei, juro…
Não, senhores, não sou um defensor do Código da Vinci. Literariamente achei-o uma boa merda. Mas… mas quanto à substância mística, faço como no Totobola e jogo numa tripla (ou quádrupla, ou quíntupla), pobre de mim, que sei eu, quem sou eu para poder palpitar para um lado ou para o outro? Sim, sim, acho-o, como romance e do ponto de vista estrictamente literário, com reduzido valor, sem valorizar excepcionalmente o tom e o ritmo policial da prosa, mesmo a pedir adaptação cinematográfica, e que lhe explica muito do sucesso comercial. É bem certo que o Código da Vinci  não vive só disso, vive, e muito, da originalidade romanesca do assunto e da mitologia marginal que lhe está implícita, eu sei. Mas pisca demasiado o olho ao comercial…
E reparemos que foi no virar de milénio que o Código da  Vinci  apareceu, e com o retumbante sucesso que teve – e com ele outros livros, como disse, que de uma forma ou de outra lhe desenvolvem a temática - além de serem já banalidades os programas inteiros de televisão sobre a mesma coisa, priorados, ordens secretas, maçonarias, o Graal, os cátaros, os Templários, o neo-paganismo, os nazis…
Precisamente: o centro histórico da questão são os Templários. Sempre os Templários. Mas da existência histórica real e do destino dos Templários decorrem muitos mistérios. O Priorado de Sião, um; o papel de Maria Madalena, outro; a sobrevivência de Cristo ao martírio da cruz, outro; as razões reais da extinção de ordem tão poderosa, outro. E todos interligados.
É a partir da personagem de Jesus Cristo que se desenvolvem os mistérios iniciáticos mais em voga neste ainda começo de milénio.
A Bíblia, e em particular o Novo Testamento, são reavaliados à luz da ciência, da arqueologia, da História e da conjuntura política dos tempos, e o que é essencial com respeito à fé e aos valores cristãos começa a ser posto em causa.
A vida de Cristo entre os seus 14 e 29 anos, a aprendizagem, a trajectória pessoal, o estado civil, a crucificação, a ressurreição… o cristianismo, em suma, e seus ensinamentos e princípios morais, enfim, tudo isso  pode  ser desacreditado, e com ele, cristianismo, por consequência, todo o poder e toda a força das infalibilidades da Igreja de Roma.
Os procedimentos de ordem histórico-política, militar, e até económica, deste início de milénio também poderiam significar qualquer coisa. A mundialização, a crise financeira e a barbárie capitalista que se lhe vai seguir, a confusão e o imoralismo que se instituem como quem não quer a coisa na vida comunitária, o terrorismo, as novas crises no Médio Oriente, a guerra religiosa declarada, indesmentível e sem fim à vista, entre o Islão e o Ocidente. Por exemplo.
Por exemplo, a urgência de fazer incluir a matriz cristã no preâmbulo da constituição europeia. Aparências de alguma coisa que a gente não sabe se se passou, se se está a passar, se estará para se passar…
Com o descrédito da mitologia de Cristo muita coisa - senão tudo – da nossa moral fundamental está a descredibilizar-se, a desmoronar-se mesmo. A favor de quê? De quem?
Se estamos no limiar da queda dos valores cristãos, que outra moral e que outra civilização se preparam em seu lugar?
Porque nem sempre as coisas são o que parecem ser.
Há homens iluminados que ao longo dos séculos pareceram querer dizer algo de perturbante ao mundo, que insistiram em avisar o mundo, cuidado, as coisas raramente são aquilo que parecem, cuidado porque a vida mais aparentemente simples e todas as coisas mais corriqueiras são sempre passíveis de várias leituras…


Em Shakespeare (que sabia muito mais dos mistérios da verdade do que parecia saber) estamos com Macbeth, no título deste texto: nada existe mais do que aquilo que não existe. Isto é de quem sabe qualquer coisita a mais do que o normal dos viventes…


O livro que efectivamente me interessa não é o Código da Vinci. É precisamente o The Holy Blood and The Holy Grail  - em português O Sangue de Cristo e o Santo Graal  - onde Dan Brown foi buscar o material para romancear. Mas os contestatários ferozes do Código também o são – naturalmente  - desse  O Sangue de Cristo e o Santo Graal, e consideram-no falso como Judas. O Priorado de Sião nunca terá de facto existido ao largo dos séculos. O Priorado de Sião não seria nada o pai secreto da Ordem dos Templários.
E que terá feito esse senhor Pierre Plantard em cuja honestidade e boa fé os autores do O Sangue de Cristo e o Santo Graal  acreditaram?
Esse senhor, e mais dois ou três outros terão depositado na Biblioteca Nacional de Paris um acervo documental, os chamados Documentos Secretos, que supostamente provariam a existência e actividades do Priorado de Sião desde cerca do ano de 1088 até aos dias de hoje. Documentos esses que os detractores do Código da Vinci  e do O Sangue de Cristo e o Santo Graal  consideram falsificações.
E quero que se perceba uma coisa: não tenho a mais pequena intenção de intervir parvamente na contenda esotérica – quem sou eu, ignaro agnóstico? -, só, quando muito,  estaria interessado em estimular, como Leonardo (e passe a descarada imodéstia), algumas pessoas a abrir os olhos para certos assuntos que não figuram nos telejornais nem se lêem nas primeiras páginas da imprensa. É essa a principal questão de moral, para mim.


A mulher. Um caso. Houve – sobretudo feministas – quem tivesse lido e relido o Código da Vinci e tivesse passado um pouco por alto as terrificantes perspectivas mundiais que nele se contêm e se tivesse fixado numa única das questões levantadas. A condição feminina. A condição de Maria Madalena. Prostituta. Ou santa. Ou mãe. E mãe de quem? Aí está: mãe da descendência de Jesus Cristo nem menos. E é aqui que entra Leonardo da Vinci, e daqui decorre o título do livro.
Quem olha para o famoso quadro da Mona Lisa poderá alguma vez dizer que uma montagem subliminar está para além dos significados óbvios do imediatamente visível e que pode explicar 2000 anos de organização do mundo?
Mas quem poderá ler essas mensagens senão os eruditos – desde que iluminados?
Claro que é preciso cuidado, porque os eruditos muito se divertem com a Razão, com a Cultura, com a História. E com o silêncio dos objectos.
Mona Lisa: dizia-se que era o retrato de uma senhora, uma dama florentina (Mona) chamada Lisa, mulher de um abastado comerciante. Mas o dito Código Da Vinci avança outras variantes interpretativas…
A Mona Lisa, além de, admissivelmente, poder ser um auto-retrato do próprio Leonardo vestido de mulher, também, sem deixar de o ser, pode ser um informe sobre a própria condição feminina.
As mulheres estariam em dívida eterna para com o mundo dos homens. O pecado original ninguém o limparia do corpo delas. O pecado original eram elas. A Opus Dei, fundamentalista, esforçar-se-ia por regressar à suposta pureza arcaica dos princípios…
Mas… e se os princípios do cristianismo não tivessem sido rigorosamente esses, nomeadamente quanto à subalternização – para não dizer humilhação – da mulher?
Um dos objectos simbólicos de que se fala no livro é um pentáculo. Um instrumento que era usado já 4.000 anos antes de Cristo. É a natureza que está em associação estreita com o pentáculo num universo de antigos saberes em que se concebia o mundo dividido em duas partes, masculino e feminino, Yin  e Yang. Não há bicho careta hoje em dia que não saiba disto. E só na condição de masculino e feminino se acharem equilibrados é que haveria harmonia no mundo.
Logo no início do romance apresentam-nos uma personagem que acaba de ser atingida com um tiro e que tem um segredo da máxima importância mundial a transmitir – ou a falsificar conforme o interlocutor que lhe apareça. De qualquer das maneiras um segredo cifrado, codificado, de que essa personagem era guardiã. O homem que mata a personagem é um monge da Opus Dei e, nas vascas da agonia, a personagem moribunda transmite-lhe o segredo de um lugar onde se esconde um outro e importante segredo. Mas dá-lhe uma pista falsa. Há de facto um segredo importantíssimo escondido, mas para lhe chegar haverá que decifrar códigos culturais que são charadas complicadíssimas. O que quer dizer que, por alguma razão, os homens da Opus Dei não têm o direito de saber a verdade do segredo.
Leonardo. Visionário. Genial. Homossexual – coisas que no seu tempo não significavam exactamente o que hoje possam significar de orgulho gay. Muito pelo contrário. Adorador da ordem da natureza. Tipo altamente enigmático, problemático, duvidoso para a ordem  vigente. Excêntrico. Um pecador contra o status a vários e desgraçados carrinhos.
Pode dizer-se, conforme no-lo vinca o autor, que Leonardo trazia com ele uma espécie de aura demoníaca. Exumava cadáveres, calculem, para os estudar. Escrevia os seus diários ao contrário, ou seja, uma escrita invertida, indecifrável. Desenhava e produzia instrumentos de tortura e máquinas militares de grande poder mortífero. Era um marginal, e no entanto, um marginal tolerado e protegido pelos poderosos do tempo. Talvez porque sabia uma verdade crucial.
Leonardo venerava a sua própria obra - o quadro de Mona Lisa em concreto. Só por ver nela o ácume da sua mestria artística? Talvez não. Da Vinci levava consigo o pequeno quadro de Mona Lisa para onde quer que se deslocasse mas por uma razão não imediatamente estética, por uma razão secreta. Mona Lisa arrecadava nas suas simbologias e nas técnicas do sfumato com que a executara o incomensurável segredo de que alguém, ou algum grupo,  eram depositários. 
A linha do horizonte do fundo do quadro é desigual. A linha do lado esquerdo ficava mais baixa que a do lado direito e isso continha uma mensagem, era uma ponta do segredo. Mas para aceder nem que fosse à pontinha mais básica do segredo, o vulgo teria  de saber o que de certeza não sabia e que era o seguinte: tradicionalmente, aos conceitos de masculino e feminino são atribuídos lados opostos, o direito ao masculino, o esquerdo ao feminino. Da Vinci, sei lá se pelas suas ditas tendências sexuais, privilegiava o feminino, o lado esquerdo, e pela organização do espaço pictórico, ao rebaixar o fundo esquerdo faria a figura parecer mais importante, justamente do lado esquerdo, do lado feminino.


Todavia, o essencial era o equilíbrio, a proporção, a harmonia, não já aqui em termos artísticos mas humanos, históricos e filosóficos. Não existiria alma humana que se pudesse dizer iluminada se não possuísse e activasse em si as duas forças contrárias, embora concomitantes e equilibradoras, o masculino e o feminino. A linha interpretativa iniciática de Mona Lisa entroncaria então na androgenia, na fusão de elementos opostos.


E outro dos muitos aspectos crípticos contido no romance vem dos lados da mitologia mais arcaica. Há o deus egípcio da fertilidade masculina que se chama Amon, um corpo de homem e uma cabeça de carneiro; e há Isis, a deusa, a mulher modelo dos egípcios. Amon. Isis. Isis que no antigamente das vidas era grafado L’Isa. Dá Amon L’Isa. Eis  o anagrama, a técnica primeira de todos os códigos. Amon L’Isa, por anagrama, igual a Mona Lisa: união de duas forças mitológicas opostas, masculino, feminino.


Nada existe mais do que aquilo que não existe.

  Gershwin, sim, um caso: dizem que também ele era um iniciado nestas coisas do Segredo, ele e, entre muitos outros, Walt Disney – que nunca terá feito outra coisa nos seus desenhos animados senão contar de várias maneiras a história do impressionante segredo de Maria Madalena. Dizem.
Mas entretanto ficámos a saber que um dos maiores especialistas mundiais sobre as questões do Priorado de Sião é um jovem português. É um dos que desmascara o senhor Pierre Plantard, o dito inventor do Priorado de Sião, o que registou num cartório de província o Priorado, mas só em 1957; o mesmo que, efabulando a partir de uma história que atravessava a própria História europeia, se reclamou como última vergôntea da desaparecida linhagem merovíngia, ou seja: legítimo pretendente ao trono de França.

                                                                                                   

E como nada existe mais do que aquilo que não existe, a experiência ensina-nos que é sempre de esperar que o que hoje é considerado falso pode muito bem, amanhã, vir a revelar-se verdadeiro. E vice-versa… mas, tanto para o vice como para o versa, há mistificações que podem render muito dinheiro… e poder… e é isso que nestes tempos nos pode fazer desconfiar até da própria sombra…




1 comentário:

  1. Não li o tal código. A euforia dos leitores do livro colocou-o no meu index librorum logo se lerá. Aconteceu o mesmo com a Rosa do Eco que provocou uma euforia semelhante, mas esse acabou por ser lido.

    Aquilo que não existe, existe mais do que aquilo que existe porque não tendo existência manifesta-se no que existe. Assim se materializam as linhas de fronteira territorial, o medo, a fé... a própria existência.

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