domingo, 8 de setembro de 2013

                  FAZER O GRANDE FILME

     Custa-me perceber a existência de cinéfilos sinceros que detestam o Woody Allen. Existem, eu sei, mas custa-me perceber-lhes a existência. Sim, cinéfilos sinceros, antigos (digo antiguidade no serviço da cinefilia, não necessariamente velhos). E estaria eu para aqui em jeitos de pensar que esses só poderiam gostar do Woody Allen e do referencial cinéfilo genuíno, humorado e memorial que há no Woody Allen. A dúvida que ponho é a de serem ou não cinéfilos sinceros os que odeiam o Woody Allen, os que não o podem ver nem pintado. Ou mais longe na dúvida: a de esses serem ou alguma vez terem sido cinéfilos. Verdadeiros. Sinceros.
       Posso admitir a existência de um cinéfilo daqueles antigos no serviço, e sincero, que sinta impedimentos com o humor. Custa-me, mas posso admitir. Ou que não tenha mesmo sentido de humor – quero eu dizer, aqueles que chumbaram na disciplina do Humor nos seus tempos juvenis de frecheiros do cinema, nos seus tempos de aprendizagem da cinefilia. Cinefilia, diria eu, que foi uma escola de humor, não tenho a mais pequena dúvida. Uma escola que ensinou os diversos tipos de humor que era necessário cultivar para se viver bem a vida, e para se apreciarem certas pessoas, certas situações, e certos filmes, claro, estabelecendo as marcantes diferenças.
       Marcantes diferenças de humor. Gradações múltiplas do riso. Boa. Diferenças de Totó para Cantinflas; de Bucha e Estica para Harold Lloyd; dos Irmãos Marx para Abott & Costello; da série Carry On (Com Jeito Vai) para Norman Wisdom; de Fernandel para Louis de Funés. Ou, sofisticação por sofisticação, nas distancias entre criadores tout court, mas criadores bem humorados. O que há entre Chaplin e Buster Keaton? O que há entre Ernest Lubitsch e George Cuckor? Que se passa entre Dino Risi e Ettore Scola, ou entre este e Monicelli? O que é que vai (ou não vai) de Billy Wilder a Mel Brooks, de Fellini a Jacques Tati, de Hitchcock aos Monthy Python?
       Noutro tempo era preciso apurar tudo isso – de preferência sem teorizar. Eram matérias que sincera e automaticamente o velho e honesto cinéfilo aprendia nos cinemas e podia identificar na vida corrente, em casa e no emprego. E era muito aprendido nos gloriosos cinemas de reprise (Lys, Paris, Chiado Terrace, Cinearte, Salão Ideal do Loreto, Palatino, Europa) ou nas sessões clássicas do fim de tarde de alguns cinemas de estreia.
       Bem, vamos lá a ver uma coisa importante: uma coisa é ir ao cinema de vez em quando, outra, completamente diferente, é ser cinéfilo, cinéfilo sério e responsável, com honesto e sincero sentido de humor.
       Sei de cinéfilos sinceros que depressa se tornaram pessoas cultas e que como pessoas (ditas) cultas a certa altura deram em preferir o drama ou o filme que escarrapachadamente lhes falava de política. A vida tornava-se séria, é verdade. 
  Outros cinéfilos primeiramente sinceros decidiram-se a certa idade, e por influência de certas companhias, pelo estético, e não havia Dreyer nem Bresson nem Ophüls, nem Jean Vigo, nem Straub, nem japonês, nem russo velho, nem doutor caligari que lhes escapasse. Até verdadeiramente chegarem aos psicóticos orgasmos bergmanianos. O sério. O importante.
E demasiados cinéfilos sinceros, quer dizer, naturalmente dotados daquela condição de infantilidade necessária para se ser sincero seja no que for e até como espectador de cinema, pois, e até muitos desses deram em cinéfilos sérios.
É preciso ver que a minha reminiscência cinéfila remonta a anos 50. Já se tinha percebido. Anos 60, ainda. Porque pelos Seventies os cultos cinéfilos transferiam as suas sinceridades para aqueles filmes italianos, por exemplo, que afrontavam directamente e com mais ou menos humor os problemas da corrupção política transalpina; ou aqueloutros franceses que podiam debruçar-se sobre os atentados na Grécia dos coronéis ou na América Latina dos generais. Os intelectuais encartados iam dizendo que todo o filme era político tratasse ele do que tratasse, mas os sinceros e doravante cultos cinéfilos só entendiam político o filme que lhes pespegasse os casos mesmo diante dos olhos, sem subentendidos ou subtilezas.
Cinéfilos sinceros. Mas afinal que diabo vem a ser isso? Não sei. Foi uma expressão que inventei agora mesmo como arranque para um assunto de cinema de que me apeteceu falar, e como princípio de conversa de velhadas saudosista de merda. Saudosista, sim!. Antigamente é que era bom. Duvidam? Então duvidem. Mas era. Nisto de cinema não tenham dúvidas de que era.  
O que é ser sincero? O que é ser cinéfilo? O que é, ou quem é, esse cinéfilo menos sincero, ou completamente falso a que me refiro?
Tenho uma solução pessoal para estes magnos problemas que levanto e que afectam as noções civilizacionais que tenho. E solução tão pessoal ela é que pode bem ser considerada um disparate.
Cinéfilo honesto e sincero é o cidadão que começa muito novo a cultivar o vício do cinema – sim, vício – cinema visto no cinema e não no televisor. O que começa cedo, mesmo muito cedo, a ir ao cinema para saciar a fome de ficção que a vida real dá. E que nem todos sentem, é certo. Mas que muitas vidas sentem desde a infância mais suave das histórias para adormecer ou para comer a sopa, as histórias que se gosta de ouvir repetidas duas, três, mil, vezes, e quando instintivamente se sabe que uma história contada nunca pode ser repetida, porque se o plot básico e acontecimental pouco pode variar, as voltas da narrativa, as palavras usadas, as imagens inventadas aumentam exponencialmente as possibilidades ficcionais desse plot básico e podem fazer de uma história já com barbas uma história nova. E cá está a tal condição de infantilidade de que falei atrás.  
Cinéfilo sincero. Que pepineira. É o que começou a ir aos tais heróicos cinemas de bairro (Promotora, Olimpia, Restauradores – também conhecido por Galo – Arco Íris, Arco de Bandeira, Rex, Salão Lisboa, Imperial) e aguentou louco de prazer os dois filmes da sessão. É o rapaz que se entusiasmou com o primarismo docemente violento dos westerns, antes, muito antes, de lhe terem falado do John Ford. É a rapariga que lacrimejou nas suas primeiras comédias românticas. O cinéfilo sincero e honesto e genuíno começou a ir ao cinema pelo menos duas vezes por semana para ver indiscriminadamente filmes, os da acção e os da melancolia, os bons, os bestiais e os barretes, sem exigências, sem preconceitos. Ver, ver. Viver idealmente por hora e meia/duas horas as histórias que lhe apresentassem, sem cuidar de minudências, de estéticas, de nomes de realizadores (ou até sem saber ao certo o que eram realizadores), apenas simpatizando mais ou menos com actores e actrizes.
E cá está: Woody Allen chegou a ser o cinéfilo quase perfeito. Eu cresci a ir ao cinema – é o que ele diz -, cresci com a paixão do cinema. Mas, infelizmente, nos tempos recentes já não se pode dizer que existe uma cultura cinematográfica – continua ele a dizer. Já ninguém espera ansiosamente pelo último Bergman, pelo último Truffaut. Esse cinema é um fenómeno que deixou de existir. Os excelentes realizadores que vão aparecendo têm que lutar muito, tanto que que podem vir a desistir de fazer filmes.
Foi quando se meteu às livralhadas que o pobre cinéfilo apaixonado, honesto e desprevenido – e sincero – evoluiu para a cultura cinematográfica. Tornou-se culto, foi o que eu disse. Começou a erigir barreiras ao seu vício, arriscando-se a perder o vício do cinema e a contraír outro, o de pensar – como disse alguém, já não me lembro quem. Começou a discernir diferenças, o que era nouvelle vague francesa, o que era o free cinema inglês – ou novas histórias, ou simplesmente as mesmas, apanhadas de outros pontos de vista, ditas por outras e mais lentas e abundantes palavras e imagens – o expressionismo, o realismo, o neo-realismo, cinema velho (Eram Duzentos Irmãos, Pão Amor e Totobola, Sarilhos de Fraldas, Rapazes de Táxis, A Última Pega, O Homem do Ribatejo), cinema novo (Verdes Anos, Domingo à Tarde, Belarmino, Mudar de Vida, Abelha na Chuva), aturar os russos, incorrer nos japoneses, abrir a boca ao Eisenstein, ao Kurosawa, ao Mizoguchi, deixar de chamar cobóiadas aos filmes do John Ford, levar em cheio com um Bergman difícil, com um complicativo Antonioni, babar-se de estética com as visões do Fellini, dormitar sobre o historicismo materialista-dialéctico do Visconti (e por causa disso ver jeitos de aderir qualquer dia ao marxismo), apreciar aquilo em que nunca tinha reparado mas que as leituras lhe disseram ser um enquadramento, fazer por gostar das cinematografias marginais, exóticas, georgianas ou iranianas, ser habitué da Cinemateca no tempo de ver filmes checos, falados em polaco e legendados em húngaro...
Ah, mas no centro operacional do seu instinto cinéfilo nunca poderia deixar de estar o encantamento de uma sala escura, o gozo de uma história com pessoas de luz a conviver com ele num grande écran que o fazem rir, que o comovem às lágrimas e que o conservam puro.
Está mais que visto que todo este meu arrazoado fica ferido de credibilidade pelos circunstancialismos geracionais. Um gosto pelo que já não existe. Espero que se perceba. Saudosista sim. Antigamente é que era bom. Não tenham dúvidas. Falo de cinema. E o Woody Allen também fala: não existe mais uma atmosfera cinéfila como aquela que nos levava a sair do cinema e a querer continuar a falar do filme por uns dias.
Ir ao cinema era um dos maiores prazeres da vida do Woody Allen muito jovem. Começava por adorar o ritual, olhar para as bonitas mulheres, ouvir as conversas, sentir as expectativas que cresciam até ao apagar das luzes e ao começar do filme, Se eu gostava muito do filme ficava impaciente e ansioso por regressar a casa e comunicar aos amigos o que tinha visto e o prazer que me tinha dado ver aquilo. Hoje é tudo diferente. As pessoas compram ou alugam um vídeo, um DVD, e vivem o cinema de outra maneira. Uma maneira de viver o cinema que, devo dizer, não me interessa muito.
Woody Allen chora lágrimas de sangue pela perda dos seus ídolos de juventude. Bergman morto, Buñuel morto, Kurosawa morto, Fellini morto, De Sica morto. E recorda deliciado os tempos em que sonhava vir a ser um deles, um daqueles.
(Antigamente é que era bom, digo-vos eu.)
O cinéfilo que na minha parvoíce delirante acusarei de menos sincero é um cinéfilo de fresca data, ou um tipo culto de outras culturas (literárias, principalmente), oriundo de outros pensares e de outros viveres. Se me apetecesse poderia chamar-lhe cinéfilo académico. Ou amador de rótulos, de escolas, de catálogos e de carimbos. Científico e aparentemente sério, seriíssimo. E com dificuldade em deixar-se levar no gratuito e no porque sim de uma gargalhada, ou naquela emoção cuja raiz sócio-cultural não descortinou às primeiras, sentido profundo, mensagem ideológica, momento histórico, recorte estético. É, deve ser, esse o cinéfilo renitente com o Woody Allen. É esse o cinéfilo que só vai ao cinema na condição de poder assistir a grandes filmes. Ou que vai ao cinema para passar o tempo, como poderia ir ao Jardim Zoológico ou ao Museu da Água.
Grandes filmes? Esses grandes filmes que Woody Allen não conseguiu fazer nem um. É o que ele diz. Não quer dizer que eu concorde com ele.
Mas é mesmo aqui que eu quero chegar ao falar de Woody Allen – já tardava. Woody Allen, cineasta algo menosprezado na sua terra (eventualmente por nunca ter feito o que ele considera um grande filme), ao mesmo tempo que cultuado na Europa; o cineasta que confessa a sua pena por isso mesmo: nunca ter conseguido fazer o chamado grande filme.
E cá voltamos à mesma das perguntas estúpidas. Que é isso de um grande filme?
Woody Allen não passava de um monologuista cómico de cabaret, um vulgar inventor de piadas, antes de entrar (impetuosamente) nos meios cinematográficos. Subiu a seguir um furo, para o estatuto de autor-actor de comédias da Broadway, relativamente poucas, subindo outro furo e atingindo o estatuto de autor-realizador-actor de comédias inteligentes (o adjectivo é por minha conta) para o cinema que corria à margem das veredas de Hollywood. Subindo finalmente outro furo como autor-realizador de umas quantas comédias dramáticas – e de pelo menos um filme a que poderei chamar de drama retinto, o bergmaniano Interiors.

Foi – e é – um artista que ao longo da carreira teve as mais variadas oportunidades e os meios e condições de diversa ordem mais do que razoáveis para fazer um grande filme. E nunca o fez. Por falta de talento? Não, certamente. Então porquê? Por ser preguiçoso. 
Diz lá, Woody, diz lá aqui à rapaziada pelas tuas próprias palavras como é isso. O que eu quero é realizar um filme reduzindo ao mínimo os tempos de espera. Tínhamos uma câmara manual e usávamos essa câmara. Eu mandava cortar quando me dava na cabeça mandava cortar e montava os bocados de fita como calhava – morde aqui a ver se eu deixo, como se eu acreditasse nessa, Woody -, sim, sempre sem demasiadas preocupações estéticas, é o que eu quero dizer. Realizei filmes sem qualquer consideração pelos manuais do bom realizador. Fiz tudo rapidamente, sem esforço. A minha prioridade era chegar cedo a casa para ter tempo de praticar no meu instrumento, ver o futebol na televisão, estar um bocado com os miúdos e jantar.
Conclui ele que o único obstáculo que se interpôs entre o trabalho e a grandeza cinematográfica foi ele próprio. Por muitos anos lhe ofereceram os meios e a liberdade de realizar o tipo de filme que entendesse, musical, policial, comédia, drama. Não havia desculpas nem justificativas para nunca ter feito um grande filme, o grande filme. Ninguém lhe exigiu que tratasse este ou aquele tema. Ninguém exigiu ler previamente um script dele. Ninguém nunca lhe quis fiscalizar os rushes ou a montagem. Ninguém alguma vez o proibiu de contratar este ou aquele actor.
Vai para trinta e cinco anos que tenho carta branca e nunca rodei um grande filme. Parece indiscutível que não é esse o meu registo. Diz que lhe faltava a profundidade (aí está, sei lá, porque alguns cinéfilos, ou cultos, ou daqueles que vão ao cinema de vez em quando ver não importa o quê, embirram com ele), aquela profundidade visionária que é precisa para fazer um grande filme. 
Eu não sou daqueles que dizem para si mesmos quero fazer um grande filme custe o que custar, nem que seja preciso trabalhar de noite, nem que seja preciso viajar até ao fim do mundo. Não, não é para o meu feitio. Nada tenho contra o fazer o grande filme, desde o momento em que isso não venha interferir com a marcação de mesa que fiz no restaurante.
E levantam-se ainda outros impedimentos, quais sejam o de em 90% dos casos o que ele concebeu na fase de escrita ser muito melhor do que o que ele consegue realizar no plateau. Assim que do papel passa à realização a preguiça e os erros por negligência tomam conta das operações e arruínam-lhe um material cheio de possibilidades teóricas.
Quantas vezes não ouviu ele a um assistente ou a um chefe operador dizerem olha, com outro realizador esta cena levava pelo menos dois dias a filmar, quantas vezes? E o que lhe acudia prontamente à ideia era não lhe apetecer nada levar horas esquecidas a rodar a tal cena com os três ou quatro actores que nela entrassem, fazer uns quantos enquadramentos a dois, outros tantos a três, um grande plano, um contracampo, o que significaria ficar no set aquele mesmo dia inteiro, o outro, e talvez ainda o outro.
Não tenho paciência nem capacidade de concentração para tanto. Não consigo estar a ouvir horas e horas as mesmas deixas ditas pelos mesmos actores. Antes quero fazer a cena com relativamente poucos movimentos da máquina e meter neles todas as informações que quero fornecer aos espectadores, acabar depressa e passar à próxima cena.

 E foi isso que ele diz ter-lhe conservou a saúde mental ao cabo de tantos anos de cinema. E é por isso que ao cabo de tantos anos de cinema ainda não lhe sobreveio aquela grande sensação de aborrecimento.
E ainda há, dito por ele, outras coisas, outras circunstâncias impeditivas da realização do grande filme de Woody Allen. Uma delas é o facto de fazer comédias. Embora a comédia seja um género difícil, mais difícil, de fazer do que o sério, também tem um menor impacto e é menos valorizada do que o drama. Porque quando a comédia aborda um assunto o deixa irresoluto; enquanto o drama vai ao fundo do assunto de forma mais satisfatória no plano emotivo.
Não, amigos, a comédia nunca será valorizada ao nível que o pode ser A Morte de Um Caixeiro Viajante, ou Um Eléctrico Chamado Desejo, ou A Longa Jornada Para a Noite, ou o Sétimo Selo, ou o Potemkin. Estás a realizar uma comédia e dá-te vontade de tratar como deve ser da fotografia, e é quando sentes nas tuas costas o monstro do ritmo que precisas aguentar para teres piada…
Woody navega pelas águas em que mergulhei não sei quantos parágrafos atrás. A civilização do cinema, como outras, presentemente, caiu no descrédito, agoniza; essa civilização do cinema que era alimentada, cultivada, pelo público dos cinemas de bairro. Woody chegou a ter vontade de fazer um filme sobre esses antigos cinemas de bairro que frequentava em pequeno e em adolescente, os cinemas de Brooklyn, os cinemas em que vivia grande parte da sua vida desses verdes anos, levando miúdas, conhecendo miúdas, engatando miúdas. Porque nesses anos só coisas bonitas eram associáveis ao cinema e à vontade de lá ir. O cinema era o mundo, um outro mundo. Em certo sentido dava a sensação de se entrar num templo. Ou no paraíso mesmo. Chegava-se a pé pelas ruas que confluíam para a Avenida J, desembolsavam-se os vinte cêntimos, entrava-se, e de repente estava-se defronte de um écran enorme onde apareciam James Cagney e Betty Grable…
Antigamente? Oh, antigamente! Antigamente é que era bom. E Woody Allen está comigo. Hoje ainda, ou amanhã, ou depois de amanhã o mais tardar, os rapazes, ao frequentarem a sua relativa nostalgia pelos tempos de juventude e pela civilização do cinema dirão é pá, era tão bom, encontrávamo-nos à sexta-feira, vestíamo-nos à maneira, comprávamos umas cervejas, alugávamos um DVD…  
Desculpem o mau jeito mas tenho de me repetir: antigamente é que era bom.
Falo de cinema.
Mas talvez pudesse falar de outras coisas possíveis de desembocar no cinema…

Ou vice-versa.

1 comentário:

  1. Pois havia coisas muito boas, antigamente, de acordo, Joel. Uma delas, o cinema e a vida corrente que íamos descobrindo, o fruir da lágrima e do riso. De tudo um pouco, íamos desenvolvendo o bicho, o tal cinéfilo sincero - o que mais tarde (quando tivesse uns escudos comprava os Cahiers du Cinéma) dividia e catalogava depois os seus gostos pelos "ismos", o que a preto e branco imaginava todas as cores do arco-íris. Por ex. "Os Inadaptados" foi-me enfiado como uma luva. De certo modo, fugi da violência como Marilyn, inadaptei-me para sempre. E nem a censura nos impedia de VER, pensar.
    Woody é um camaleão do comum, visto de todos os ângulos: o e comum da gente dá para rir e para chorar, do grotesco ao profundo.
    Por cá, eram as tardes clássicas, o Cineclube. O tempo e o modo estavam à flor da pele: lembro-me que algures nos primórdios dos anos 60, fui ver um filme ao S. João, de tarde (as meninas não saíam à noite!). Era uma comédia picante, um acaso de quem decidiu na hora, "um furo" no liceu. E ia com o meu "amigo" nessa ocasião, namorado-sem-ser, platónico, sonhador, escritor nas horas vagas. Nunca mais me esqueço que não achei nenhuma piada ao filme, nunca mais me esqueço do arrepio que senti quando o JFGR me acariciou a base da nuca, onde acaba o cabelo e começa-começaria o corpo despido. Foi o tudo onde chegámos, no escuro ou no dia, mão dada e muitas folhas de papel escritas.
    Hoje, é um administrador de grande empresa (vi-o há uns 15 anos...), casa na Foz, calculista: e aposto que tem uma sala de cinema em casa, muito surrounding. Woody acharia graça.
    Ah... o cinema e a vida...
    Abç

    ResponderEliminar