sexta-feira, 18 de outubro de 2013

        ESTÁS NA MINHA LISTA NEGRA, DIZ A ZEBRA
        PARA O MOSQUITO
       (PARTE II)


            Tempos de desassossego no cinematográfico pós-guerra americano.


           Se por um lado havia o Comité para a Primeira Emenda, que  se desdobrava em contactos, comícios, conferências, páginas de publicidade paga nos mais importantes jornais, tudo em defesa dos direitos dos Dez de Hollywood, por outro havia os anti-comunistas mais ferozes, os racistas declarados, os para-fascistas e tudo isso integrado na Legião Americana, sempre à espreita para boicotar as salas onde passassem filmes em que participasse algum dos identificados como comunistas, e contando com o inestimável apoio da cadeia jornalistica de William Randolph Hearst.
            O próprio Hearst escrevia artigos a propósito:  se está mais que visto que no meio disto tudo os produtores de Hollywood não parecem dispostos a mexer uma palha para correr com os vermelhos da indústria, então o governo federal que se meta no assunto e que imponha censura aos filmes dos comunistas. Seria uma medida útil, visto que a indústria está infestada de comunistas.
            E enfim, era um ambiente que já preparava uma nova fase de perseguições e interrogatórios.
           O Hollywood Reporter abria um título a seis colunas: a questão comunista está a dividir a Screen Writers Guild (o sindicato dos argumentistas), enquanto na Screen Actors Guild se aprova uma resolução que obriga todo o actor a assinar uma declaração de não-comunismo.
            Frank Sinatra fala na rádio e atira-se à Comissão. Quando essa Comissão tiver depurado Hollywood qual será o próximo sector? Querem assustar-nos? O meu medo é que esta Comissão venha a obter hoje o consenso dos americanos, porque então, para o ano, já não me será possível falar livremente nesta rádio. E ao lado dele estavam Judy Garland, Humphrey Bogart, Gene Kelly, Burt Lancaster, Lucille Ball e muitos outros.
            Mas os Dez continuavam activos. Ring Lardner Jr. lá recebia os seus 2.000 dólares por semana – depois das audiências até chegou a ser aumentado – Lester Cole e Dalton Trumbo continuavam nos seus postos de trabalho na MGM, e Edward Dmytryk e Adrian Scott tinham a garantia de que a casa a que pertenciam, a RKO, não lhes ia ao ordenado.   
            A quem não importava - em primeira instância, pelo menos - saber se os Dez eram ou não eram comunistas era aos produtores e aos distribuidores. Importava-lhes mais, e preocupava-os muito, verificar que esses se pareciam demasiado com comunistas. Já dizia um director geral da MGM, não vou andar por aí a querer descobrir e castigar comunistas, o que digo é que esta história dos Dez foi um violento golpe para a indústria. Mas que sejam vermelhos ou não não me faz a mais pequena diferença. Porque não era um problema político-ideológico, o que era era um problema de public relations – aparências. E foi por essa causa que os produtores se reuniram em comité  - mais um comité. À cabeça ficou Louis B. Mayer. Entre os membros estavam Dore Schary, Walter Wanger, Joseph Schenk. Entendemos promover uma publicidade favorável à indústria do cinema para temperar o mau clima instalado.

                               
                                                          
            Naqueles dias todos me exigiam uma posição a favor ou contra os Dez, e quando eu tinha resolvido não fazer nem dizer nada – viria a dizer Louis B. Mayer mais tarde.
            A 24 de Novembro, ainda de 47, a Câmara dos Representantes deliberou por larga maioria a citação dos Dez de Hollywood para responderem pela culpa de ultraje ao Congresso dos EUA. Nesse mesmo dia, no Hotel Waldorf Astoria, em Nova York, cinquenta personalidades gradas do mundo do cinema estavam reunidas para tomar decisões, no que constituíu um dos mais marcantes momentos da História de Hollywood.´


            A indústria do cinema era uma muito peculiar indústria no universo das actividades económicas americanas, e um dos pontos dessa peculiaridade era que dependia estreita e directamente da opinião pública. Trabalhava para a opinião pública, logo, era julgada pela opinião pública. E a opinião publicada na imprensa, por esses dias, tinha dado uma reviravolta e já se levantavam vozes críticas do comportamento dos Dez. Mas também vozes críticas contra a paranóia da auto-protecção reclamada pela indústria de Hollywood. E no quadro dessa, digamos, paranóia, exigia-se regulamentação e até censura. Quanto ao crucial e sensível mercado estrangeiro dos produtos hollywoodescos, os danos eram apreciáveis, em função (dizia-se) da propaganda vermelha veiculada pelas produções americanas - muitos países da América Latina tinham por via disso fechado os écrans à produção de Hollywood.
            Aos produtores e senhores dos estúdios, os capitães da indústria, cabia uma decisão sem ambiguidades: ou bem que decidiam em conjunto defender o seu direito de continuar a dar trabalho aos Dez; ou bem que, todos de acordo, despediam os elementos dos Dez    que tinham na sua folha de pagamentos – esta última medida seria o bastante para convencer o público da culpabilidade deles.
            Louis B. Mayer foi a favor do despedimento – colectivo, digamos, comum a todas as casas produtoras. Eddie Mannix, da MGM, duvidava que privar aqueles homens do seu posto de trabalho fosse legal segundo as normas vigentes na Califórnia, mas um dos colaboradores das empresas, que no passado fora juíz do Supremo, diz que a coisa se pode fazer, embora correndo riscos.
            Contra o despedimento geral dos Dez de Hollywood levantavam-se as vozes de Dore Schary, Samuel Goldwyn e Walter Wanger. Eram pelo diálogo. Todos se deveriam sentar a uma mesa e encontrar uma solução equitativa – aviso de Goldwyn, que todavia sentiu a disposição geral favorável ao despedimento e não teve vontade de se opor ao que era a opinião mais geral. Ficou Dore Schary numa posição isolada, contrária aos despedimentos, e sustentando que  o despedimento dos Dez hostis à Comissão não traria nada de novo à indústria para além de uma nova estratégia de relações públicas.
            (Muito mais tarde, em 1965, Dore Schary disse numa entrevista ter ficado muito amargurado por ter sido o único naquela reunião do Waldorf Astoria a declarar que um trabalhador deveria ser contratado na base das suas capacidades profissionais e não levando em conta as suas ideias políticas. Pensou então em demitir-se, mas adorava o seu trabalho de produtor de cinema e não gostaria de se ver fora da indústria. Fora por isso, e só por isso, que subscrevera a Declaração do Waldorf.)
         Na reunião do Waldorf Astoria não houve votação final e decisiva. No entanto, feitas bem as contas, a opinião que na verdade prevalecia era a dos maiores chefões, e esta era a favor dos despedimentos. As vozes contrárias, como Goldwyn, Schary, Mannix ou Wanger eram vozes de produtores ou independentes, ou demasiado e absolutamente dependentes das vontades dos patrões das majors.
            O que saiu foi uma declaração, a Declaração do Waldorf. Alguns passos dela:
            Não queremos prejudicar os direitos legais dos dez cineastas de Hollywood, mas, pelas as acções praticadas, estas pessoas prejudicaram seriamente os seus empregadores e comprometeram o interesse que a indústria cinematográfica tinha nas suas colaborações. De hoje em diante procederemos ao despedimento sem direito a indemnização dos dez incriminados que trabalham na nossa dependência e não os voltaremos a contratar até que sejam absolvidos da acusação de ultraje e até que possam declarar sob juramento que não são comunistas. Que fique claro: não contrataremos pessoa alguma que seja comunista ou membro de algum grupo ou partido que se proponha derrubar pela força ou por qualquer outro método ilegal e inconstitucional o governo dos Estados Unidos. A este propósito, apelamos às organizações sindicais de Hollywood para que colaborem connosco a fim de eliminar os subversivos que se acoitam entre nós. Etc.
            Daí para a frente os estúdios exigiam a cada seu contratado uma carta em que jurasse não ser comunista, não frequentar extremistas, e arrepender-se e jurar não tornar a cometer semelhantes erros se no passado tivesse colaborado com alguma destas organizações – ajudas aos refugiados espanhóis, aos comités anti-fascistas e coisas assim.   
            Depois da Declaração do Waldorf, a lista negra , que se restringia àqueles dez, foi sendo alargada a muitos mais artistas.

                        



A chamada lista negra de Hollywood era a lista de artistas a excluir da indústria cinematográfica devido às suas ideias políticas. Algo que, elaborado pelas maiores produtoras cinematográficas, nunca existiu. Por ser ilegal a elaboração de qualquer lista negra.
Algo que nunca existiu, dizia, mas que existiu – porque, lá está aquilo que eu (plagiando o camarada Will Shakespeare) costumo dizer: nada existe mais do que aquilo que não existe.
Na verdade, nenhuma das majors alguma vez admitiu a existência de listas negras discriminatórias com base nas ideias políticas, nem nenhum tribunal alguma vez as reconheceu. E no entanto, os resultados delas foram evidentes.
No seu pleno direito, as grandes companhias cinematográficas recusaram trabalho a certos argumentistas, realizadores e actores. Pura e simplesmente. Mas tal não poderia interpretar-se como uma sistemática segregação por razões ideológicas.
Haveria doravante duas razões imediatas, oficialmente instituídas, para o despedimento de um artista. Uma era o ter-se recusado a responder cordatamente às perguntas da Comissão para as Actividades Anti-Americanas; e outra era ter sido apontado por testemunhas como estando, ou tendo estado, filiado no Partido Comunista Americano.


Mas também será preciso ver as coisas mais de perto. E o certo é que a indústria hollywoodesca do espectáculo sempre tivera as suas listas negras. Podiam mudar os tempos, as motivações e as dimensões do fenómeno, mas o espírito segregacionista sempre existiu contra pessoas de grande talento ou de elevada qualidade profissional que de um dia para o outro eram postas à margem da nata da indústria, e nalguns casos para sempre. Bastava uma vingança pessoal, uma inveja, um caso de sexo. Por isso mesmo, McCarthy, e a Comissão para as Actividades Anti-Americanas que ele inspirou, não inventaram nada quanto a princípios subreptícios de repressão e segregação no meio cinematográfico. Só que, se nos anos 20 os proscritos de Hollywood podiam sê-lo devido a comportamentos de moralidade inaceitável, nos anos 40 e 50 a tonalidade da música repressiva mudava da moral sexual e dos costumes para quesitos de moral política.
Os Dez não esperaram muito pelas consequências práticas da Declaração do Waldorf. Quem tinha um contrato foi prontamente despedido sem levar um tusto, e com base num artigo do respectivo contrato… o artista comportar-se-á com o devido respeito pelas convenções sociais e pela moral comum e não se envolverá em acções que o degradem ou exponham publicamente ao descrédito ou ao ridículo, que escandalizem, ofendam ou irritem a comunidade ou a moralidade e a decência comuns, ou ainda que possam causar dano à empresa ou à indústria cinematográfica no seu conjunto.
E os dez listados de negro levam a tribunal os seus ex-patrões produtores. Por ruptura injustificada de contrato, por despedimento ilegal, pela criação de uma verdadeira lista negra. Cinco tiveram ganho de causa – ruptura injustificada de contrato. Os outros perderam todas as causas.
E entra o ano de 1948. Tribunal de Washington. Ultraje e vilipêndio à Comissão, ou não? Sim. Lawson declarado culpado. Trumbo declarado culpado. Recursos para o Supremo. Acordo entre os advogados destes dois com o governo: a sentença sobre estes dois casos valeria para todos os outros acusados.


E entra o ano de 1950. Em Abril, o Supremo Tribunal rejeita os recursos. Um ano de prisão efectiva para Lawson e Trumbo. Os outros iriam a seguir. Para a Prisão Federal de Dunbury, no Connecticut. 
A lista negra fica em banho-Maria. A Comissão, se bem que moralizada com a condenação de quem a tinha ultrajado e vilipendiado, sossegou por um tempo. Até Março de 1951. E regressou em 51 mais ameaçadora do que nunca.
Nesse interim, John Wayne é elevado a presidente da Associação para a Defesa dos Ideais Americanos. Nenhum comunista deve se tolerado na sociedade americana nem na nossa indústria. Não queremos ser confundidos com traidores. Queremos patriotismo e justiça. Não odiamos ninguém, só esperamos que aqueles que mudaram de ideias cooperem ao máximo com as autoridades. Quero eu dizer, que denunciem pessoas e locais de que tenham conhecimento e assim tornem a fazer parte da grande família americana.
O falhanço do recurso de Lawson e Trumbo alterou o quadro de defesa de quem viesse a ser interrogado e inculpado. A invocação da Primeira Emenda Constitucional perdera eficácia depois da decisão do Supremo. Desafiar a Comissão na firmeza de um argumento constitucional já não era táctica. Quem se sentasse no banco das testemunhas arcava à partida com o labéu de “culpado” de qualquer coisa. Era a exemplar democracia americana liberal a funcionar em registo fascistóide. Não é impossível para uma democracia liberal, nem pode ser olhado como contra-natura numa democracia liberal. Como de resto por aqui passámos a saber…
O ambiente em torno das audiências de 1951 foi muitíssimo mais tenso e crispado do que em 47. E muito mais hostil para aqueles que compareceram acusados de comunismo.


A circunstâncias políticas americanas e mundiais haviam mudado. Tinha sido descoberto e preso como espião soviético um alto funcionário do governo, Julius e Ethel Rosenberg tinham sido executados na cadeira eléctrica por espionagem a favor da União Soviética, o comunismo estava definitivamente instalado na China, os soviéticos tinham realizado uma primeira experiência nuclear, começava a guerra da Coreia, o senador McCarthy entrava de rompante na cena política interna com a sua cruzada de histeria anti-comunista. A coisa estava feia. A América estava com medo. E inaugura-se na exemplar democracia americana um período de forte e activa repressão política.
O cómico Don Camillo, em 1952, um dos filmes da popular saga protagonizada por Fernandel e Gino Cervi, chama as atenções do chefe da censura da Paramount, um ítalo-americano, que de imediato denuncia o filme à CIA como  um daqueles filmes comunistas, ou de certa forma favoráveis ao comunismo, que mostram (como se isso fosse possível) a convivência com os vermelhos num clima de amizade. O filme registara um enorme sucesso de público na Europa, prémios em Veneza e na Alemanha, e fora oficialmente reconhecido como um filme fundamental para o desenvolvimento do pensamento democrático. O problema para o chefe da censura da Paramount era que o filme pudesse ganhar o Óscar para o melhor filme estrangeiro desse ano. Não ganhou.
E no meio disto tudo havia 48 testemunhas a recusar responder à Comissão no item relativo ao seu credo político, enquanto 35 cederiam e a tudo responderiam e ficariam para a História deste período como odiosos delatores dos colegas.
            - Já disse que não sou comunista – repisava o actor Larry Parks. - E se estive inscrito no Partido Comunista foi por ser muito jovem, muito liberal e muito idealista. E muito sensível às necessidades dos oprimidos, dos não privilegiados.  Ser comunista respondia aos meus ideais e à minha sede de justiça e de igualdade. Julgo que ter sido comunista em 1941 e sê-lo em 1951 são assuntos distintos. Hoje sabemos que a URSS quer dominar o mundo.


            - Muito bem, senhor Parks… conhece o seu colega actor Lionel Stander?
            - Conheço, sim…
            - Encontrou-o… alguma vez… numa dessas reuniões comunistas?
            - Não, não me recordo dele em nenhuma.
            - Sabe se era filiado no Partido?
       - Não. Mas, por favor, penso não ter feito nada de mal…acho que  vou responder apenas a perguntas que me façam sobre mim mesmo. Gostaria de não ter que envolver outras pessoas…
          - Então, diga-nos… onde é que se reuniam? Em locais públicos ou nas vossas casas?
            - Em casas, sim.
            - Houve alguma reunião em sua casa?
            - Não.
            - As reuniões eram em casa de quem?
            - De pessoas como eu, gente respeitável, pequenos burgueses em nada diferentes de mim…
            - Em casa de quem?
            - Em várias casas de Hollywood.
            - Queremos os nomes dos proprietários dessas casas…
            - Bem, senhor presidente, como lhe disse há pouco, preferia…
            - Então o senhor acredita que essas pessoas de quem não nos quer dizer os nomes não são culpadas de nada?
            - Acredito, sim.
            - Então, senhor Parks, se não têm culpa de nada porque é que julga causar-lhes danos dando-nos os nomes delas… se elas não fizeram nada de mal…
            - Meus senhores, a minha carreira de actor depende do favor do público. Ser aqui chamado influencia negativamente o público, que começa a suspeitar de deslealdades para com o seu país… e não podeis constranger-me a escolher entre o ultraje ao Congresso ou arrastar-me na lama como um delator… não, não podeis obrigar-me a essa escolha… as pessoas de quem os senhores exigem os nomes são pessoas de bem, como eu…
            - Enfim, senhor Parks, faça-nos o favor de nos dizer simplesmente quem estava inscrito na célula do Partido Comunista a que o senhor pertencia entre 1941 e 1945…
            Parks deve ter respirado muito fundo, deve ter tido a visão do que seria a sua vida sem os estúdios, as câmaras, as luzes, a fama, a visão da sua carreira de actor provavelmente ainda muito em princípio a ir-se por água abaixo…
        - Morris Carnovsky… Joe Bromberg… Sam Rossen… Lee J. Cobb…
            - James Cagney também estava inscrito?
            - Que eu saiba, não.
            - Sam Jaffe?
            - Não, que eu saiba…
            - John Garfield…
            - Não me recordo de ter estado em nenhuma reunião com ele.
            - Karen Morley…
            - Sim.
            - Robert Rossen…
            - Não.
            - Richard Collins…
            - Sim.
            Está visto que o presidente da Comissão – que já não era Parnell Thomas, era um tal Taverner – conhecia de ginjeira os nomes da célula do Partido Comunista a que Parks pertencera, conhecia-os muito melhor do que o próprio Parks.
        No fim, o presidente Taverner, movido por uma íntima compaixão misturada com alguma sádica crueldade, consolou o inconsolável Larry Parks:
            - Talvez lhe sirva de consolo saber que todas as pessoas de que o senhor fez os nomes já eram conhecidas desta Comissão, já cá foram chamadas, e se algum prejuízo lhes sobrevier não será devido ao seu testemunho…
            - Não me serve de nenhum consolo, senhor presidente – murmurou o pobre Parks.
            Porque, vamos lá a ver, a delação não era brincadeira nenhuma. Um artista admitia perante a Comissão que sim senhor, que era culpado de simpatias comunistas, ou de ter de alguma maneira apoiado associações ou grupos suspeitos de simpatias pró-soviéticas. Nesse caso, a Comissão exortava-o ao arrependimento. O artista podia bater à vontade com a mão no peito e declarar estar realmente arrependido. Não bastava. O caso não ficaria assim, a Comissão não ia lá com conversa. Para provar o seu genuíno arrependimento o artista tinha a obrigação de fornecer uma lista de nomes daqueles que com ele um dia haviam compartilhado de ideias ou simpatias comunistas, ou que, como ele, apoiavam ou tinham em tempos apoiado, associações cúmplices do comunismo internacional, nomes e não só nomes, como se viu, também os locais de reunião.
            

          
            A humilhação era muita. O objectivo da Comissão nem seria tanto (ou não seria mesmo nada) o de conhecer os nomes que eles estavam carecas de conhecer. O objectivo seria mesmo o de  humilhar os delatores perante a opinião pública, de os comprometer e de os queimar definitivamente perante os companheiros de profissão e de ideal político. E nem por ter bufado alguns nomes Larry Parks se viu riscado da lista negra pelos patrões da indústria – e a verdade é que, razoavelmente informado que sou, nunca ouvi falar deste actor Larry Parks. Os patrões não quiseram arriscar-se por ele, e não o tiraram da lista negra dada a teimosia dele em querer preservar os “vermelhos”, sendo por isso de considerar personagem pouco confiável pela indústria.
            Dois anos passados de pobreza, sem alternativas de trabalho na profissão, carreira destruída, desesperado, e cá está Larry Parks a escrever uma carta à Comissão, a oferecer-se para prestar novo testemunho, desta vez com espírito mais colaborante. Não sei se deu resultado. Não deve ter dado. Nunca ouvi falar deste actor Larry Parks.
       Uma nova táctica viria a ser seguida pelas testemunhas de 1951. Uma invocação à Quinta Emenda Constitucional, a reforçar à já antes accionada Primeira Emenda, e uma e outra para evitar responder a perguntas sobre as opiniões políticas de cada um.
          A Quinta Emenda dizia mais ou menos… Ninguém será obrigado a responder por um delito que implique a pena capital ou de qualquer modo infamante, a não ser por denúncia ou acusação proferida por um grande júri (…) Ninguém pode ser processado duas vezes pelo mesmo delito (…) Ninguém pode ser obrigado, seja qual for a causa penal, a depor contra si mesmo (…) Ninguém pode ser privado da vida, da liberdade ou da propriedade a não ser por um regular processo legal.
            Mas cuidado, era arriscado. O Supremo não criara ainda doutrina sobre a validade desse tipo de recurso, embora garantisse que quem se acobertava à sombra da Quinta Emenda não seria pelo menos incriminado por ultraje, e desde o momento em que essa cobertura  não implicava uma consideração de ilegitimidade para a Comissão.
       Invocar a Quinta Emenda na sua plenitude poderia significar que a testemunha apenas abrisse a boca para declarar o nome e a morada. A Quinta Emenda “atenuada” foi invocada por Carl Foreman e Robert Rossen, disponíveis para revelar à Comissão que actualmente não pertenciam ao Partido Comunista, mas sem por isso se obrigarem a depor sobre eventuais militâncias pretéritas, ou a responder a qualquer demanda sobre as actividades do Partido. Um recurso à Quinta Emenda “muito atenuado” queria dizer que a testemunha se prontificava a uma deposição ampla sobre si mesma e sobre as suas actividades, recusando porém falar de casos terceiros. A dramaturga Lillian Hellman recorreu a este estratagema.
            A Quinta Emenda tem armadilhas. Se me perguntassem se conhecia o presidente Roosevelt devia responder que sim, porque o facto de o conhecer não me poderia prejudicar. Se me perguntassem se conhecia Charlie Chaplin ou Dashiell Hamett (que a Comissão via como comunistas) deveria recusar responder, porque esses nomes acabariam por me incriminar.  Complicado.
            Quem teve a brilhante carreira de ídolo cinematográfico de ressonância mundial destruída e passou os últimos tempos de vida na amargura, até morrer com uma trombose aos 39 anos, foi o actor John Garfield.
              Sentado no banco das testemunhas, Garfield não se mostrou nem hostil nem delator. Fez-de de lucas. Comunismo?, que é isso? Subversivos?, expliquem-me lá. Representou. De ingénuo. De simplório. “A minha vida é um livro aberto. Não tenho nada a esconder nem nada de que me envergonhar. Não sou vermelho. E também não sou pink. Sou um leal cidadão deste país.” Ignaro absoluto em matéria política, e por outro lado, e noutro lance, democrata e liberal, e admitindo o comunismo como a causa de todos os males do mundo.
            John Garfield levou três horas de interrogatório no dia 23 de Abril de 1951.
Não conhecia, nunca conhecera, nenhum comunista em Hollywood. Nem ao menos ouvira algum zum-zum sobre nenhum dos seus colegas. Apoiara a candidatura presidencial de Henry Wallace, apoiara, sim, enquanto convicto liberal, e nunca pela cabeça lhe passara que os comunistas apoiavam o mesmo candidato que ele. Não, não se lembrava de ter apresentado o cantor (negro e comunista) Paul Robeson num espectáculo a favor dos refugiados anti-fascistas unidos. E sim, concordava, então não haveria de concordar, com a ilegalização do Partido Comunista. Do que não se recordava era de ter estado num cocktail a bordo de um navio russo fundeado no porto de Los Angeles acompanhado por Charlie Chaplin, Lewis Millestone e pelo escritor russo Constantin Simonov…


Em resumo, John Garfield parecia estar a ser vítima de um surto de amnésia. O que levou o presidente da Comissão a perder a paciência.
-  E o senhor Garfield pretende que nós acreditemos que em sete anos e meio a trabalhar nos estúdios de Hollywood, num ambiente em que os grupos comunistas organizados em células desenvolviam as suas actividades subversivas, a contactar dia após dia, semana após semana, com electricistas, maquinistas, operadores, actores e realizadores…nunca conheceu nem ouviu falar de um único activista comunista… sete anos e meio, senhor Garfield…
- Exactamente, senhor presidente.
       - E se o senhor viesse a ser abordado, ou mesmo aliciado, por qualquer membro do Partido Comunista… que faria, que diria?
           - Oh, senhor presidente… se isso acontecesse eu fugiria a sete pés como se tivesse visto o diabo em pessoa!
            Num primeiro momento a táctica de John Garfield deu resultado. Não o consideraram testemunha hostil. Meses depois o caso mudaria de figura e o nome do célebre John Garfield, o parceiro de Lana Turner no mítico filme O Carteiro Toca Sempre Duas Vezes, aparecia escritinho e escarrado na lista negra. Ou antes, apareceria escritinho e escarrado na lista negra se houvesse uma concreta lista negra. Que não havia, como já vimos antes. Que não havia, havendo. Nada existe mais do que aquilo que não existe. Assim como a filiação comunista de Garfield parece que não existia mesmo, de verdade; a que existia era a da sua primeira mulher, Roberta Seidman. E Garfield, já afastado dos grandes écrans, vai a enterrar em Nova York acompanhado por mais de dez mil pessoas, a afluência a um funeral só ultrapassada pela do enterro de Rudolfo Valentino.
         Das cobras e dos lagartos que Edward Dmytryk dissera, em 1947, da Comissão, pedia ele, em 1949 e 1951, muitas desculpas, desunhando-se a escrever cartas, pondo-se às ordens para o que fosse preciso, isto é, para responder, em 1951, ao que não respondera em 1947, para falar, em 1951, o que calara em 1947. Também ele ultrajara o Congresso. Tambem ele experimentara as agruras do cárcere federal. Mas quebrara psicologicamente. E queria esclarecer as coisas a respeito de comunismo. Que fizessem o favor de o chamar. Estaria disposto a responder a todas as perguntas, a fornecer todos os nomes. Estará mesmo disposto a responder a todas as perguntas, senhor Dmytryk? – perguntava-lhe um tal Roy Brewer numa conversa preliminar antes que lhe fosse concedida pela Comissão a segunda oportunidade – a todas, senhor Brewer. Estará pronto a dizer-nos o que o levou a aderir a uma organização subversiva? Oh, sim, estarei com certeza.


            Novamente sentado no banco das testemunhas, Edward Dmytryk vomitou os nomes dos comunistas que conhecia (e talvez dos que não conhecia) e atraiu sobre si o desprezo dos antigos camaradas. Que lhe importava? Limpava assim o seu nome da ominosa lista e reabilitava-se como artista de Hollywood.
            25 de Abril de 1951.
            - Então porque se recusou a testemunhar amigavelmente perante esta Comissão em 47?
            - A situação mudou entretanto.
            - Que quer dizer com isso?
            - Há uma grande diferença entre o ano de 47 e este de…
            - Uma grande diferença?
            - Claro que sim, e mesmo em relação ao Partido Comunista. Em 47 ainda a guerra fria não se manifestara por completo e eu acreditava que a Rússia estivesse sinceramente interessada na paz mundial. E nem via o Partido Comunista como uma ameaça. Além de me parecer que a Comissão que me intimou a testemunhar estivesse a invadir um terreno que não lhe era permitido invadir, o da liberdade de pensamento.
            - Então e agora, o que lhe parece?
            - Houve importantes desenvolvimentos desde então. Ouvi entretanto dizer que em caso de guerra  os militantes comunistas americanos se recusariam a combater pela sua pátria mas que estariam prontos a pegar em armas pela Rússia soviética. A guerra da Coreia mostrou-me muitas realidades, sabe, senhor presidente. É fácil de compreender que a Coreia do Norte nunca teria invadido a Coreia do Sul se não contasse com apoios muito poderosos… quero eu dizer, da China comunista e da Rússia comunista. Tudo isso me perturbou. Tudo isso me fez compreender o que significa de facto a ameaça comunista e a parte que o Partido Comunista Americano pode ter nessa ameaça.

      A espionagem. Outro tema que o perturbara. Uma série de casos de espionagem, com nomes que hoje nada nos dizem, a não ser um, o de Klaus Fuchs, cientista alemão a trabalhar na América, que entre 1945 e 1947 passara segredos nucleares para a União Soviética. O que mais incomodava Dmytryk era o caso de haver espiões que não eram vulgares mercenários, muito ao contrário, era gente que espiava por motivações ideológicas, para o Partido, por amor do Partido e de uma potência estrangeira…
            - E isso para mim… sim, vejo isso como traição…
            A imprensa de esquerda, e comunista, tinha elevado Dmytryk aos cornos da lua como artista enquanto fora testemunha hostil e estivera preso, mas no momento em que Dmytryk passava a testemunha amigável e denunciava o Partido, o Partido passava a denegri-lo o mais que podia. Já se sabe como é na política, os piores inimigos a abater  para um qualquer partido são sempre os ex-membros desse partido.
            - O que esta  Comissão gostaria também de saber era a razão por que o Partido Comunista se esforça tanto para se infiltrar em Hollywood…
            - Sobre isso, compreenderá… nada posso dizer de concreto. Nunca tive acesso à direcção do Partido. Na minha ideia haverá três fundamentais razões… obter dinheiro, porque a comunidade de Hollywood é rica. Obter prestígio. Também. E, mais importante, controlando os sindicatos  poder controlar o conteúdo dos filmes. E era uma oportunidade para organizar grandes festas, jantares, reuniões sociais, onde se poderiam… não directamente para o Partido, bem entendido… mas onde se poderiam recolher donativos consideráveis. Quando a União Soviética e a América estavam alinhadas e de perfeito acordo, então sim, muito dinheiro foi angariado em Hollywood para o Partido Comunista…
            - O senhor contribuiu?
            - Não. Naquele tempo eu ganhava pouco. 25 dólares por semana era o que me disponibilizava o meu agente. Posso ter contribuído, digamos…com quê?, cinco, dez dólares…a minha carreira era controlada pelo meu agente, e os agentes artísticos são capitalistas, e eu não podia pedir-lhe que transferisse dinheiro para o Partido Comunista. E ademais…uma coisa… havia associações que eram frentes comunistas, as pessoas eram liberais mas eram efectivamente controladas por um ou dois comunistas infiltrados. E essas organizações não se metem, evidentemente, em actividades que possam parecer anti-democráticas… ou anti-patrióticas… e é assim que eles atraem muita gente incauta. Por cada comunista que lá estivesse estariam lá cem que não eram comunistas e ninguém se apercebia de que estava a ser controlado por comunistas.
            - Eram muito ingénuos!
           - Não! Não eram parvos. Os comunistas é que são suficientemente espertos para dissimular muito bem este género de operações. 
            - Mas o senhor pertencia ao Sindicato dos Realizadores,correcto?
            - Sim. Desde 1939.
            - Quantos realizadores estavam no sindicato?
            - 225. Ou 230.
           - E entre eles havia quem o senhor sabia ser filiado no Partido Comunista…
            - Pelo que eu podia saber eram sete. Talvez seis…
            - Pode dar-nos os nomes desses?
           - Frank Tuttle. Herbert Bieberman. Jack Berry… aquele que mora em King’s Road e que organizava reuniões na própria casa…
            - E sabe de quem possa ter abandonado o Partido?
            - Não. Mas é fácil pensar que muitos o tenham feito.
            (E agora vai uma insidiosa das minhas: porque não ter sido o próprio Partido a denunciá-los indirectamente à Comissão quando eles desertaram, para os desacreditar profissionalmente? Seria caso virgem? As vinganças em política são impiedosas.)
            - Disse três…
- Bernard Vorhaus.
            - Quatro…
            - Jules Dassin. E eu.
       - E pode dizer-nos o que sabe acerca das penetrações comunistas no Sindicato dos Argumentistas?
            -  Não sei muito. Alguns eram meus amigos…
            - Mas sabe alguns nomes…
            - Sei de John Howard Lawson. E de Lester Cole, que era o chefe do grupo. Gordon Kahn…
            - Mas como é que o Partido infiltrava os sindicatos?
            - Não conseguiram o que queriam. É a minha opinião.
            - E o que queriam?
      - Já o disse. Controlar os conteúdos dos filmes. Sabiam muito bem a importância de um meio de comunicação tão poderoso para usar na propaganda, como instrumento doutrinário. Lenine tinha dito que o cinema iria ser o mais importante dos meios de propaganda…
            - O senhor falou de John Howard Lawson…
            - Era o Dalai Lama do Partido Comunista nessa época.
            - Porquê?
         - Era ele que arbitrava todas as questões, tomava as decisões. E Adrian Scott. E Albert Maltz, o mais liberal do grupo. Mas tenho quase a certeza que neste momento o Partido Comunista não conta para nada em Hollywood…
   
                                           

            É muito longo o testemunho de Edward Dmytryk, e muito pormenorizado. Perguntaram-lhe pelo fascínio que o Partido Comunista exercia, nomeadamente sobre os escritores cinematográficos, e a resposta até foi um tanto didáctica. Os escritores, ou argumentistas, são a base do trabalho no cinema, e para compreenderem as pessoas (que transformarão em personagens de ficção) os argumentistas têm que estudar a sociedade em que vivem e em que condições económicas vivem. Dmytryk pensava que quem se torna escritor seja alguém com sentimentos humanitários, idealistas e e altruístas muito vivos. Por ser assim é que os escritores entravam em contacto com os comunistas mais do que o normal das pessoas. E o Partido Comunista montava muitas armadilhas e elas funcionavam em geral bastante bem.
           - Em Hollywood, se se pergunta a uma pessoa como e porquê teve sucesso, ela não dirá que foi devido à sua personalidade e porque trabalhou muito para ter sucesso. Ela dirá que foi por um golpe de sorte, e que se limitou a aproveitar uma ocasião favorável que a sorte lhe apresentou. E é claro que o trabalho e a personalidade contam muito, mas a sorte, o golpe de sorte, também. Quando eu era um anónimo projeccionista, o chefe de montagem da RKO propôs-me, a mim e a outro velho projeccionista, uma oportunidade de fazer montagem, de me tornar montador. O meu velho colega não quis. Eu quis. E ele hoje continua a ser um obscuro projeccionista e eu ganho um alto salário. A oportunidade é isto. O golpe. A sorte. E sabem os senhores uma coisa? O Partido tem uma explicação para tudo. Se alguém disser que no Partido, ou no comunismo, não há liberdade, respondem-lhe que sim, que há a liberdade de dizer a verdade. O que se passa é que o comunismo descobriu a verdade última de todas as coisas e é essa e só essa a verdade que há a dizer. Porque cada coisa que fique fora da linha ideológica e programática do Partido… é mentira. Tudo o que venha do lado do capitalismo é uma óbvia mentira, porque vem de um  sistema que consideram uma mentira já na sua raiz. Seja o que for que aconteça na União Soviética é necessária para atingir um objectivo mais elevado. Inclusive o Pacto Germano-Soviético…
            - E como explicam o trabalho escravo na Rússia?
            - Negam-no. É mentira. É a imprensa capitalista que mente.
            - Quando e´que entrou para o Partido, senhor Dmytryk?
            - Em 1944.
            - E quando saiu?
       - Em…no outono de 45. Mas estive ainda ligado ao People’s Education Center, controlado pelo Partido, até 1947. Eu era um dos Dez de Hollywood, é bom não esquecer. E por ser isso decidi não cortar de todo com eles e correr os riscos até ao fim, até que o processo fosse julgado no Supremo Tribunal. Queria saber se tínhamos ou não razão, e se tínhamos mesmo que ir presos. Podia ter dito que tinha sido membro do Partido, mas não quis fazê-lo antes de cumprir pena de prisão. Ainda assim, fiz uma declaração nesse sentido enquanto estive preso. E porque a guerra da Coreia, como disse, me perturbou muito.
            - O seu testemunho foi ditado exclusivamente pela sua consciência, senhor Dmytryk?
            - Exclusivamente pela minha consciência, senhor presidente.
            - Muito bem. Creio que o senhor, hoje, deu um grande contributo para a luta mundial contra o comunismo.
            - Muito obrigado, senhor presidente.
            O dia seguinte do pobre Edward Dmytryk foi um inferno. A começar pelo desdém directa ou indirectamente manifestado pelos Dez de Hollywood (ou seja, pelos Nove de Hollywood, depois da defecção de Dmytryk), seus ex-colegas de prisão. E jornais e revistas, o New York Daily Worker a dizer que o realizador Edward Dmytryk, ex-membro do grupo dos Dez de Hollywood, se transformara num informador do FBI, que era um homem de mão do grande capital, e agora também era unha com carne com o seu arqui-inimigo, o actor Adolphe Menjou, e como ele caçador de bruxas. A isto Dmytryk repontou que nunca na vida tinha falado com alguém do FBI, que trabalhar num filme com Menjou era diferente de ser unha com carne com Menjou, além de que não esperava quaisquer favores vindos do lado do grande capital. Menjou também levou dos seus amigos anti-comunistas por ter ajudado um comunista como Dmytryk (entrara num filme dirigido por ele, The Sniper), apesar de arrependido. “Então Adolphe, meu velho, como é isso de trabalhares com um ex-comunista?” E resposta pronta de Menjou: “é porque sou uma grande puta”.
            E se Dmytryk reentrava pela porta grande de Hollywood era caso raro, ou mesmo único, entre os Dez, quando os nove que sobraram, depois de cumprido o seu ano de prisão, mantiveram a folha manchada e ninguém (pelo menos nos primeiros tempos e às claras) lhe deu trabalho.

                       

            Dmytryk vem a realizar The Caine Mutiny e The Young Lions, os mais conhecidos dos seus filmes daquela época  (Os Revoltados do Caine  e  Os Jovens Leões), filmes que ele sublinhou serem comerciais como mandava a lei, e sem nada que ver com experimentalismos ou preocupações sociais - deliberadas, pelo menos.
       Houve gente a dizer que depois desta vaga anti-comunista, dos impedimentos de alguns dos melhores e da elaboração da lista negra as capacidades criativas da indústria americana do cinema andavam pelas ruas da amargura.
            Ronald Reagan voltava à carga. Julho de 51. Amadurecera. E, maduro, endurecera as posições políticas e a sanha anti-c0munista, relativamente ao depoimento feito em 1947.
            - Ah, senhores, no passado deixei-me levar de forma desprevenida por pessoas e actividades que se revelaram conotadas com células comunistas. E comecei a pouco e pouco a repensar certas coisas com maior discernimento e até com algum desencanto. Despertei, senhor presidente. Pois foi. Despertei, se me é permitido dizer assim. Abri os olhos à regeneração do mundo.
            E nesse pé ficou Reagan até aos anos 80, em que acabou por ser um vencedor, é preciso dizê-lo, e vencedor pelo papel determinante que foi o dele para a fragorosa queda da URSS.
             E quem está a seguir na cadeira para ser interrogado pela Comissão? Uma das mais importantes personalidades hollywoodescas da época, Elia Kazan, provavelmente o mais mundialmente celebrizado dos delatores do cinema.


            Kazan não experimentara a prisão, embora numa primeira audiência, Janeiro de 52, à porta fechada, se tenha recusado firmemente a fornecer nomes. Mas nem por isso foi acusado de ultraje fosse a quem fosse. Admitiu, sim senhor, ter estado no Partido entre 1934 e 1936. Só isso. Nada de nomes. Mesmo assim, podia ter caído na culpa de vilipêndio. Não caiu. Mas posteriormente a lista negra esvoaçou-lhe em volta da cabeça, a ele, o mais célebre e genial dos directores, e então sim, não precisou de ser intimado a aparecer e apresentou-se voluntariamente. Em Abril desse mesmo ano de 1952.  Alguém lhe segredara que tivesse juizinho, que tirasse  da cabeça a triste ilusão de poder fazer mais algum filme em Hollywood se não se chegasse à frente, quer dizer, ao banco da testemunhas, e não cantasse os nomes dos seus antigos compinchas do Partido.
            - Como disse?
            - Sim, cheguei à conclusão de que errei.
            - Errou?
            - Errei por não ter fornecido os nomes que a Comissão me solicitou.
            - E desta vez?
- Bem…
- E porque mudou de ideias?
- Pensei que o segredo é útil aos comunistas. O secretismo é mesmo tudo o que desejam antes de mais. Mas o povo americano tem o direito de saber, de ter conhecimento dos factos, todos os factos, e sobre todos os aspectos do comunismo, e depois que se tomem as providências devidas, as providências eficazes.
- O senhor Kazan, está portanto na disposição…
- É o meu dever de cidadão dizer tudo o que sei.
E disse. Os nomes de oito comunistas do Group Theatre a que pertencera nos anos 30, artistas e trabalhadores do teatro. E disse que nos filmes que fizera nunca tivera a mínima intenção de fazer crítica social ou oferecer histórias de que se pudesse fazer uma segunda leitura.


Os comissários agradeceram-lhe muito e mandaram-no em paz. E Kazan nem esperava pelo assentar das poeiras e nesse mesmo ano começava a filmar o seu ajuste de contas com a ideologia e a praxis comunistas, num filme que, como hoje se diz, se tornou icónico de uma época, de um conflito, de uma questão de moral, On the Waterfront (ou, em português, Há Lodo no Cais), e no qual o herói, o rapaz, o bom da fita, é o informador, o bufo. E logo no dia seguinte ao testemunho Kazan envia para o New York Times um longo texto a justificar a sua atitude.


(…) Se há alguma histeria em volta desta questão – e há, especialmente em Hollywood – ela é alimentada pelo mistério, pela suspeita e pelo secretismo. Mas os factos concretos podem esfriar essa histeria. (…) Há dezassete anos eu era um jovem director de cena de 24 anos que fazia umas figurações como actor e ganhava 40 dólares por semana quando trabalhava. Naquele tempo sentiamo-nos ameaçados por duas coisas: a depressão económica e o crescente poder de Hitler. E fiquei muito impressionado pelo filme Modern Times (Os Tempos Modernos - Chaplin) que representava muito bem a técnica de recrutamento e propaganda dos comunistas. Havia soluções para a crise, eles tinham-nas, tanto para a  grande depressão económica quanto para o nazismo e o fascismo.
E a seguir (o texto é interessante mas demasiado grande):
(…) Ser membro de um partido comunista significava ter gosto em viver num Estado policial. Mas pode-se deixar o Partido. E eu deixei-o. Na primavera de 36. E perguntar-me-ão porque não contei tudo isto há mais tempo. Porque me preocupei com a reputação e com o posto de trabalho de pessoas que, como eu, tivessem deixado o Partido há muitos anos. E pensei para comigo que podia odiar os comunistas mas que não devia atacá-los, ou denunciá-los, porque se o fizesse estaria a atacar os direitos de se terem opiniões impopulares e ficava ideologicamente inscrito no número daqueles que atacavam as liberdades cívicas.
Até ao dia de hoje a acrimónia contra Elia Kazan (aliás um realizador de facto, e na minha opinião, realmente genial) permanece viva. E a Academia de Hollywood foi altamente criticada quando, há anos, resolveu entregar-lhe um Óscar como prémio de carreira.
Kazan era a personalidade mais famosa e mais rica de todos os suspeitos que estavam debaixo do olho da Comissão para as Actividades Anti-Americanas. Kazan era o único que pelo prestígio alcançado podia ter desafiado a Comissão e posto em causa a instituição da lista negra. Mas também conviria dizer que Kazan se aguentara em silêncio por quatro anos, só concordando em depor em 1952, e por entender que a sua recusa em depor passaria a ser suspeita passado tanto tempo. Mas também já lá disse na altura Orson Welles: as testemunhas amigáveis  e os denunciantes falam para defender as suas piscinas.


Kazan nunca deu entrevistas (que eu saiba) a respeito daquele tempo da sua vida e daqueles problemas. Uma vez escreveu, ou disse, não sei bem, agi pelo melhor, ou por aquilo que as minhas convicções me fizeram crer que era melhor.
A seguir foi chamado a depor um dos denunciados por Kazan, um ex-membro daquele Group Theatre a que Kazan pertencera nos anos 30, um fulano chamado Tony Kraber.
            - E então faça favor de nos dizer, senhor Kraber… conhece o senhor Elia Kazan?
            - Como? Não percebi, desculpe.
            - Pergunto-lhe se conhece Elia Kazan…
            - Kazan… ah… quem? Aquele Kazan que assinou um contrato de 500.000 dólares logo no dia a seguir a ter denunciado colegas diante desta Comissão?
            (A tal história das piscinas…)
            Lillian Hellman, por seu turno, era uma rapariga liberal, burguesa, de boas famílias, considerada mulher de classe e, dramaturga com êxito, um paradigma da intelectual, ainda que militasse contra ela, no plano politico, o facto de viver das portas para dentro com um notório e perigoso comunista, qual era o escritor Dashiell Hammett – autor de O Falcão de Malta, O Homem Transparente, A Colheita Sangrenta, etc.. Quando à Hellman tocou a vez de lá ir a juízo já muitos dos seus mais próximos tinham passado pela experiência de abjurar dos velhos idealismos e das éticas ultrapassadas e tinham apontado outros a dedo, incluindo o seu particular amigo Elia Kazan. Os que não tinham feito nada disso tinham pago com a prisão a sua ousadia e a sua inteireza moral, e entre esses estava o próprio companheiro da sua vida, Hammett, preso numa penitenciária da Virginia por ser comunista e a quem fora destribuída a tarefa de limpar as retretes.
Mas Lillian Hellman nunca tinha pertencido ao Partido Comunista nem nada que se parecesse – ou talvez alguma coisa que se parecesse, veremos. O não pertencer ao Partido não contendia de modo nenhum com a sua qualidade de inimiga jurada daquela Comissão.


Lillian Hellman vai a um advogado. O advogado acha que está na hora de tomar uma posição moral perante a Comissão do Congresso e invocar a Quinta Emenda. A tal coisa: testemunharei sobre mim própria e sobre a minha própria vida, mas não direi uma palavra acerca de terceiros, sejam eles amigos ou inimigos, conhecidos ou estranhos. E porque não escrever-lhes primeiro uma carta? Tentemos. E a carta foi escrita. Dirigida ao então presidente da Comissão, John S. Wood. No dia 19 de Maio de 1952. A dizer precisamente, e em substância, o que ficou escrito atrás, e a expor os dilemas constitucionais daí decorrentes.
 O meu advogado diz-me que se respondo às perguntas que me tocam pessoalmente também deverei responder às que respeitem a outras pessoas, e que se me recuso a responder serei acusada de vilipêndio. E o meu advogado diz ainda mais, diz que se respondo às perguntas sobre mim própria estarei automaticamente a renunciar aos direitos que me são facultados pela Quinta Emenda e que por conseguinte estarei obrigada a responder a perguntas sobre outras pessoas. Compreenda que para um profano isto são matérias muito difíceis de compreender.
E em suma, se a Comissão não lhe assegurasse que podia responder só ao que pessoalmente lhe tocava sem falar de outras pessoas, sentir-se-ia coagida a apelar mesmo à Quinta Emenda.


A resposta do presidente da Comissão pouco adiantou e nada garantiu à senhora Hellman. Queira considerar, Senhora Hellman, que esta Comissão não pode permitir às testemunhas que sejam elas a estabelecer as regras e as condições sob as quais serão chamadas a depor.
 E a mais famosa escritora da América lá está vestidinha e calçada e sentadinha no banco das testemunhas logo pela fresquinha do dia 21 de Maio de 1952.
Frequentou muito pouco Hollywood. Quatro ou cinco meses em 1936. O argumento para um filme de William Wyler? Sim.  Nada de especial a dizer.
- Mas durante a estadia em Hollywood certamente conheceu Martin Berkeley.
            E pronto, estava o caldo entornado…
            - Recuso responder a uma pergunta que me poderá incriminar…
            O diabo é que o tal Martin Berkeley já tinha dito à Comissão… “nesse encontro estavam Donald Ogden Stewart, Dorothy Parker e o marido, Allen Campbell… estava o meu velho amigo Dashiell Hammett, neste momento preso… e estava aquela excelente escritora de teatro, Lillian Hellman…”.
      - Pois é, gostaria imenso de discutir esse assunto consigo, senhor presidente – responde a Hellman quando o outro acaba de lhe ler o depoimento do Berkeley -, mas nesse ponto peço-lhe o favor de se reportar à carta que escrevi a esta Comissão.
            Cópias dessa carta haviam entretanto chegado às redacções dos grandes jornais e estavam a ser publicadas. Quem distribuíra essas cópias? – é o que pergunta com severidade o presidente. O advogado da Hellman chega-se à frente e assume as culpas. Nunca pensara que o seu gesto fosse considerado despropositado. O caso é que era a primeira vez que a imprensa tinha acesso a uma declaração que fixava nos seus precisos termos o tipo de perguntas e respostas em uso naquelas audiências.
            Cópias da carta de Lillian Hellman estavam agora a ser passadas de mão em mão pelos membros da Comissão e pelos jornalistas que cobriam a sessão. Ouve-se uma voz:
            - Graças a Deus que finalmente alguém teve coragem de escrever isto!
            O presidente John S. Wood vai aos arames. Grita por silêncio. Vozeia que não seriam admitidos comentários. Ameaça: se ouvisse mais nem que fosse o zumbido de uma mosca mandaria a imprensa evacuar a sala. E a mesma descarada voz grita:
            - Então mande!
            (Não sei se mandou.)
            - Conheceu o senhor J. Jerome?
           - Recuso responder pelos mesmos motivos que anteriormente recusei…
            - Conheceu John Howard Lawson?
            - Recuso responder pelos mesmos motivos…
            - É, presentemente, membro do Partido Comunista?
            - Não.
            - Alguma vez esteve filiada no Partido Comunista?
            - Recuso responder pelos mesmos motivos…
            - A senhora diz apenas que não está inscrita no Partido Comunista neste momento… o que eu gostaria de saber é se pode estabelecer uma data, uma época do passado…
            - Recuso responder pelos mesmos motivos…
            - E ontem, era membro do Partido Comunista?
            - Não.
            - No ano passado…
            - Não.
            - Há cinco anos…
            - Recuso responder pelos mesmos motivos…
            - Há dois anos…
            - Não.
            - Era membro do Partido em meados de Julho de 1937?
            - Recuso responder pelos mesmos motivos…
            Mas é claro que Lillian Hellman podia ter dito a verdade. E a verdade é que nunca fora militante do Partido Comunista. Porém, por uma questão de moral, evidentemente, e pela força das suas convicções liberais, preferiu ser fiel aos próprios princípios.
            - E agora diga-nos, senhora Hellmam… recusa-se a responder a esta Comissão com base no privilégio constitucional, e em particular no que se refere à Quinta Emenda?
            - Sim, senhor presidente.
            E  a audiência era dada como terminada.
            O New York Times publicou um editorial sobre a audiência de Lillian Hellman festejando-lhe a coragem e a classe. Uma coragem e uma classe que lhe trouxeram dramáticas consequências e não lhe evitaram o nome cravado a fogo na lista negra; não evitaram que se sujeitasse (a maior escritora teatral da América) a ter de vender tudo o que tinha de seu, incluindo uma propriedade de família, e a ir trabalhar como caixeira para uns armazéns.
            A exemplar e perfeita democracia liberal tem destas coisas, pff, nada de especial, nem polícia política, nem torturas, nem censura, ou se diz o que é conveniente e correcto para o sistema, ou se vende tudo quanto se tem e se é obrigado a aceitar, se for caso disso, os trabalhos mais humilhantes.
E ainda a propósito de piscinas. A verdadeira razão que levou muitos famosos a dobrar a cerviz perante a Comissão, a nem sequer se defenderem invocando a Quinta Emenda, e a denunciar velhos amigos, foi uma razão meramente de tipo económico-financeiro. E foram os mais famosos e ricos, Kazan, Clifford Odets, José Ferrer, Budd Schulberg e outros, nessa altura no ápice das suas carreiras, a ter medo do poder que a Comissão tinha de lhes arruinar para sempre a vidinha e assim lhes secar as piscinas. Porque, por outro lado, entre as 48 novas testemunhas que se declararam hostis não havia um único famoso, era tudo personalidades de segundo e terceiro plano na indústria, os que arriscavam menos em fama e dinheiro.

                        

            - Em 1935 trabalhava eu como pintor, como artista. Só me tornei actor cómico em  1942. Desde então trabalhei sempre no mundo do espectáculo – declarou Zero Mostel no dia 14 de Outubro de 1955, quando, a partir de 1953, as atenções da Comissão se haviam concentrado na rádio, no teatro e na televisão.
            - De 35 a 42, então, o senhor era artista…
            - Intitulava-me como tal. Se calhar era o único…
            - Estava na Califórnia em 42?
         - Oh, sim, e fiz diversos filmes. Trabalhei para a Columbia, para a Warner, e assinei um contrato com a 20th Century Fox…ou era a 18th Century Fox…
            Cuidadinho, Zero Mostel, deixa-te de ironias finas, estás a gozar com o facto de a Fox, a 20th Century Fox, ser das majors a mais conservadora a tratar com a questão dos Dez de Hollywood…


            - O senhor também é conhecido como Zero. Certo?
            - Certíssimo. E isso deve-se à minha permanente situação financeira…
         - Quando trabalhou para aquela casa… Café Society, ou coisa parecida sabia, claro, que Ivan Black era militante do Partido Comunista…
            Zero Mostel pediu permissão para conferenciar com o seu advogado.
            - Temos aqui um problema – disse, dois minutos depois. – É que estou muito indeciso em como responder a certas perguntas que afinal pretendem saber opiniões pessoais, Há assuntos, e pessoas, que não são questões muito claras para mim… por isso agradecia muito que me fizessem perguntas que não me obrigassem a falar de outras pessoas.
        - Essa sua resposta não nos satisfaz. Pedia-lhe que respondesse à pergunta que lhe fizemos…
           - Nesse caso recuso. Não respondo. E recuso com base nos meus direitos constitucionais… por força da Quinta Emenda…
            - Conhece um tal Martin Berkeley?
        - Cá está. Devo recusar a resposta com base naquilo que acabei de dizer…
            - O senhor era membro do Partido Comunista em 1942?
     - Recuso responder nos mesmos pressupostos. Meus senhores, há liberdades e direitos constitucionais que neste país são garantidos a todos…
            - E os quais esta Comissão não discute.
            - Espero bem que não…
            - Mas, senhor Mostel, esta Comissão reuniu provas do auxílio oferecido por muitas pessoas do espectáculo ao Partido Comunista, intervindo em espectáculos patrocinados pelo Partido, emprestando a própria fama a encontros e festas que se destinavam a financiar o Partido…
            - Sim, sim, sem dúvida, e festas organizadas a favor da luta contra o cancro, também… contra as doenças cardíacas, contra os excessos de frio, etc., etc….
          - Sim, mas temos o testemunho de George Hall, por exemplo, a informar-nos de que a sua missão em Nova York era fazer espectáculos a favor do Partido Comunista…
            - O que é um conceito bem diferente da acusação que diz que a única finalidade dos comunistas é a de derrubar o governo…
            - Participou num programa da Juventude Americana… Youth Rally…e entre os nomes dos artistas cá temos…Zero Mostel – o comissário agita uma folha de jornal que passa à testemunha.
            - Não me recordo, mas deixe ver… esta organização não está na lista dos grupos subversivos?
            - Está.
            - Então recuso responder… mas um momento… leio que neste anúncio do comité anti-fascista não estou só eu… aparecem aqui grandes nomes do showbizz… Jimmy Durante, Milton Berle…
      Claro que esses artistas eram dos que aplaudiam o trabalho anti-comunista da Comissão, artistas que nada tinham sido prejudicados ou incomodados, ainda que tivessem participado em espectáculos ditos subversivos.
            Como Lillian Hellman, Zero Mostel insistiu em se reclamar da Quinta Emenda, fez isto, aquilo e aqueloutro?, recuso responder, conheceu A, B, ou C?, recuso responder, era membro do Partido em 1948?, recuso responder…
            - Era membro do Partido Comunista quando aqui entrou esta manhã?
            - Não.
            - Senhor Mostel, o senhor é um grande homem do espectáculo…
            - Às vezes…
         - Porque não se liberta dessas recordações culposas e de ter alinhado tantas vezes com subversivos…
            - Peço muita desculpa, meus senhores, mas eu acredito na ideia antiquada de que um homem deve ser avaliado pelo seu trabalho e pelo seu talento profissional e não pelas opiniões políticas que tenha ou não tenha. E eu não tenho muito fortes convicções políticas, mas das que tenho não falaria delas a ninguém, a menos que fosse um bom amigo e estivéssemos lá em minha casa à conversa e a petiscar qualquer coisa…
            - Não lhe estamos a pedir…
       - E tenha cuidado, senhor presidente, eu faço um detestável café solúvel… estou a avisá-lo…
            A História do macarthismo registou o que se chamou de “defesa da borboleta” feito por Zero Mostel na audiência. Acusavam-no de ter participado em manifestações junto com outros nomes de intelectuais e artistas subversivos, e, no entender da Comissão, se participou foi porque acalentava ideias comunistas…
            - E se eu tivesse aparecido nessas manifestações e tivesse imitado uma borboleta? Uma borboleta já cansada de tanto voar que resolve descansar por uns minutos? Oh, meus caros senhores, não creio que seja crime fazer rir as pessoas. E nem me incomoda que os senhores se riam de mim…
            - Mas se a sua imitação da borboleta que descansa levou dinheiro aos cofres do Partido Comunista, o senhor contribuiu para a propaganda desse partido…
            - E suponhamos que eu imite uma borboleta que resolva descansar onde calha, onde lhe der na cabeça?
            - Pois faça-a descansar onde ela quiser, mas, por favor, não em nenhum sítio que permita fazer entrar dinheiro nos cofres do Partido Comunista. Da próxima ponha a borboleta a descansar em qualquer outro sítio. Mas, muito bem, a testemunha está dispensada. Obrigado, senhor Mostel. E lembre-se daquilo que eu lhe disse…
       - Obrigado. E lembre-se também o senhor presidente daquilo que eu lhe disse.
            Nem é preciso dizer que Zero Mostel foi parar à lista negra.
            Fechava-se uma outra fase de audiências. E bem dissera o presidente Eisenhower quando os procedimentos da Comissão  suscitaram críticas. O insuspeito e republicaníssimo presidente Eisenhower afrontou McCarthy, é certo, mas só o fez quando a carreira e o poder do senador se aproximavam do fim. De qualquer modo, foi ousada a intervenção do presidente da República ao dizer: Se os processos utilizados contra os comunistas são os mesmos que são imputados aos comunistas, a nação começará a não saber quem são efectivamente os comunistas.
O actor Lionel Stander apresentou-se de cabeça baixa perante a Comissão no dia 6 de Maio de 1953, e teve o desplante de, cabeça baixa, olhos no chão, acusar a própria Comissão: eram eles os verdadeiros subversivos da vida americana. Quinze anos de lista negra ninguém lhe tirou. 


CONTINUA



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