quinta-feira, 24 de julho de 2014

MAS PARA QUE É QUE A EUROPA           
         PRECISA DE CULTURA?

                                                                    

         A Suécia é que está a dar. Na cultura. Ou, aliás, o Norte. Em comparação, evidentemente, com o Sul.


         Na Suécia? 90% de leitores – 50% na Roménia e na Grécia, vá lá; em Portugal nem se sabe, são tantos. Suécia? 61% dos habitantes foram a concertos de música clássica no ano passado. Portugal? 19% - mesmo assim, acho muito. Polónia? 22% - acho pouco. França? 33% - pouco, pouquíssimo. Suécia no bailado e na ópera? Campeões. 34%, quatro vezes mais do que Grécia, Portugal, Chipre. França? 25%. Ao que isto chegou: a França culturalmente com melhores números do que a Alemanha e a Itália…


         Dados do Eurobarómetro.

                                                                          

         A Finlândia também marca pontos na frequência das artes e das culturas. 12%. Parece que não é nada, mas é muito, comparado com Hungria, Roménia e Grécia. E mais: 86% dos búlgaros, 82% dos malteses (não admira, são malteses), 80% dos italianos (escândalo!) declararam não ter posto os pés numa manifestação cultural nem ter praticado qualquer actividade do género em 2013. Enquanto dois dinamarqueses em três foram a concertos clássicos; enquanto só meio grego em quatro fez o mesmo.


         Motivos (desculpas): a crise financeira. Desculpa irrelevante, já se vê. O sinal dos tempos, outro motivo-desculpa, e este sim, relevante, muito relevante mesmo.
         E o sinal dos tempos é a declarada indiferença dos menores de 25 anos pelas mariquices da cultura e da grande arte. E o sinal dos tempos é o nível educacional decadentemente abaixo de cão – e não só por cá.


         E outro dado indicador: essa treta das capitais europeias da cultura (de que nós por cá fizemos um bicho de sete cabeças em 1994) deu o que tinha a dar, pouco, pelos vistos. Outro dado ainda (oh, este sim!): os mercados.
Os mercados! Os mercados!


         Em Itália, a contribuição do Estado para a actividade cultural choca, dizem, e falando de teatros, com a intransigência sindical – que pensava eu ser pecha de outros tempos – que obriga esses teatros a produzir cada vez menos para poder pagar salários a um pessoal que cada dia tem menos que fazer.

                                                                              

         Em Espanha as coisas lá vão andando assim-assim, embora sem público que chegue. Por causa da ferocíssima competição entre regiões. Nenhuma quer ficar atrás da outra nos alindamentos de superestrutura da coisa cultural e todas elas foram construindo auditórios, alimentando teatros de ópera, Valência, Valladolid, Barcelona, Sevilha, Alicante, Pamplona, Saragoça, em suma, elefantes imaculadamente brancos e pomposos às moscas porque o público não tem condições de desembolsar os altos preços do bilhete.


         Na Alemanha persiste o problema da superabundância de estabelecimentos culturais após o redimensionamento do país seguinte à queda do Muro, e no que muito especialmente toca à grande quantidade de orquestras do mais alto coturno.
       Mas para que é que a Europa precisa de música, não me dizem?
            Para que é que a Europa precisa de cultura?


         A Europa desencoraja crescentemente o fomento das artes. Não são precisas. Pelo menos por agora. Lá mais para o verão, depois da crise, logo se vê. O que faz falta são os mercados a funcionar. A estatística do Eurobarómetro fala como gente.  


         E não há melhor e mais gritante evidência do tal sinal dos tempos do que a Internet. A Internet é a totalidade. A Internet é o totalitarismo do momento histórico que dispensa bem a ideologia, grande vantagem. A Internet pode tudo – até pode ajudar a compor música, ao que leio. A Internet desbancou o totalitarismo televisivo para os menores de 30 anos. A Internet cria experts em tudo, cria entendidos, opinadores, colecionadores. E até tipos cultos. E até tipos inteligentes. E até artistas.

                          
         Europa. Pff. Atenção à cidade de Estrasburgo, uma das capitais da Europa. O pessoal de lá planeou ao milímetro o 76º Festival de Música de Strasbourg. Coisa fina, de primeira água. Cartazes de sonho. Programação que era um mimo. Tudo pronto ao nascer do dia 4 de Junho pretérito, quando faltavam três dias para a inauguração de tão auspicioso e refinado festival de música.


Mas o pessoal lá de cima, do escritório, manda dizer cá para baixo:
- Rapazes, eh!, pessoal da ferrúgem... parem com tudo.
- Parar com tudo?
- Sim, não discute.
- Porquê? Isso não pode ser.
- Ai não pode?
- Pois não, parar porquê?
- Ora porquê, vocês têm cada pergunta… pelo motivo do costume, não há verba, a verba que há é precisa para coisas mais importantes.
- Mas ó senhores lá de cima do escritório, Estrasburgo é a sede do Parlamento Europeu.
- Pois é, mas essa palhaçada do festival de música pode ser muito bonito, mas não serve para nada e é muito caro. Vá, menos conversa, comecem lá a arrumar a tralha.
- Em Estrasburgo, uma das capitais da Europa… da Europa da cultura?
- Sim, rapazes, foi a Europa da cultura em tempos que já lá vão. Para que é que na era dos mercados a Europa precisa de cultura?




1 comentário:

  1. Penso que a Europa se deveria cultivar, não nos mercados e nas "lavagens", mas naquilo que foi um dos berços do mundo actual. Cegos são os tempos. Abç

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