terça-feira, 16 de setembro de 2014

        MR. ALFONSO GABRIEL CAPONE

                  VISITA HOLLYWOOD




Em 1917, estavam os mancebos americanos a ser chamados às fileiras para combater em França, e justamente com 17 anos Alfonso Gabriel Capone era criado de mesa e moço de limpezas de um restaurantezeco de Coney Island. Um dia, em serviço, sentiu-se fortemente atraído por uma cliente que estava acompanhada por um cavalheiro, uma rapariga italiana muito bonita, e tanto cirandou em volta da mesa do casal que a certa altura não se conteve, inclinou-se para a rapariga e murmurou-lhe:
- Tesouro, sabes… tens um rabo muito bonito, e deves aceitar isto que te disse como um cumprimento.

                                               
Acto contínuo, o acompanhante da jovem levanta-se, prega um murro em Alfonso. Alfonso cambaleia, atordoado. O homem, que era irmão da rapariga e já estava bêbedo, saca de uma navalha, precipita-se sobre o jovem Alfonso e retalha-lhe a cara por três vezes. O sangue corre pelo chão do restaurante, há gritos. O homem, que se chamava Frank Gallucio, pega na irmã e sai porta fora.
O golpe maior na cara de Alfonso ia da orelha ao queixo e media 10 cm. Um outro golpe, 5 cm., cortava-lhe a face esquerda. E o terceiro nascia-lhe debaixo da orelha, a esquerda. Nunca mais um cabelo cresceria naquela parte da cara dele. Seria obrigado para o resto da vida a aparecer em público de cara empoada, graças aos montes de pó de talco que passaria a aplicar para disfarçar as cicatrizes. Pensa recorrer à cirurgia estética. Suponho que nunca o chega a fazer. Quando apareciam fotógrafos Alfonso Capone apresentava sempre o seu perfil intacto, o direito. Passaria a detestar a alcunha que o celebrizaria daí em diante, Scarface.


Alfonso pensa vingar-se de Gallucio. Gallucio recorre ao conselho de um assassino profissional, que por sua vez marca consulta com um gangster cerebral e já afamado, de nome Salvatore Luciana – mais tarde celebrizado como Lucky Luciano, homem temível, inteligente e muito polido.
Calha que Luciano, dois anos mais velho do que ele, andara à escola com Alfonso. Tinham nessa altura feito ambos parte de um gang de adolescentes.


E também calha que Luciano toma o partido do tal Gallucio das facadas – a honra de uma irmã tem de ser defendida. E por causa disso Alfonso ainda tem a obrigação de apresentar desculpas a Gallucio.
Alfonso tem de levar em consideração o parecer de Lucky Luciano, figura já prestigiada no mundo do crime, enquanto ele não passa de um gaiato de 17 anos, empregado de mesa e moço de limpezas, desconhecido no milieu. Luciano era uma personalidade. Alfonso não era ninguém.
Entre 1901 e 1903 para cima de um milhão de sicilianos, 25% da população da ilha, emigrou para os EUA. Uma vez lá chegados, competia-lhes arranjar trabalho. Muitos deles deles acharam-se em altas dificuldades e juntaram-se aos bandos de rua.
Alfonso Capone, que não era siciliano, era napolitano, transferira-se directamente dos bairros miseráveis da Nápoles natal para os bairros miseráveis de Nova York – Brooklyn, em pleno ghetto italiano. 


O pai era barbeiro. Na escola chegou a esmurrar um professor e depois disso nunca mais lá apareceu. Teve vários trabalhos, mas preferia vigarizar os colegas ou estar à coca à porta das escolas e roubar o dinheirito que os miúdos levavam para pagar o almoço. Depois encontrou-se com Johnny Torrio, um homem cuja missão era organizar como devia ser o crime na cidade de Chicago - Chicago, cidade descrita por H.G.Wells como uma mancha de sombra debaixo do céu.
1919 – O Congresso dos EUA proíbe a venda de álcool. A emenda que estabelece a interdição é ratificada a 20 de Janeiro de 1920.
Os anos de proibição vão revelar todas as potencialidades do crime organizado na América. 
Os americanos vão gastar por ano, em álcool, 5 milhares de milhões de dólares. E quem vai prover à insaciável sede dos americanos vão ser dois estrangeiros, dois italianos, Alfonso Gabriel Capone e Lucky Luciano. Só pelo contrabando do álcool a indústria americana do crime vai gerar 5% do PNB americano. E o gangsterismo vai adquirir um certo prestígio social, dado que até o presidente Harding mandará servir na Casa Branca whisky de contrabando.
Em Chicago, os gangs rivais combatem rua a rua, casa a casa, pelo controle do contrabando. Do álcool e do que mais vier. Pode-se dizer que a cidade é dominada por eles em quase todos os aspectos da vida.
Big Jim Colosimo, chefe do gang de quem Alfonso era homem de mão, chega uma noite a casa, entra o vestíbulo, vê uma sombra a mover-se e nem deve ter ouvido os tiros que lhe perfuraram os ouvidos e o cérebro.
A polícia não consegue encontrar o assassino de Big Jim Colosimo, mas uma testemunha, o secretário do próprio Colosimo, descreve a sombra assassina como um homem  forte com a cara cheia de cicatrizes do lado esquerdo.
O primeiro, ou um dos primeiros, assassínios supostamente consumados por Al Capone, o que acabei de referir, é encenado no filme Scarface, de Howard Hawks, de 1932 – e sobre o qual escreverei um  destes dias.
Só para polícias e outros funcionários da autoridade de Chicago, Alfonso Capone distribuía por ano qualquer coisa como 30 milhões de dólares. Para as suas despesas pessoais, Al Capone reservava 300.000 dólares. Por semana. Tinha 3.000 homens a trabalhar para ele. Na coluna das receitas, a facturação dos empreendimentos de Capone, jogo, álcool, prostituição, montava aos 10 milhões de dólares. Por semana.


Capone tinha, naturalmente, um motorista particular. Que se chamava Filipo Sacco: Capone embirrava com aquele nome e aconselhou o chauffeur a adoptar um nome, por assim dizer, mais… glamoroso, e por outro lado mais americano. E o Filipo Sacco, motorista, começa a fazer-se de Johnny Rosselli, um nome de que estou farto de falar neste blog a vários e criminosos títulos, e que tempos depois estará no centro de muitos dos negócios da Mafia em Hollywood. Aliás, Rosselli apanha um princípio de tuberculose e é o patrão, Capone, quem o manda à Califórnia para se recompor e, ao mesmo tempo, estudar as possíveis oportunidades de negócio que se oferecem na indústria do cinema. Johnny Rosselli passará desde então a ser uma espécie de chefe da delegação da Máfia em Hollywood.
O gang de Alfonso Capone obrigava os trabalhadores a sindicalizarem-se. Não era, já se vê, pelos lindos olhos dos trabalhadores, mas era porque a sindicalização do maior número proporcionava ao gang grossos rendimentos. O gang obrigava os trabalhadores a aderirem ao sindicato para meter ao próprio bolso o dinheiro das quotizações. E tinham preferências. Preferiam os sindicatos fabris, os dos transportes e os que enquadravam pessoal de bares e afins. Capone tinha um nº 2, Frank Nitti, encarregado do caso, quer dizer, obrigar os trabalhadores a sindicalizarem-se à força de ameaças – de morte inclusivé. Eram sindicatos livres, americanos, democráticos. Felizes.
Chicago, à época da Proibição, era um dos mais importantes centros cinematográficos da América. 1/5 dos filmes americanos dos anos 20 eram produzidos em Chicago e boa parte dos indivíduos que se tornaram grandes patrões em Hollywood eram oriundos de Chicago: Carl Laemmle, fundador da Universal Pictures; Adolph Zuckor, da Paramount; Leo Spitz, da RKO. A norte da cidade ficavam estúdios de filmagem de certa importância, e só não se produziam lá filmes de cow-boys por causa do mau tempo que assolava frequentemente a cidade.
Nos começos de Hollywood, os banqueiros mais conservadores entendiam o cinema como um sector proibido, por incapaz de fornecer garantias de retorno de um investimento – isso para além do irónico facto de ser domínio de judeus. Mas é o Banco de Itália o primeiro a aceder emprestar dinheiro aos empresários de Hollywood. E fá-lo na base de um princípio inatacável: àquele que controlar o negócio do cinema será dado o poder de controlar o pensamento do mundo inteiro - é por essa razão que os olhos deitados nestes meus textos, também e indirectamente, sobre a democracia americana nos seus desenvolvimentos já do século XX, passe essencialmente pela entidade emissora de ideologia, prática e comportamentos que é o cinema, que foi Hollywood.


A Mafia compreendeu tudo muito cedo, e compreendeu que para os seus negócios era tão indispensável controlar Las Vegas como controlar Hollywood.
Dizem alguns analistas que o mundo do cinema, concretamente o mundo hollywoodesco, pode ser tão duro, ou mais, parecendo que não, do que o mundo marginal das mafias. O que não é de admirar quando sabemos da forte implantação dos mafiosos nesse mundo do cinema.
O certo é que tanto a Mafia como Hollywood, depois de infiltrada pela mesma Mafia, funcionavam como sociedades secretas, inexpugnáveis aos não-iniciados, aos estranhos, e onde reinava a mística da omertà siciliana, a lei do silêncio, o segredo.
Para dar uma fachada de respeitabilidade ao negócio, os primeiros magnates da indústria recorreram aos serviços do célebre inquisidor e censor William Hays – autor do chamado Código Hays que censurava moralmente os produtos de Hollywood. 
Acontece então, em 1920, na vida privada de uma estrela de então, o cómico Fatty Arbuckle, um escândalo que mete orgias sexuais e um assassinato. E é então que a indústria, para se proteger, deita mãos ao moralista Hays de modo a abafar o caso.
E os homens fortes de Hollywood perguntaram-se: se houve quem se saísse bem na vida a fazer todo o tipo de contrabando atrás da fachada legal de empresas de limpeza a seco, porque não usar esta técnica de disfarce com a indústria do cinema?


Aos 25 anos Alfonso Capone estava fabulosamente rico. Rico, mas entalado numa guerra de gangs. Rico mas histérico e esquizofrénico e bipolar e o mais que se quisesse, permanentemente a alterar a exaltação com o desespero. Rico, mas completamente agarrado pela cocaína.


E Chicago estava a ferro e fogo. Chicago estava nas mãos dos gangs. Reinava a anarquia criminosa. Nos anos 20, num curto período de quatro anos, deram-se em Chicago muitos assassínios, e, entre esses, 200 deles nunca a polícia os soube, pôde, ou quis resolver.


Acontece que, sabedores do sucesso fulgurante de Capone no contrabando do álcool em Chicago, os seus congéneres em Nova York tiveram sempre em vista a ambição de o ultrapassar. Capone produzia em Chicago a sua própria cerveja e o seu próprio whisky, e os bares que controlava em Chicago eram providos de caves de acesso interdito à maioria do público e onde o álcool corria. Caves que estava ligadas entre si por quilómetros de corredores subterrâneos que possibilitavam cargas e descargas clandestinas, tanto quanto eram utilíssimos para fugas quando era caso de alguma rusga policial.


É pelo fim do ano de 1927 que Alfonso Capone visita pela primeira vez Los Angeles. Em Los Angeles abundava a cocaína e os milhares cheios de ilusões que aguardavam a sua oportunidade na indústria do cinema – entretanto tornada a quinta indústria mais importante da América: Hollywood empatava mais dinheiro a imprimir os filmes do que o Tesouro a cunhar moeda. Capone ia estudar atentamente as chances que se lhe ofereciam ao negócio e entretanto investia umas centenas de milhão de dólares na aquisição de propriedades na Califórnia do Sul.
Em Los Angeles, Alfonso Capone instala-se no Biltmore Hotel e prepara-se para visitar Hollywood.


Capone, segundo alguns comentadores, estava agarrado por uma droga que se dizia ser ainda mais perversa do que a cocaína: a publicidade. Ele era o modelo do gangster-estrela. E adorava esse estatuto. Dava conferências de imprensa muito concorridas, recebendo os jornalistas na sua suite do Biltmore. Fazia vender jornais, logo, era um produto muito rentável a explorar. Acusavam-no os jornalistas de assassinar pessoas, mesmo numa sociedade tão democrática e puritana, gente que ele tomava como rivais. Capone ouvia-os e ria que nem um perdido. Era um homem de negócios e os assassínios não eram nada boa coisa para o negócio.
Los Angeles era uma cidade aberta onde não havia donos para o crime. Um El Dorado para Capone. Era só questão de se pagar bem a polícias, a promotores públicos, a advogados e a juízes e a protecção das actividades ilegais estava garantida – fala-se de álcool, cocaína, jogo e prostituição. Em Los Angeles, só os casinos e as casas de prostituição podiam render à Mafia os seus 50 milhões por ano. Houve delegados, promotores, magistrados, comissários de polícia, advogados e juízes enviados pelo governo a Los Angeles para pôr um fim à corrupção, mas todos eles, perante a cultura da cidade e o espectáculo que nesse aspecto a cidade lhes oferecia, preferiam fechar os olhos e deixar-se corromper também pelas generosas gratificações mafiosas.
Capone chega a ser visitado em Los Angeles por agentes da autoridade. Recebe-os gentilmente – era um cavalheiro cheio de charme, diga-se de passagem – oferece-lhes um café, nada tem a ver com actividades ilegais, é um turista em gozo de férias. E dedica-se a visitar os estúdios de cinema. E também as residências das míticas vedetas. Fica especialmente impressionado com a casa de Mary Pickford e Douglas Fairbanks. Tudo lhe cheira a dinheiro fácil.

                             

Numa noite em que Capone regressa ao hotel depois de uma das suas visitas a Hollywood, encontra a rua pejada de gente, polícias, jornalistas, fotógrafos, pagode. É intimado a abandonar a cidade. Johnny Rosselli, o antigo motorista Filipo Sacco, e agora delegado de Chicago em Los Angeles, intermedeia a crise e propõe que Capone e a sua equipa fiquem uns tempos  na sua própria casa. A polícia recusa. No dia 12 de Dezembro desse ano de 1927, Al Capone e respectiva entourage são escoltados pela polícia até à estação ferroviária de Santa Fé e despachados em grande velocidade para Chicago. Capone vai fascinado com o estilo e a vida das stars. Há uma margem imensa de vigarices a experimentar em Hollywood e ele pensa instalar-se por lá em definitivo.


- Fiz muito dinheiro em Chicago, tenho muito ainda para gastar em Hollywood - diz ele a um jornalista do Los Angeles Times. - Não pensem que se livram de mim assim com duas cantigas. Voltarei. E mais breve do que julgam.
Mas por acaso nunca mais voltou. 
Os negócios duros de Chicago ocupavam-no a tempo inteiro. Havia que tomar conta dos novos gangs entretanto decapitados dos respectivos chefes. Havia que andar de olho nos outros gangs activos e exterminá-los logo que possível. Resta-lhe a solução de enviar a Hollywood o seu irmão Ralph. E Ralph Capone, em vista das centenas de dólares que os magnates e as estrelas de cinema dispendiam nos restaurantes de Hollywood e de Los Angeles, começa a ameaçar os proprietários no sentido de estes lhe venderem os negócios ao mais baixo preço.
Penso poder jurar que todos os leitores deste blog já viram o filme Quanto Mais Quente Melhor. Muito bem. Quero falar em especial da cena em que os dois músicos desempregados de Chicago, Jack Lemmon e Tony Curtis, entram por acaso numa garagem para irem buscar o carro de uma namorada e são testemunhas de um ajuste de contas da Mafia, sob a forma de um assassínio colectivo, em massa.
Os dois músicos são detectados pelos assassinos, estão para ir também desta para melhor por serem testemunhas perigosas, mas conseguem fugir. Sentem-se perseguidos. Disfarçam-se de mulher e conseguem emprego numa orquestra feminina itinerante – orquestra em que Marilyn Monroe toca okulele – e vão dar a Miami. E logo com tanto azar que em Miami se vai realizar uma espécie de convenção de mafiosos, e que depois de muitas peripécias eles são detectados e perseguidos.
O filme é uma obra-prima da comédia cinematográfica, mas o ponto de partida é uma charge ao que sucedeu de facto em Chicago no dia de S . Valentim de 1929. Al Capone não vê alternativa senão destruir para sempre e de uma vez só o gang que se lhe opõe, chefiado por um tal George Bugs Moran. O quartel general deste Moran é justamente numa garagem em North Clark Street. E nesse dia 14 de Fevereiro de 1929, dois polícias entram na garagem, ordenam aos homens de Moran que lá estavam para se virarem para a parede. Os gangsters de Moran pensam que se trata de uma rusga normal, a que já estavam habituados, e obedecem. Entretanto, aparecem dois tipos à civil e esvaziam sobre os homens de Moran virados para a parede os carregadores das suas metralhadoras.


Claro que os policias eram falsos, eram gente de Capone disfarçada, e entre esses estaria um certo Sam Giancana, que anos mais tarde ocuparia o lugar do padrinho da Mafia de Chicago, amicíssimo de Frank Sinatra, por sinal, como já tivemos ocasião de verificar em textos anteriores.
No filme Quanto Mais Quente Melhor não se fala do nome de Capone, mas é fácil de atingir que o gangster bem vestido, de polainas brancas, a quem chamam de Spats (polainas) Colombo não é senão uma figuração de Capone. E o engraçado é que, no filme, o papel de chefe do gang, ou seja, de Al Capone, é desempenhado com muita propriedade por aquele tal actor muito tido e achado nos meios mafiosos de que já aqui falei, George Raft.
Nos dias seguintes, a imprensa comentou o massacre de S. Valentim sempre no pressuposto de que fora obra de polícias comprometidos nalgum caso de corrupção. Com o andar do tempo, vem a descobrir-se que se tratara de uma encomenda de Capone e tornou a haver pressões sobre a autoridade do estado federal. Havia que fazer alguma coisa para pôr fim ao crescimento do gangsterismo e consequentes carnificinas.
Quem ficou preocupado a sério com o audacioso golpe de Capone para se descartar do gang chamado de North Side, foi Lucky Luciano no seu quartel general de Nova York. Curiosamente, a Mafia novaiorquina onde pontificava Luciano, era chamada de Sindicato.
Lucky Luciano era um criminoso de vistas largas, correctas  e democráticas, e projectava reestruturar e modernizar o mundo do crime organizado. Desse processo não fazia parte o recurso a massacres como o de Chicago do dia de S. Valentim. É então que Luciano convoca todos os chefões mafiosos para uma reunião magna atinente à adopção de novos processos. Mas tudo teria de ser feito democraticamente – sim, senhores, o crime foi também uma instância da democracia americana. É essa convenção mafiosa que Billy Wilder retrata com pilhas de graça em Quanto Mais Quente Melhor. No filme, o conclave terá lugar em Miami; na realidade, aconteceu mesmo, entre 13 e 16 de Maio de 1929, no President Hotel, de Atlantic City. E lá apareceram os nomes mais sonantes do crime americano da época, Capone, Lucky Luciano, Alberto Anastasia, Bugsy Siegel, Longy Zwillman. A imprensa estava presente.
Luciano propõe exactamente a formação de uma comissão de âmbito nacional onde, democraticamente, todas as famílias estivessem representadas, e ficando democraticamente assente que todo o assassinato a ser cometido só o seria depois de autorizado pela tal comissão. Tudo claro, limpo, democrático.
- Se os tiroteios e os massacres não acabam depressa, não faltará muito para estarmos todos inscritos no desemprego – tirada final da alocução de Lucky Luciano. 
Que diria a isso o napolitano Mister Alfonso Gabriel Capone?
Sim, alguém pergunta ao empoado Alfonso Capone se está disposto a apresentar-se voluntariamente à prisão e cumprir uma levíssima pena, só para aplacar a opinião pública e fazer as coisas acalmarem. A resposta de Capone foi levantar-se de repente, atirar com a cadeira e desferir um irado chorrilho de obscenidades, gritando:
- Deixem lá, rapazes, descansem… descansem que vocês ainda vão  ouvir falar de mim!
Discutido o melindroso item com os seus conselheiros, Capone teve de dar razão ao seu inimigo de infância, Lucky Luciano. A prisão podia resultar numa chance para ele.
Dois dias depois, Capone e um dos seus capangas são detidos por posse ilegal de armas e levados para a penitenciária de  Filadelfia. Os polícias que o foram prender, claro, faziam parte da lista de pagamentos do gang. Aliás, Capone pagou 20.000 dólares a cada um deles pela sua própria prisão. Dez meses de prisão numa cela atapetada, telefone para longa distância, cómoda, sofá e um rádio.
O telefone do irmão, Ralph, que ficou à testa dos negócios, é que estava sob escuta, e por aí a policia tomou conhecimento de muitos dos negócios ilegais de Capone, designadamente, e em tempo de lei seca, uma quantidade de cervejarias. Essas cervejarias clandestinas começam então a ser invadidas e destruídas pela polícia federal.
O homem que vai andar furiosamente na cola de Capone é um detective federal chamado Eliot Ness, imortalizado pela televisão e por um filme de Brian de Palma, Os Incorruptíveis  - com o Kevin Kostner
A guerra mais a sério contra Capone arranca depois de o presidente Hoover ter visitado em Miami Beach um bairro de gangsters. Hoover afirmou ter visto mulheres nuas a dançar em volta de uma fogueira enquanto alguns dos gangsters disparavam para o ar. 
Não sei se o que impressionou mais o presidente Hoover foram as mulheres nuas se os gangsters aos tiros. O que se sabe é que Hoover declarou que era finalmente preciso fazer alguma coisa contra aquele estado de coisas.
A Capone teríam que lhe pegar pelo lado da contabilidade. Da contabilidade com o fisco. Mas começariam pelo nº 2 de Capone, Frank Nitti. Calcularam-lhe os ganhos e as despesas e não viram documento probatório de que tivesse algum dia pago impostos. Cadeia com ele. 18 meses. E multa de 10.000 dólares.
A seguir foi o irmão de Capone, Ralph. Três anos numa penitenciária do Kansas.
Al Capone nunca conseguiria realizar o sonho de voltar a Los Angeles e por lá se radicar. E assim porque nunca conseguiu infiltrar-se nos sindicatos do crime que dominavam Hollywood, roubando as quotizações aos associados, extorquindo dinheiro aos estúdios. Não o fez Capone em Hollywood. Mas houve muito quem o fizesse.


A Proibição acaba em 5 de Dezembro de 1933. Às mafias toca-lhes inventar novos meios de enriquecimento ilícito. Hollywood acena-lhes. Hollywood é uma tentação. 
E Capone tem sucessores em Chicago. Sucessores mais modernizados e profissionais do que ele, e que planeiam alto e em grande. Por exemplo, apoderarem-se das grandes companhias produtoras de filmes.
   





1 comentário:

  1. Faz pensar que o chamado "sonho americano", utopia almejada por tantos....tenha como base criminosos deste calibre. Até podemos recuar ao filme de Scorcese "Gangters de Nova Iorque".

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