domingo, 23 de agosto de 2015


                                 ZEUS



A máxima divindade grega não passa de uma personagem a esbracejar no concreto de uma narrativa. Não goza de omnipotências nem de omnisciências.
O mais poderoso dos deuses gregos, Zeus, não decidiu sozinho o desfecho da guerra de Tróia. Teve que entabular conversações, sujeitar-se a compromissos.
 
 
Ainda assim: Zeus é o princípio de uma soberania edificada sobre a força da justiça que garante a ordem do mundo e o equilíbrio da comunidade.
 
 
O quero-posso-e-mando dele não é todavia congénito, foi conquistado em heroísmos de diversa ordem. Mas é usuário de variegados poderes: o Zeus dos juramentos; o Zeus das fronteiras; o Zeus que protege os suplicantes e os hóspedes; o Zeus da chuva e o Zeus do raio.
(Zeus: Deus; tão parecidos no nome, nos poderes e prerrogativas e na imponderabilidade da própria existência…)
 
 
Hesíodo estabeleceu as genealogias: Zeus foi a força que pôs um fim à dinastia divina precedente, de proveniências noturnas e de caóticas origens, cuja cabeça era Cronos, o sacana que devorava os próprios filhos.
Mas Zeus escapa. E graças aos truques de Reia, a mãe. Zeus escapa e destrona Cronos. Zeus destrona Cronos, sobe ao trono e torna-se rei. E inaugura uma dinastia dita solene e olímpica.
 
 
Para chegar onde chegou, Zeus sujeitou-se a guerras contra os que foram chamados de divindades ctónicas, os titãs, arruaceiros sanguinários primitivos, vassalos do caos instaurado por Cronos.
Zeus triunfa e o céu separa-se da terra; e a luz separa-se da treva; e as gerações tomam um curso harmonioso.
 
 
Zeus desposa Hera. E Hera fica com a incumbência de ser garante dos regulares matrimónios, esses que promovem das mais legítimas descendências no seio das famílias – um olhar para a mitologia nórdico-wagneriana, com Wotan (Zeus) casado com Fricka (Hera), a litigarem sobre a união carnal de dois irmãos, Siegllinde e Siegmund, que gera o herói Siegfried, contra o furioso parecer de Fricka (Hera).
 
 
A Hera ficará a posteridade a dever nada menos do que a sociedade humana e a civilização, impeditivas de uma recaída no estado natural de barbárie desregrada e caótica.
Filha predileta de Zeus é Atena – com novo olhar sobre as retumbâncias nórdico-wagnerianas, na identidade da filha preferida de Wotan-Zeus, Brunhild.
 
 
Atena foi gerada por Zeus diretamente, sem necessidade de intervenção feminina. Na jurisdição própria do seu sexo, Atena irá representar um princípio patriarcal, quer dizer, administrar um acervo de valores masculinos possível de ser extensivo às mulheres.
Atena gere a atividade dos artesãos tanto quanto o trabalho feminino da tecelagem. Enverga uma armadura de soldado hoplita e assim protege de igual modo as forças armadas. É ela a divindade preparada para a tutela sobre a polis ateniense.
 
 
E temos o belo Apolo, outro favorito do grande pai Zeus. Divindade do sol. Divindade que começou por ser da guerra mas que se transferiu para a luz, para a purificação e para a cura.
 
 
Apolo é o deus da sapiência. Apolo conhece o futuro. Em Delfos, Apolo preside aos oráculos. Apolo é todo ele música e poesia; ele é a harmonia e a beleza. Apolo assegura a ordem estética do mundo de Zeus e o prestígio dele pode suplantar o do próprio pai.
 
 
E chegamos a Dioniso. Que se afirma com potencialidades opostas às do irmão Apolo. Embriaguez, delírio, loucura, reminiscência dos mais obscuros territórios da natureza humana anterior à vida civilizada – seja por isso, os próprios gregos não o tinham como sendo retintamente um dos deles e mantinham-no debaixo de olho ao atribuírem-lhe origens orientais.
 
 
O culto de Dioniso marginaliza-se relativamente à ordem civilizacional e olímpica da polis e remete-se à montanha, ao bosque, ao que se diz para melhor atrair as mulheres e os bárbaros. Mas o rapaz sempre protege a poesia trágica.
É preciso ver que Dioniso é a figuração do Outro em relação à cultura de Apolo – dionisíaco e apolíneo, já todos ouvimos esta antítese cultural (Nietzsche).
 
 
Dioniso pode representar o outro lado do sagrado helénico, o lado instável e perturbador. Embora digam que Dioniso chegou a ser venerado no santuário de Delfos ao lado do seu impecável irmão Apolo.
 
 
Dioniso era chamado na polis para tudo o que cheirasse a festança, a copos, a máscaras, a teatradas. Dioniso era a alternativa humana e civilizacional. E ainda é.
 
 
No panteão grego temos as grandes deusas. Artémis, gémea de Apolo, virgem, caçadora de arco e flecha, presidente das cerimónias das raparigas, tutela dos ritos de passagem da condição de virgem à de mulher casada, protetora dos partos.
 
 

Afrodite é de outro temperamento. Afrodite é a deusa do sexo, do desejo físico – é mãe de Eros. Não era muito benquista no espaço familiar pois toda ela era desejo sexual incontrolável, primordial, animal.
 
 
A outra, Deméter, é associável a Dioniso, por causa da terra, das vegetações, da fertilidade agrícola, dos cereais. Teve uma filha Perséfone, levada pelo malvado do Hades para as entranhas da terra, para o reino da morte.
 
 
Mas regressou, por intercessão da mãe, num belo dia de primavera.
Nos homens ainda temos o simpático Hermes, o deus dos correios e da comunicação, o mensageiro, o viandante, senhor dos espaços abertos e dos caminhos, condutor das almas ao Além.
 
 
Por oposição ao fuliginoso Hefesto, o das oficinas, o dos espaços fechados, o ferreiro, o fundidor, o deus das tecnologias de transformação.
 

 
Hefesto casou com Afrodite para unir a capacidade sexual e geradora à produtividade tecnológica. O pior é que Afrodite nunca lhe ligou meia e preferiu sempre encontrar-se com o temível Ares, o guerreiro, a divindade encontrável nos campos de batalha, gestor da coragem dos homéricos combatentes, impulsivo, furibundo, homicida.
 
 
E depois vem a quantidade dos deuses menores que não interessam para agora, Hades, Héstia, o dito Eros, deuses aliás muito antigos.
 
            

 
Platão: os deuses, compadecidos do pobre género humano que nasceu para sofrer, concederam uma trégua e fixaram-na na sucessão das festas da cidade devidas à divindade, e para companheiros dessas festas ofereceram as Musas, Apolo e Dioniso.
 
 
De facto, na Atenas do século V, em cada ano cem dias eram dedicados às diversas festas e aos ritos sacrificiais. Não foi então pequena a trégua que os deuses gregos concederam aos homens.   

 

 

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