terça-feira, 26 de janeiro de 2016


A ESQUERDA
E A DIREITA
DESNECESSÁRIAS,
OU O UNISEXO POLÍTICO 

 
      
        E pelo caminho que a democracia portuguesa leva já não me admiraria absolutamente nada que o próximo P.R. fosse o Manuel Luís Goucha que todos os dias nos entra pela casa dentro via televisão.
       Por essa ordem de duvidosas ideias estimo que a primeira mulher P.R. portuguesa venha a ser a Teresa Guilherme, se estiver para aí virada.
 
 
       Mas também pode ser a Júlia Pinheiro.
 
 
      Ou mesmo a Bárbara Guimarães – que até já gozou de conjugal  estágio político.
 
 
       É preciso aparecer na televisão todas as semanas. Se for todos os dias mais hipóteses terá de ganhar umas eleições.
       Esquerda e direita? Por amor de Deus, o pessoal já lá não vai com dicotomias, diferenças. É preciso que tudo pareça politicamente igual. Igual ao litro, é o que é.
O pessoal já não se comove politicamente nos terrenos de esquerda e direita. A consciência político-ideológica do eleitorado só precisa da repetição de uma cara, só espera um sinal dado pelas televisões para votar em conformidade.
 
 
       A desnecessidade de esquerda e direita pode indicar que os novíssimos tempos consagraram a desnecessidade da própria política, quando tornam cada vez mais necessários a economia e o futebol.
 
 
       José Gomes Ferreira, editor de economia da SIC, não seria mau de todo, e pode bem vir a ser eleito P.R. por aparecer todas as semanas no pequeno ecran e por não se descoser quanto às suas simpatias economicistas, se liberal se não, se assim-assim, se um dia uma coisa e noutro dia outra.

 
       Jorge Jesus, quase diariamente na televisão, daria um bom P.R. em zero de cultura, zero de pensamento, pronto a ganhar eleições com uma perna às costas.
 
 
       José Mourinho, outro possível. Porque não Cristiano Ronaldo – até se poupava na verba para a estátua?
 
 
       O Pinto da Costa está velho, mas Bruno de Carvalho, não sei não…
 
 
O Tony Carreira também não seria mau…
 
 
       Potenciais candidatos à presidência da república portuguesa não faltam, graças a Deus.
       Todos estes são fenómenos emergentes perfeitamente compatíveis com o inimigo jurado quer da esquerda quer da direita: o centro político, o que tanto faz ou o que tanto dá para um lado como para o outro, o unisexo político, o divertimento fácil e fútil, o nada, o vazio, televisão, redes sociais. Enfim, tudo o que realmente nos governa.
       Eu, que sou do tempo em que a política era assunto sério e não era para ser discutida por badamecos, e em que o ser de esquerda ou de direita fazia toda a diferença na compleição de um homem, enternece-me quando vejo e oiço na televisão os dignitários do PS encherem a boca de esquerda. Se o PS (o de hoje e o de sempre) é de esquerda, então vou ali e já venho e quero ser de direita.
 
 
       O sensível Bloco é mais de esquerda nas magnas causas dificilmente tragáveis por uma esquerda ou uma direita convencionais, sejam elas o casamento entre pessoas do mesmo sexo ou sejam adoção de crianças por essas mesmas pessoas. No resto, jogam o jogo trivial dos sedutores de eleitorado televisivo e apolítico.
       (Nojento reacionário eu? Isso é que era bom: se não há esquerda nem direita que prestem e dignas desses nomes antigos, também não pode haver reacções a elas.)
 
 
       Uma réstea de esquerda no PCP. É bem capaz de haver. Especialmente nas influências sobre o mundo sindical, nas greves dos tão bem pagos maquinistas do Metro que podem paralisar a vida da cidade. No entanto, e pelos últimos escrutínios nacionais, é uma esquerda que se tornou desnecessária, que persiste em consignas e práticas que pouco interessam aos valores televisivos do eleitorado e lhe acentuam a desnecessidade a cada consulta eleitoral.

 
 
       No passado dia 24 elegemos um presidente da república que se tem distinguido na televisão todos os domingos como um zero político. Um vazio. Uma irrelevância. Um centro. Claro, tudo isso quando não se trata de praticar um número de político ilusionismo intriguista.
E ao arrepio dos que o criticaram, e lhe criticaram a eleição, eu acho que a entronização do Prof artista televisivo corresponde na perfeição à partitura dos tempos. As pessoas têm a sua vida, não estão para se ralar, querem divertir-se seja como for e à custa do que for, e nesse quadro, para presidente da república, não se pede mais do que um zero, uma irrelevância que não chateie, um vazio, um centro.
 
 
       Talvez por tudo isto seja legítimo e apreciável o que o bom senso político balizado noutros tempos por esquerdas e direitas diria ilegítimo: as eufóricas festividades de quem acaba de ser eleito como mais alto magistrado da nação por 50% de 50% dos nacionais dessa nação. Quer-se dizer: um presidente de todos os portugueses que só um quarto desses todos portugueses admite como seu mais alto magistrado. O quarto mais pândego de todos os portugueses verdadeiros apreciadores do entretenimento político, do show televisivo.
 
 
       Mas não estou para desfazer nas excepcionais qualidades de inteligência arguta do Prof reinadio, nem na sua alta capacidade técnico-jurídica, nem na sua cultura. O que me sobram são dúvidas sobre as valências dele não como fácil opinador, mas como real actor político na hora em que não caiba margem para a prestidigitação retórica e para a intriga sagaz.
       Estou como diz o cego: vamos a ver…  




2 comentários:

  1. Na verdade, enquanto os portugueses não mudarem, nada vai mudar, vamos continuar a assistir a estas "quintas" aos "futebóis" e a rapaziada lá se vai governando e aos amigos também. É um lugar comum, mas é a realidade, cada povo tem o governo (e o (p)residente que merece... Bem haja

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  2. Sim, concordo. Este pândego Marcelo pode bem ser o ponto zero da Política.

    Mas atenção, um zero é superior a todos os números negativos que, estupefactos, vimos irradiar de Belém nos últimos dez anos.

    E um zero em Política pode contudo ser um valor positivo em termos de Moral política, que é talvez o que mais terá faltado a Portugal na última década.

    E um valor positivo em Moral política pode até conjugar-se bem com um valor muito positivo em Política, como poderá vir a ser esta unidade da Esquerda na Assembleia da República, pela primeiríssima vez após 40 anos de Constituição da República!

    Que pela primeiríssima vez desde o 25 de Novembro coloca desafios aparentemente intransponíveis à Direita portuguesa atual, restauracionista, saudosista e, sobretudo, revanchista.

    A ver vamos então, como dizia o cego - sendo que o pior cego de todos é aquele que nunca quis ver...

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