sexta-feira, 6 de maio de 2016


shakespeare 400 -  as imagens

          Será a imagística de um poeta obrigatoriamente reveladora do seu Eu mais íntimo? Há quem o afirme. Mas seria preciso saber como se define esse Eu. Terá o estudo das imagens de um autor literário o valor de descoberta de alguma coisa oculta no pessoal segredo dele?
 
 
Uma senhora chamada Caroline Spurgeon sustentava em Shakespeare parecenças entre Troilus & Cressida e Hamlet. Era uma continuidade de simbolismos e era também o facto de terem sido peças escritas praticamente em simultâneo, e quando o poeta, no dizer da Senhora, se achava em estado de desilusão, de perturbação e revolta, e sendo que tais estados de alma não se achavam facilmente noutras peças.
 
 
E mais ainda porque Shakespeare não teria sido tão grandioso se não tivesse sido sincero e descrito tudo quanto na sua íntima realidade sentia.
Em Hamlet, a Senhora Spurgeon desencanta sinais de doenças específicas do autor, úlcera, cancro – doenças atribuíveis ao próprio herói, Hamlet, ou a doença colectiva do reino da Dinamarca.
 
 
Em Troilus & Cressida era o aparelho digestivo do autor que não estava a funcionar na perfeição.
 
 
“Feras em luta, devorando-se umas às outras” – Othello.
A luz torna-se espessa, e agora o corvo dirige o seu vôo para o barulhento bosque: as coisas boas diurnas caem em sonolência” – Macbeth.
 
 
A imagem, o ambiente, a metáfora do crime dos Macbeth; o paralelo, a relação da noite com o mal e da luz com o bem. Concretismo sensorial de “luz espessa”. O vago e o específico que se entrelaçam “as coisas boas diurnas caem em sonolência”. Que coisas? Aves, animais, pessoas, flores…
 
 
          Em que momentos da suas peças emprega Shakespeare imagens?, perguntam-se outros analistas literários. Haverá relação entre o emprego de imagens e a situação dramática?
Que função para as imagens? Espasmódica ou puramente ornamental?
 
 
Respostas que não interessam a ninguém, evidentemente. A evolução linguística de Shakespeare desaba num pensamento metafórico.
 
 
Quando possuímos 24 obras maciças de um escritor e dizemos que nada conhecemos da sua pessoa a culpa é exclusivamente nossa. Ele deixou toda a sua personalidade nessas páginas. É só questão de compreendermos o que lemos, e, se isso acontecer, saberemos quem ele foi – escreveu isto um senhor dinamarquês chamado George Brandes que foi um dos mais reputados biógrafos de Shakespeare.
 
 
Não estarei inteiramente de acordo com ele – mas quem sou eu? E por maioria de razão no caso concreto de Shakespeare. E exactamente por ser Shakespeare um profissional de teatro e longe de ser o que se poderia chamar de escritor confessional – introvertido, autocentrado, solipsista. E exactamente porque 24 são muitas obras e tão diversificadas em ambiência, épocas, situações, contextos históricos, personagens, que se alguma coisa foi possível extrair quanto ao homem real por detrás de Macbeth, de Lear, de Othello, de Iago ou de Romeu não me parece líquido que se possa fácil e linearmente conhecer o homem Shakespeare pela obra.
 
 
Mas também, que interessa conhecer o homem se ele eventualmente nos deu essa obra monumental como estratagema para se esconder no labirinto dela mesma, e porque a obra é tudo o que importa conhecer de um autor – já o pensava outro grande, e este contemporâneo, William Faulkner.

 


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