domingo, 12 de junho de 2016


SHAKESPEARE 400 – WOODY ALLEN

 
 

       De Shakespeare Woody Allen gosta mais da escrita (belíssima, superior) do que do lado teatral dessa escrita.
 
 
      Não lhe acha graça às comédias. Magníficos diálogos em comédias grosseiras, quase estúpidas, popularuchas. Sublimes momentos de tragédia, porém de organização cénica defeituosa.
       Falando de prémios, não, não dizem nada a Woody Allen, nada de mais, lá ficam nas vitrinas da casa a encher-se de pó, não mudam em nada a vida do premiado, não lhe trazem saúde, não lhe prolongam a vida.
 
 
      Nenhum reconhecimento, nem o mais prestigiante, afecta a vida que se tem e lhe acrescenta mais conforto ou mais equilíbrio.
       Cá por mim, não estou muito de acordo. Mas também quem sou eu para estar ou não de acordo? Nunca me deram nenhum prémio – ah, sim, uma medalha militar (se se lhe pode chamar prémio) que anda aí por casa, sei lá bem onde, a apanhar pó, isso mesmo, e que não acrescentou nada à minha vida.
 
 
       Na opinião de Woody Allen, nem Shakespeare teria achado especial piada aos prémios que lhe dessem – que não lhe deram.
       E nem mesmo as póstumas homenagens que lhe fizeram, e fazem, significam alguma coisa.
       E nem significariam alguma coisa de mais mesmo que ele fosse vivo e na noite de estreia de Hamlet lhe chegasse uma valente dor dentes.
 
 
        Se o público não gosta do teu trabalho continua a trabalhar. Das duas, uma: ou o público acabará por mudar de opinião, ou ficarás desempregado, e com razão. E quando os espectadores te chamam génio tapa os ouvidos e pergunta a ti mesmo: se eu sou um génio, que diabo de coisa serão Shakespeare, Mozart, Einstein?
 
 
       Não era que se considerasse um autor destituído de talento, mas, depois de morto, Woody Allen não se ralaria muito se lhe pegassem nos filmes e nos negativos e os deitassem ao lixo – desde que deixassem alguma coisita para os herdeiros, bem entendido.
 
 
      O grande Shakespeare não está melhor agora do que o escriba sem talento que escrevia comédias e tragédias na Inglaterra isabelina sem encontrar alguém disposto a encená-las.
       Mais do que continuar a viver na cabeça e no coração do público, prefiro continuar a viver no meu apartamento. 



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