domingo, 10 de março de 2013


                            
       

                                   

       DEPOIS DE UMA LEITURA (RÁPIDA) DE 
                           BERGSON

        Falar, escrever; a rádio, o blog…
       E depois de uma tangente leitura de Bergson.


                                                     

       A socialização do discurso, dizia ele, Bergson, porque no tempo dele não se falava na ordem do politicamente correcto.
A socialização de um discurso humano, para ser efectiva, implicaria uma impersonalidade (uma impersonalização), a coisa bem feitinha para a maior parte dos gostos públicos, eventualmente com alguma moral para comunicar, quer dizer, ensinar, mas que se não tiver serventías na vida prática e corrente se desvaloriza acto contínuo por intransmissível.
          

Fórmulas há, muitas, que se retêm, por terem a qualidade de serem supostamente aceites por uma maioria. Fórmulas postas em vigor (contra o Passos Coelho, contra o Sócrates, contra o Relvas, contra o Vítor Gaspar, contra a troika, contra o Santos Pereira, contra o Ulrich, contra o Cavaco, contra o governo constituído por uma quadrilha de ladrões, contra a pedofilia, contra a violência doméstica, contra as gorduras, contra o sal e o açúcar, contra a carne de cavalo, a favor das greves e manifestações absolutamente necessárias na construção de conjunturas que farão eclodir a História e que farão cair o governo, o presidente, as instituições…), fórmulas postas em vigor, abençoadas pela maioria de nós, cultivadas na, e pela, televisão; discursos fadados para o sucesso, para a compreensão geral e para a mais alargada aceitação.
Quando um discurso atinge o âmago de uma formulação consabida, absorvida, é um discurso válido, percuciente, não é preciso reflecti-lo, esmoê-lo, pode aplicar-se já no imediato, na próxima convocatória da CGTP (se for contra o status) ou na inauguração de uma próxima dieta (se for contra o sal, as gorduras, o açúcar). Mas não é um discurso pessoal, ou com uma marca pessoal. Alinha no previsível imediato, fácil de digerir. No correcto – mesmo que esteja correcto.
Mente desenxovalhada, espírito aberto, inteligência clara, sim, se a comunicação reverter para o conjunto de ideias aceite pelas maiorias sem discussão. Mente perversa, espírito retorcido, inteligência intermitente, sim, se a comunicação traduz uma concepção um pouco mais personalizada da vida e do assunto sobre o qual se comunica.
O criativo desprestigiou-se. A superioridade intelectual passou a residir na falta de um espírito inventivo.
Não é correcto submeter os destinatários da comunicação  a um pensamento próprio, e menos ainda pretender levá-los a elaborar e emitir o seu próprio e pessoal pensamento. Não é correcto pretender que os destinatários da comunicação escapem, no plano intelectual (e mesmo moral), ao que foi previamente construído por outros para eles pensarem, para o consumo intelectual de todos. Não é correcto querer suscitar nos outros a criatividade que têm em si quando o acervo das ideias aceites pela maior parte estão aí, quentinhas (ou requentadas), mesmo à mão.
Falar. Escrever.Escrever. Falar.



    É mais eficaz a comunicação verbal do que a comunicação escrita. Será por isso que há políticos que (para a mensagem que querem passar) se exprimem razoavelmente pela oratória e que tão mal escrevem.


       Sim, eu sei, acabou de sair uma nova obra-prima do habitante de Belém. Não li, não sei se está bem ou mal escrita – pouco relevante, em todo o caso, porque o mais certo foi a obra ter sido escrita por um assessor, ou dois, e só com uns retoques finais do detentor do título. Seja como for, também este político não constitui modelo nem de uma coisa nem de outra, do bem escrever ou do bem falar. Porque falar não fala quando todos o querem ouvir, ou sobre os temas que todos querem ouvir; e escrever, enfim, escreve um livro que essencialmente serve para explicar porque forte razão não fala do que todos gostariam de ouvir…
          
                                   

       Está tudo muito bem, mas os sábios estipularam com razão que a comunicação pela palavra imediata, falada, por menos nobre e reflectida que seja, é mais fácil de compreender (e de convencer os outros) do que a palavra laboriosamente escrita. A palavra falada (o timbre da voz, o ritmo da frase, a inflexão) vai direita aos sentimentos de quem a ouve. Aí é que está. Misterioso, mas verdadeiro. Sentimentos. A palavra dita é carnal, estabelece conexões, estende fios, inaugura uma relação de simpatia ou antipatia mesmo com alguém que não se conhece.
       Ouça-se o discurso de um bom orador, e leia-se depois o texto escrito desse mesmo discurso. O que soou claro e humano e luminoso e racional e correcto na palavra, surge intrincado, evasivo, controverso, discutível, obscuro no texto escrito em papel. Surge, ou pode surgir.
       Mas nesta vida é natural que as funções se distribuam pelos talentos. E o melhor é cada um não forçar os seus talentos até às regiões inóspitas. Têm de existir os que trabalham para uma minoria de cidadãos maduros e meditativos, e os que gostam de impressionar as maiorias com a variação repetida e irrelevante do discurso que eles imemorialmente conhecem, o discurso de todos.
Pode ser que a decadência do génio (como já Bergson notava) se deva a este desdém do grande público pela visão pessoal, mais ou menos original; ou a esta preferência do grande público pela comunicação formatada do que ele já de sobejo conhece e que foi consagrado como válido, e, mais que válido, correcto. Porque era o espírito inventivo de cada um, a capacidade criativa, sim, que deveria ser estimulada, e não a aprovação banal dos consumidores de fórmulas pré-cozinhadas.
     Pois é, o que é preciso é fazer a nação andar para a frente…
       (Façam um esforço, como eu, não riam.)

                               

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