quinta-feira, 25 de abril de 2013


                         AMARGURA  


Madrugada de 26 de Abril de 1974. Faz amanhã 39 anos.
Marcelo Caetano é metido numa viatura militar e segue da Pontinha para uma base aérea.
Vai sozinho no banco de trás do automóvel. À frente, ao lado do condutor, vai um 1º sargento paraquedista (cara patibular, segundo Marcelo) que passa toda a viagem a olhar para ele com a arma apontada.
Tive a noção clara de que a um gesto equívoco da minha parte, seria abatido.
Marcelo pensou que o paraquedista não teria recebido ordens superiores para assim proceder. Mas se ele disparasse, pergunta Marcelo, quem isentaria o movimento revolucionário das responsabilidades de um frio assassínio a que a ausência de um oficial acompanhante daria toda a verosimilhança?

                                                      

    No avião que os levou à Madeira, Marcelo, Américo Tomás, Silva Cunha e Moreira Baptista sentaram-se cercados por duas filas de paraquedistas armados que nem por um momento largaram as armas. Também desta vez não havia um oficial a comandar uma escolta que levava um almirante e três homens que até horas antes haviam desempenhado altos cargos públicos. Continuava a ser um 1º sargento a  comandar. 

Marcelo Caetano chega ao Funchal e tem muito tempo para pensar na vida. Fica 20 dias sob prisão. Aproveita esse tempo. Começa a escrever um depoimento sobre a sua acção política de quase seis anos de chefia do governo. Parte para o Brasil.
Chega ao Brasil e é imediatamente rodeado por repórteres e fotógrafos. Hospeda-se no Hilton de S. Paulo, é alvo de muitas homenagens quer da colónia portuguesa quer de amigos brasileiros e fica desvanecido. De S. Paulo passou ao Rio de Janeiro e foi recolher-se por algum tempo num convento de beneditinos.


Como seria de esperar, depressa fica a par dos desenvolvimentos da política nacional e do descambar do previsto golpe militar moderadíssimo num estado pré-revolucionário incontrolável. Não sei se alguém lhe prometera alguma coisa para depois do assentar das poeiras, alguma hipótese de regresso com imagem reforçada, sabe-se lá. Se alguém lhe prometeu tal, Marcelo Caetano começou a ver essas promessas a desvanecerem-se e a ver a sua vida a andar para trás.

No seu refúgio brasileiro, Marcelo Caetano recebia muita gente fugida à revolução. Assistiu à chegada de sucessivas vagas de portugueses notáveis que se auto-expatriavam ao ritmo do agravamento das condições revolucionárias em Lisboa: os primeiros, logo a seguir ao 25 de Abril, os de mais nomeada política; depois os náufragos do 28 de Setembro; mais tarde os proscritos do 11 de Março.
Tanta precipitação, tanta lágrima, tanto equívoco numa revolução tão benigna, e para estarem cá todos hoje, bem amesendados, alguns luxuosamente acomodados, melhor até do que estariam no tempo da outra senhora... ou seja no meu tempo – terá pensado Marcelo.
O próprio Marcelo Caetano poderia ter regressado, apesar de tudo, se quisesse, para acabar tranquilamente os seus dias na sua casa de Alvalade. Não quis. Era um ressentido. Só a ideia o horrorizava. Dava-lhe vómitos o reencontrar-se com tantos dos que lhe haviam jurado eterna amizade e fidelidade e se bandearam para o campo da esquerda. A histórica e leonina amargura de Marcelo Caetano nunca pôde reconciliar-se com a realidade histórica do momento da sua pátria.                                                          
Ao digno comportamento dele durante o cerco ao quartel do Carmo (notará mais tarde) só os adversários fariam justiça - casos de Salgueiro Maia e Otelo.

Um jornalista português apresentaria Tomás como modelo de dignidade naquela hora fatídica. E porquê? Porque não tinha saído de casa. O que nem sequer era verdade. Da carga psíquica desse dia, diz Marcelo, que se não o matou o moeu muito.

Ouviu falar na “pesada herança do fascismo”. Achou graça à expressão. Era o modo grosseiro como os jovens gastadores se referiam aos dinheiros paternos que não lhes tinham custado a ganhar.
O meu governo deixou nos cofres do Estado 872 toneladas de ouro em barra, mais 100 milhões em divisas. Nisso consistia a pesada herança do fascismo.

No Brasil era um ex-ditador de água doce, acolhido por uma ditadura militar musculada. Das condições do asilo fazia parte o compromisso de não se envolver em política.
Asilo? Ele não o interpretou assim. Logo que chegou, tratou de regularizar a situação de estrangeiro, preferindo a qualidade não de asilado mas de refugiado. Certamente por uma questão de moral.

Por falar em moral. A palavra moral é recorrente no léxico de Marcelo Caetano, e a diversos propósitos. Vilipêndio moral. Afundamento moral. Energia moral. Valores morais. Sofrimento moral. Ponto de vista moral. Categoria moral. Uma moral da memória muito viva em Marcelo Caetano. Uma memória de si.
Marcelo Caetano pensava nas esquerdas portuguesas sedentas de poder. E pode ser que pensasse mais nas direitas pusilânimes. Doía-lhe a trajectória de muitos dos seus ex-colaboradores que se preparavam para reviravoltas ideológicas espampanantes, para acrobáticos volte-faces nas suas convicções políticas e se passavam a proclamar democratas da primeira hora.
Também lhe doía, e muito, o parecer dos correlegionários que o acusavam de – na mais ligeira das hipóteses - não ter sabido evitar o golpe do 25 de Abril, ou de – na mais sinistra das hipóteses – ter estado de conluio com os golpistas.
Pela minha insignificante parte, e quanto à última das hipóteses, não o classificando de conluio, pressinto que Marcelo Caetano viu na preparação do golpe por Spínola e Costa Gomes (não falo dos capitães) uma nesga de oportunidade para si mesmo, para o que pudesse ser um seu segundo fôlego político num clima doravante desanuviado de ultra-salazaristas. Ou então terá sido um ingénuo ao acreditar na palavra desses generais desavindos com o regime que lhe diziam para se manter no poder que estava lá muito bem.

Pensava Marcelo que se o país quisera uma mudança política, ou até se, não a querendo, a permitira, pois que sofresse daí em diante os efeitos de tão ansiada mudança. Por ele, atirado para os brasis, sentia a amargura do abandono. A amargura de só aos 68 anos se ter apercebido do que o Prof. Veríssimo Serrão chama de vilipêndio moral, ou de degradação dos homens quando se assume em formas colectivas.
Fiz tudo para servir a minha pátria e vejo-me agora espoliado dela.
                                                                             
        Do povoléu mais comum ninguém evidentemente sabia, mas estava-se a dias do golpe que iria mudar o viver português. E Marcelo sabia. E tanto que sabia que confidenciava a amigos, e talvez com excesso de dramatismo, estar-se a viver sobre um barril de pólvora.                                                                                
E também os seus ministros militares sabiam do que aí vinha e diziam-se preparados para enfrentar o que viesse. Esperavam os acontecimentos para Maio, por volta do dia 10. Homens totais e totalitários para quem a pátria era o próprio regime ditatorial, afirmavam que o reviralho a vir por aí não se limitaria a ser contra o regime. Seria contra o próprio país.
Mais tarde, Marcelo afirmava saber a razão por que o golpe previsto para Maio fora antecipado. Foi quando os conjurados tomaram conhecimento da ausência do país das principais figuras da PIDE, Barbieri Cardoso e Rosa Casaco, e contando com cumplicidades internas na pessoa do inspector Coelho Dias, amigo de Spínola, que facilitou as coisas. Argumento pouco consistente na minha pobre e desinformada opinião, e sabendo-se o pouco que ainda se sabe hoje. Não sendo embora de esquecer a espantosa passividade da PIDE, que continuava à caça de comunistas, fingindo ignorar os capitães e fingindo-se adormecida ou inepta para correlacionar ambos.



No caso da suposta inépcia da PIDE, como no caso do seu reiterado arreganho contra os subversivos, Marcelo Caetano acabou por, figuradamente, ser preso por ter cão e preso por não ter. Foi atacado pelos correlegionários por ter tirado poderes e margens de manobra à PIDE. E foi atacado pelos adversários por não ter tocado nas estruturas e nos métodos da mesma PIDE, limitando-se a mudar-lhe  nome.                                                
A situação moral de Marcelo Caetano era já deplorável nas vésperas do golpe. Em conversa com o Prof. Veríssimo Serrão perguntara amargurado acerca do que seria possível fazer com um pais que (sic) ainda dispõe de energias próprias mas prefere seguir as vozes das sereias encantadas.                                                                             
Na leitura política de Marcelo prévia aos acontecimentos de Abril de 74, em todas as classes sociais campearia a fraqueza, a demissão, o aviltamento – sem mencionar a quota-parte de responsabilidade dele mesmo nesse estado das coisas.

Eram os militares – juraram defender a pátria e andavam em reuniões com fim mercenário só para poderem dispor das províncias ultramarinas. Era a Igreja – possessa de um progressismo militante que identificava Cristo com Marx. Eram os universitários – que incitavam os alunos à contestação permanente. Eram os novos burgueses – saturados de bem-estar a querer a mudança política para se manterem na crista da onda. 
Restava o povo fiel, manobrado pelo que acoimou de palradores de ocasião, os que chamavam aos homens do regime tiranos e aos outros libertadores.                                                                       
Precisamos acima de tudo que Deus nos valha.
Em Fevereiro de 74, Marcelo clamava ser preciso vencer o que classificava de “hora sombria”. Ingénua ou cinicamente, acreditava ter a nação do seu lado. Acreditava na consciência colectiva quanto ao papel das províncias ultramarinas no futuro nacional. Fosse por deformação profissional do legalista e do administrativista, acreditava na solução teórica e administrativa da “autonomia progressiva e participada”, acreditava nos “novos brasís” a resultar a prazo largo como solução para as questões que se colocavam no imediato e exigiam respostas radicais no imediato.
(A mim, cidadão comum, impressiona-me a falta de rigor e de frieza analítica num homem da mais alta craveira intelectual que não resistiu às circunstâncias históricas adversas que tinha para viver e se deixou dominar pelas emoções e por um ego demasiado exigente.)
Aqueles ciclones da História que sopravam sobre a questão ultramarina, é óbvio que, concomitantemente ao ultramar, ou até prévios a ele, sopravam fortes sobre a situação do Portugal metropolitano. Os anos 70 eram o limite, o muro de encontro ao qual os ventos haviam empurrado o país desde o fim da II Guerra. Mas ainda nos anos 70 havia no regime quem pensasse possível resistir à tal dinâmica desses mesmos anos 70.
Para resistir eficazmente à tal dinâmica dos Seventies teria sido absolutamente precisa a presença de Salazar, ou, em desespero de causa, de um herdeiro à fatal altura do velho ditador.
Marcelo, o ungido, também fora por alguns olhado como aquele que se preparava para desbaratar a herança do velho mestre, enquanto os liberais depressa desconfiaram dele como o homem indicado para a renovação e nele não viram mais do que um seguidor do velho.
O dilema de Marcelo Caetano foi mesmo shakespeareano.  E julgo eu que fosse qual fosse o herdeiro de Salazar o seu destino não seria diferente do que foi o de Marcelo. No seu fechamento político, no seu ultramontanismo cultural, não preparando elites esclarecidas, fossilizando implacavelmente os esquemas mentais colectivos e privando o povo de uma cultura política, Salazar tinha armadilhado tragicamente o caminho de qualquer um que lhe sucedesse.   
Marcelo Caetano queria refazer a vida, dizem os testemunhos. Não se deu por um homem vencido. Não sei se com a compleição psicológica dele a intenção não seria evidenciar ou ampliar pela amargura própria as dimensões do que entendia ser o desastre da sua pátria.        
Fixa residência definitiva no Rio, no bairro do Flamengo. Frequenta as editoras e livrarias cariocas. Busca materiais para continuar um labor nas áreas da História e do Direito. Projecta escrever uma História do Direito Português. Não pode estar parado. Os filhos comprometem-se a ir fazer-lhe companhia segundo uma escala combinada entre eles. Até que fica professor na universidade Gama Filho, a maior universidade privada do Brasil - Direito Comparado. Frequenta a Academia de História e o Instituto Histórico. Tem inúmeras solicitações para o social.

E de todos os pontos do Brasil lhe chovem convites para orações de sapiência, aulas, congressos, conferências, e não versando apenas matéria jurídica, também altos temas de História – aliás, Marcelo era realmente um erudito que se considerava modestamente um historiador amador.
Dá-se com intelectuais e académicos. Quase todos. Uma excepção interessante – e que lhe dá muita pena: a do brilhante filólogo Aurélio Buarque de Holanda, julgo que tio do grande Chico Buarque. Marcelo classifica-o de sujeito tão de esquerda que é o único académico que recusou relações comigo devido a eu ser… fascista.
O principal papel dos estudos históricos é a explicação do presente pelo passado. A História talvez devesse ser lição e exemplo: mas na verdade não é. As gerações nunca aprendem pela experiência alheia. Só à custa do próprio sofrimento.
Sim. Mas então porquê a fé dele na História para repor um dia a justiça quanto à sua acção governativa?
Os portugueses julgam ter conquistado a liberdade quando estão sob a pata de uma feroz ditadura – escreve quando tem notícias da queda do governo de Palma Carlos. As qualidades e o prestígio do amigo Palma Carlos não eram bastantes, pensa, para o impor num ambiente revolucionário.
É vê-los agora no Templo, os vendilhões, prontos a renegar Cristo. São eles os puros democratas, enquanto nós, que sempre  pregámos o convívio e a tolerância, representamos a opressão que cumpre exterminar. A História porá isto, um dia, a claro.
Convívio e tolerância com prisões políticas pelo meio? É preciso lata.
A História porá isto, um dia, a claro.  Cá está. A História pode ser então uma tábua de salvação moral, uma esperança redentora. A confiança que naqueles tempos as pessoas de qualidade punham na História é algo que deveras me admira. Ingenuidade? Ou hipocrisia mesmo na derrota?
A História! Mas quem escreve afinal a História?, pergunto eu.
Impressionavam-no os fenómenos de aceleração histórica que fazem, como ele diz, perpassar aos nossos olhos a série de sucessos extraordinários e instituições fugazes de que se entretece a História contemporânea.

O mundo mudava agora de ano para ano. Uma angústia para o Homem dos tempos pausados. O universo unificava-se pelos meios de comunicação, registava ele – e ainda ele não tinha visto nada.
Quando antes do nosso século o mundo se transformava imperceptivelmente e só de séculos a séculos era abalado por revoluções que se produziam em espaços restritos…
Mas recalcitrava no culto da História como via indispensável à justiça que o mundo haveria de prestar a Portugal.
Tenho fé em que a poeira das derrocadas se dissipará para, por entre as ruínas, deixar divisar o que constitui ainda material válido para uma reconstrução urgente no meio do afundamento em que soçobrou a nação portuguesa com a dissolução do carácter da quase totalidade do seu povo.
Bom, entre os exageros e o despropósito de considerar que de um dia para o outro (de 24 para 25 de Abril de 74) a totalidade do povo sofrera uma dissolução de carácter, enfim, Marcelo e o seu regime teriam mitificado no povo português características que ele (povo) não tinha e se calhar nunca teve, mas que fazia jeito enaltecer, quanto mais não fosse para enaltecer, moralizar e totalizar o próprio regime. Tem isso a ver com as ditaduras? Não sei. Para as ditaduras, o povo, sendo bom porque as suporta, só não tem razão e se lhe degrada o carácter quando se revolta contra elas – Hitler pensou o mesmo do povo alemão na hora da derrota.

Em democracia arranjam-se outros mitos. O povo, ao votar, tem sempre razão, escolhe sempre bem na sua sabedoria telúrica. O que falta provar que seja verdade. Toda a gente o sabe. Induzido o povo eleitor como é, sempre, e pela sua deficiência colectiva de carácter, por factores estranhos a esse mesmo carácter, a comunicação social, a propaganda partidária, as sondagens pré-eleitorais, o diabo a sete…
Ou… quem tem sempre razão (e poder) são os meios e os métodos que induzem o povo a votar assim ou assado?
Na derrocada do país e das suas gentes antes respeitáveis e fiéis, segundo Marcelo Caetano, poucos se salvaram na hora da debandada, ou na hora da procura desesperada da sobrevivência política e dos tachos respectivos.
E ele sente-se grato a quem acreditou ainda nas possibilidades dos seus 68 anos, e trabalha duramente para não desmerecer essa confiança.
Em Julho de 74 tinha planeado a edição da sua versão dos acontecimentos de Abril; ou mais: da sua acção governativa entre Setembro de 68 e Abril de 74.
Depoimento, veio a chamar-se o livro. Silva Cunha, Moreira Baptista, Elmano Alves, o general Andrade e Silva – presos, ou deportados, ou em fuga. Isso angustiava-o. Pretendia defender-lhes o nome e a honra. E na redacção de As Minhas Memórias de Salazar ocupava ele todas as manhãs e os fins de semana
Muito se especulou acerca das relações entre Caetano e Tomás antes e depois da queda de ambos. Veríssimo Serrão assegura que Marcelo nunca deixou de prodigalizar atenções ao velho almirante. O pior parece que era a delambida da filha, dona Natália, que se mostrava inconveniente com ele, não se cansando de lhe atribuir as culpas pelo que acontecera e assim contribuindo para alguma frieza entre os dois homens. Mas Marcelo não esquecia os favores e as honras devidas ao homem que o ungira para suceder a Salazar.
A feição melómana é-lhe avivada com a ida a um concerto da Sinfónica do Rio de Janeiro, em que escuta a 9ª de Beethoven e onde acha lenitivo para os males da sua alma.
Era um melómano sincero, Marcelo, sem dúvida, como homem superiormente culto que era. Várias vezes o vi em concertos aqui em Lisboa e a assistir a óperas em S. Carlos. Deve mesmo ter sido o último 1º ministro português com cultura musical.
Ah, não. Não foi. Não. Estava a esquecer-me de outro grandíssimo melómano que foi 1º ministro, Vasco Gonçalves. Sim, esse. E, pelo menos como melómano, bastante esclarecido e refinado. É verdade. E mais nenhum.
(Ah, sim… Passos Coelho chegou a estudar canto… nota-se…nota-se…)

Marcelo passa então a ir todas as semanas à sala Cecília Meireles ouvir os concertos da Sinfónica do Rio.
Com a experiência que a vida me deu, como acreditar nos homens, na fraternidade, na regeneração e não sei que mais?
Esse regime de gatunos privou-me da pátria, privou-me dos meus direitos, privou-me da aposentação para a qual contribuíra durante 47 anos, privou-me dos bens que legitimamente adquirira, privou-me dos livros que eram o  meu instrumento de trabalho.
        Regime de gatunos, não é? Sabia lá Marcelo para que medidas e governos e políticos e financeiros o país e o seu povo (cheio de carácter) estavam guardados. E essa do privarem-no da aposentação, não sei se foi verdade, mas se foi, foi medida pioneira dos tempos que estariam para vir e que nem em sonhos naquele tempo passava pela cabeça de ninguém – nem pela de Marcelo Caetano - que pudessem vir.
De qualquer das maneiras, custa-me a entender este rancor burguês de quem fez toda a vida na política, de quem sabia, ou devia saber, o que o esperava na hora da derrota, e de quem seguramente conhecia o destino quantas vezes trágico de tantos ditadores.






1 comentário:

  1. O Poder aprisiona sempre os seus detentores numa hermética narrativa auto-justificativa.

    A História é mestra na destruição destas narrativas, mas não consegue impedir a criação das sucedâneas.

    O drama de Marcello e do "marcelismo" não é muito diferente dos dramas posteriores, e consequentes narrativas desfeitas, do spinolismo (baseada no mito da "maioria silenciosa"), do gonçalvismo (baseada no da "Revolução"), do cavaquismo governamental (baseada no mito do "oásis"), ou agora na do cavaco-gaspar-passismo (baseada no mito da "consolidação orçamental"), que mais dia menos dia também desabará fragorosamente e será substituída pela próxima narrativa hermética e auto-justificativa do Poder, ainda impossível de prever nos seus contornos essenciais...


    E contra estas narrativas sequenciais do Poder há apenas um antídoto eficaz, composto pelo Saber, pela Cultura e, sobretudo, pelo Carácter, que são perenes e imunes à falácia perecível dos transitórios discursos do Poder.


    «Sic transit gloria Mundi»...

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