sábado, 23 de agosto de 2014


                              SINATRA & FRIENDS



Escrevi aqui há dias da história da cabeça do cavalo, mas não contei tudo a respeito das ligações de Frank Sinatra aos amigalhaços da Mafia.
Vem ao caso, claro que vem, a Mafia e os mafiosos-modelo que inspiraram tantos neste nosso soalheiro Portugal…
              
                                                                           

E então, digamos que a primeira decisão do produtor da Paramount Robert Evans e do seu jovem realizador europeu pouco menos que desconhecido chamado Roman Polanksy para o projecto de filme Rosemary’s Baby – em português A Semente do Diabo – foi contratarem para o primeiro papel feminino uma rapariga decerto inexperiente como actriz, mas acabadinha de casar com Frank Sinatra, chamada Mia Farrow.


Para conseguir de Mia Farrow a expressão que queria, Polansky chegava a fazê-la repetir um plano 30 ou mais vezes, o que deixava a moça estafada.


Um dia, terminada a sessão, um representante do marido de Mia Farrow apresenta-se a um dos chefes de produção da Paramount e recomenda-lhe que ordene a Polansky que se contente com dois ou três takes de cada plano, em lugar da brutalidade dos 30. Era bom que as coisas se passassem como queria o marido de Miss Farrow. E se tal não acontecesse esse chefe de produção da Paramount arriscar-se-ia a passar uns tempos num hospital com as pernas partidas.

                                                                            

Por sinal, nos anos 70, com relações de proximidade à entourage do presidente Nixon, diz-se que Frank Sinatra influenciou o Departamento de Justiça no sentido de deixar de utilizar oficialmente os termos “Mafia” ou “Cosa Nostra”, é é então que começa a organizar grandes festas de caridade a favor dos mafiosos presos.


Havia de certo modo um lado moral nas ligações de Sinatra aos gangsters, porque os via revestidos de alguma legitimidade. Era amigo tanto de poderosos e notáveis deste mundo quanto de assassinos e vigaristas. Entendia que a Mafia não era a peste que diziam ser e caucionava-a por intermédio da sua celebridade artística.


Claro que, à semelhança de George Raft, Sinatra gostaria de ter sido chefe mafioso. O colega Bing Crosby assim pensava. E não pensava mal. O próprio Sinatra teria confirmado a outro colega, Eddie Fisher, que teria preferido ser um padrinho da Mafia a presidente dos EUA. Mary Sinatra, a mãe, já tivera ligações mafiosas, sim. Mas um dia fora espancada à matraca. Não me perguntem porquê. Só sei que foi durante uma operação de desembarque de álcool de contrabando.
Como Sinatra prezava os fracos e oprimidos, eis por que muda um dia de ideologia política - chamemos-lhe assim –, deixa o pessoal de Nixon e volta-se para o Partido Democrático. (Aliás, por onde já andara, tanto quanto me lembro nos tempos de Kennedy.) Para Sinatra, a Mafia tomava o partido dos humildes, dos que mal tinham direito à justiça oficial - justiça oficial que, de resto, Sinatra detestava. E também apreciava muito a particularidade de a Mafia desprezar as convenções sociais.

                                                                                       

Indo aos princípios, diga-se que para finais dos anos 40, Lucky Luciano destacou um dos seus homens mais novos, chamado Fischetti, para se ocupar da carreira de Sinatra. No entanto, e a dar-se o caso de o desenvolvimento da carreira de Sinatra precisar de um empurrão mais para o duro, havia de reserva Sam Giancana, padrinho de Chicago, antigo soldado de Capone, provavelmente um dos falsos polícias que naquele dia 14 de fevereiro de 1929, de S. Valentino, entrou a matar na garagem que era o cóio habitual do gang de Moran, rival de Capone.


Havia até de parte, nos cofres mafiosos, um fundo de 60.000 dólares, reunido através de quotizações, para ajudar a carreira de Sinatra - isto dito pelo próprio Lucky Luciano pouco antes de entregar a alma ao Criador. E como curiosidade, seja também dito que o avô de Frank Sinatra habitara a mesma aldeia onde nascera Lucky Luciano.

                                                                                

A divida de Sinatra ao gangsterismo era impagável – tanto a material como a moral, evidentemente. Mas engane-se quem pense que foi Sinatra o único a ver a sua carreira avançar graças à Mafia. Que dizer dos Irmãos Marx? Que dizer de Cary Grant, de Clark Gable, de Gary Cooper? E de Ronald Reagan e de Ed Sullivan. E de um certo Dino Crocetti, do Ohio, mais conhecido por Dean Martin…


E sabe-se lá de quem mais. As actrizes, por sinal, em termos de ajuda à carreira, não eram muito do agrado dos homens da Mafia. Engraçado. E significativo. Consideravam-nas de uma maneira geral esplêndidas idiotas…
Era o famoso Johnny Rosselli que em Hollywood fazia de talent scout, marcando aqueles que no show business revelavam um talento fora de série. Rosselli assinalava esse talento, comunicava-o ao boss Giancana. Este, se dava o agrément, encarregava o mesmo Rosselli de propor o nome do artista a um dos estúdios, sugerindo um contrato.

                                                          

        Sim, senhoras e senhores, à Mafia devem-se prestimosos serviços à arte dramática e musical. A Mafia também foi agência artística, também por lá havia gente com sensibilidade e gosto. Mas com certeza que havia um  preço a pagar.
A gente ajuda-os um pouco na carreira, e pronto, eles pertencem-nos - chegou a dizer o mafioso-mor dessa época, Sam Giancana.
A Mafia interessava-se por um artista, abria-lhe as portas, mas fazia-lhe muito seriamente ver que se um dia a organização precisasse de um serviço dele, ele nem podia pestanejar. E quanto mais o artista se celebrizava mais o débito dele crescia nos livros da Mafia.
“Director de programas de divertimento”: fórmula usada para designar aqueles que no mundo do espectáculo trabalhavam para a Mafia.
Um dia, o tal jovem mafioso Fischetti que tratava da carreira de Frankie telefona-lhe e diz:
- Sabes, agora estou à testa do night club do Fontainebleau Hotel, de Miami, e um dia destes vou até Cuba, queres vir daí comigo?


Estava-se em 1947. E Fischetti tinha-se esquecido de comunicar a Frankie que nessa mesma data, em Havana, iria realizar-se um encontro do mais alto nível de mafiosos, e que esse encontro seria também ocasião para uma homenagem a Lucky Luciano que por lá andava de férias – ou, dito de outra maneira, que para lá estava exilado.
No processo de 1981 sobre as actividades mafiosas, a correr por iniciativa do Gaming Control Board, de Nevada, Sinatra presta declarações: a sua ida a Havana em 1947 não se destinara a nada mais do que a apanhar um bocado de sol.
É que, pouco antes de apanhar o avião para Havana em Fevereiro de 1947, Sinatra fora cantar a um casino da Florida, propriedade do mafioso judeu Meyer Lansky, e pernoitara na mansão de Lucky Luciano em Allison Island, junto a Miami Beach. O que ele não sabia era que andava a ser espiado por agentes do FBI.


Sinatra era um dos que levava uma mala de grande porte. Segundo os bófias, cada uma dessas malas conteria à volta de 6 milhões de dólares em notas. Interrogado a respeito da mala, Sinatra diz que era a sua mala das tintas e dos pincéis, dado que tinha como hobby a pintura a óleo. Aldrabice. Nancy, uma das mulheres dele, viria a declarar que ele só se começara a interessar pela pintura lá muito para o fim desse ano de 1947.
                                                                   
                                                                                                    

Apesar de as proteger, Sam Giancana, o grande patrão de Chicago, era de opinião que as estrelas de cinema só serviam para uma coisa de realmente útil à sociedade: transportar malas de dinheiro de um lado para o outro, e porque toda a gente ficava especada a olhar para a estrela, ali, em carne e osso, e a pedir-lhe autógrafos, e ninguém lhe reparava na bagagem. É Jerry Lewis que em 2003 virá a declarar que Sinatra fazia muito esse trabalho de transportar dinheiro. Um dia ainda foi detido. Levava na mala 3,5 milhões de dólares em notas de 50.

Voltando a Havana, a Mafia mandara reservar no Hotel Nacional, 37 suites. Tratava-se de um acto de vassalagem de todos os chefes mafiosos ao capo di tutti capi, Luciano: lá estavam Accardo, Anastasia, Frank Costello, Santo Traficante, Vito Genovese, Lucchese, Carlos Marcello. Também vinha um actor de 2º ordem, embora então muito popular, Bruce Cabot. 

Este encontro de mafiosos inspirará a segunda jornada da saga de O Padrinho, quando Michael Corleone vai a Havana visitar um gangster exilado, de nome Hyman Roth.


                                                                           

Foi nessa reunião de Havana de 1947 que Lucky Luciano assinou a sentença de morte do gangster cujo calibre era tal que vigarizara a própria Mafia em nada menos de que 600.000 dólares, Bugsy Siegel, pouco depois assassinado com tiros nos olhos.



Calhou que a secção de narcóticos do FBI tinha dois informadores no Hotel Nacional de Havana, um groom e um assistente de quartos. Ambos tomavam boa nota das idas e vindas deste e daquele à suite do 7º andar, que era a de Luciano. E havia fotos. E já se deixa ver que entre este e aquele que ia e vinha ao beija-mão estava o nosso artista, cara conhecida, imediatamente referenciado pelo FBI. Embora não fosse propriamente Sinatra o que mais interessava ao FBI.
Foi numa época em que no FBI havia quem não acreditasse na realidade palpável do crime organizado – ou tão bem organizado. E o primeiro a dizer que o crime organizado não existia, ou existia mas pouco organizado, é o chefe máximo do mesmo FBI, J. Edgar Hoover.
E porque dizia ele uma enormidade dessas?
Porque nem ele escapara à alçada da Mafia. Porque a Mafia o ameaçara? Sim. De quê? De morte? Não. Pior do que isso. Ameaçara revelar-lhe a homossexualidade.


Foi preciso que 58 mafiosos fossem presos em Nova York, dez anos depois, para Hoover admitir que se enganara. Quer dizer, enganar-se não se enganou ele…
Em Havana, Sinatra alinhou para todo o lado de braço dado com Lucky Luciano, no casino, nas corridas de cavalos, às refeições, nas noitadas com raparigas.

  

Sinatra era uma figura pública. A imprensa entendia que lhe ficava mal alinhar com tipos daqueles, ele, de cujas canções a juventude ficava suspensa. Era uma questão de moral para quem (segundo alguma imprensa dizia) deveria ser um agente da educação dos jovens americanos.

                                                                        

Não é preciso dizer que Frank Sinatra passou a vida a negar ter voluntariamente frequentado gangsters de alto coturno. Vem a dizer que só encontrou Luciano duas vezes durante a estadia cubana. E que só lhe dirigiu a palavra por uma questão de boa educação. Que quando apertava a mão a uma pessoa não lhe passava pela cabeça pôr-se a investigar o passado dessa pessoa.
Em 1962, em Nápoles, na casa de Lucky Luciano, a polícia encontrará uma cigarreira de ouro com as seguintes palavras gravadas: ao meu camarada Lucky, do seu amigo Frank Sinatra – pois foi, a pepineira das fotografias que se tiravam naqueles encontros de mafiosos foi por muito tempo o calcanhar de Aquiles de Sinatra.
Também anos depois, em 1978, numa audiência preliminar na comissão do Senado para o controlo do jogo ilegal, há exibição de fotos, e Sinatra aparece aos abraços e aos beijos a Carlo Gambino (patriarca da família Gambino), Paul Castellano, Jimmy Fratiano. Sinatra alega não conhecer as pessoas que aparecem nas fotos. Jimmy Fratiano, ouvido pela comissão, declara que sim senhor, conhece Frank Sinatra desde os anos 50. Sinatra recalcitra: são os encontros normais da vida artística. Não sabe nada do passado das pessoas que lhe pedem para tirar fotografias com ele.


Certo dia sai no New York Mirror uma crónica cultural em que um crítico de cinema chamado Mortimer lhe chama Frank (Lucky) Sinatra. Sinatra procurou o tal Mortimer, aplicou-lhe um murro e teve de lhe pagar 9.000 dólares de indemnização. Mais tarde, esse Mortimer morre de ataque cardíaco. Diz o actor Brad Dexter, amigo de Sinatra, que este se deslocou propositadamente ao cemitério onde fora enterrado o jornalista Mortimer para lhe urinar sobre a sepultura.
Em 63, Sinatra quis vender à Warner a quase falida empresa de produção de discos que tinha – em 61 zangara-se com a editora e resolvera fundar uma etiqueta própria. Na negociação com Jack Warner, Sinatra é muito claro. Aquele negócio não tem nada a ver com os seus amigos de Chicago: ele não quer de maneira nenhuma ter mais alguma coisa a ver com a Mafia.
Jack Warner pede-lhe para deixar de se dar com Giancana; pede-lhe para vender as partes que lhe tocam nos hoteis Cal Neva Lodge, de Nevada e no Sands de Las Vegas. Satisfeitas estas condições, a Warner comprava-lhe a falida casa de discos por 2 milhões de dólares, comprometendo-se SInatra a entrar com 500.000 dele e comprar 1/3 do capital da nova sociedade a criar, a chamar-se Warner Reprise. O milhão e meio que resta é para ele. E como contrapeso teria ainda o direito de ser considerado “assistente especial de Mr. Jack Warner”. 


Os advogados de Sinatra arranjam maneira de o cantor ficar ainda mais rico daí a cinco anos quando uma sociedade de parkings e de agências funerárias relacionada com a Mafia comprar a Warner Brothers.
Em suma, Sinatra afastava-se do grande amigo Giancana. Giancana fica para morrer. Que raio de mafioso de coração de açúcar era ele que se deixava trair por todos, os Kennedy, naquela história das campanhas eleitorais, como veremos brevemente, e agora o grande amigo que ele tanto estimava?
Nesse ano de 1963, Sam Giancana toma a decisão de que nunca quisera ouvir falar: eliminar Frank Sinatra. Sinatra até já devia estar  morto. Só não estava porque a Mafia da costa leste o impedira.  
  

Calha bem hoje, e porque também era um dos friends perigosos de Sinatra, determo-nos um bocadinho sobre esta personalidade, que acaba por ser fabulosa, de Johnny Rosseli.
      
                                                                                          

Já vimos como ele, de motorista de Al Capone, passa a delegado em Los Angeles e Hollywood do crime de Chicago, e como ele era homem para todo o serviço que fosse preciso nas amenas paragens da Califórnia. Mas o homem acaba por transcender esse papel de factotum da Mafia na indústria do cinema e aparece envolvido em negócios secretos da mais alta política. E sabe-se disso quando em Junho de 75, Rosselli é presente ao U.S.Senate Commitee para os assuntos de espionagem, presidido pelo senador Frank Church.
O comité do Senado quer ouvir as histórias maravilhosas que Rosselli tem para contar a respeito das ligações da CIA à operação Mongoose, qualquer coisa como mais um atentado contra Fidel Castro, um empreendimento conjunto entre a CIA e a Mafia.

                                                                                    

Por volta de Setembro de 1960, os directores da CIA Richard Bissell e Allen Dulles negociaram com algumas notórias figuras mafiosas, Giancana e Rosselli entre elas. Objectivo? Assassinar Castro. 

                                            
                                                 

A Rosselli são então entregues, no princípio de 61, umas pílulas envenenadas para deitar no leitinho de Fidel Castro logo pela manhã e mais 10.000 dólares. Rosselli passa as pastilhas a um tipo afro-cubano ruivo, chamado Rafael Macho Gener. Com todas as recomendações.
Mas a Rosselli e à Mafia tanto fazia que Castro fosse assassinado ou não. A ideia mestra deles era associar a Mafia ao governo americano nesse assassínio de um líder estrangeiro, e com vista, já se percebe, a aumentar à mesma Mafia a margem de manobra , de negociação e de chantagem quando fosse preciso.


A  chantagem ocorreria , provavelmente, daí a pouco tempo, quando fosse o caso de assassinar não Fidel Castro, mas o próprio presidente Kennedy. Chantageada pela Mafia, a CIA encobriria todas as acções nesse sentido.
E todos sabemos como Castro – pelo menos aparentemente, e talvez não por muito tempo – ainda está vivo, e que o presidente Kennedy já está morto.


 Portanto, se as tentativas para assassinar Castro - que foram muitas – falharam, as tentativas contra Kennedy resultaram em cheio. Mas só à terceira. 


Realmente, este rapaz Frankie Sinatra, apesar dos amigos e de tão más companhias, cantava lindamente. E é isso que fica da memória dele antes de qualquer outra coisa. De qualquer outra coisa de tipo moral. Como acontece com muitos artistas. 



        Mas descansem que esta conversa ainda não acaba aqui.





























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