O
FILHO INDESEJADO DE CHARLIE CHAPLIN
Foi no dia em que ele fazia 11 anos.
Charles Chaplin Júnior, o primeiro filho de Charlot. 28 de Junho de 1936.
Pois
no dia em que Charlie Júnior fazia 11 anos, a mãe, Lita Grey, presa de violenta
depressão nervosa, não se contém e faz-lhe uma revelação arrasadora: aquele dia
28 de Junho não era o dia do nascimento dele.
“Tenho
alguma coisa de muito importante a confiar-te, Charlie. Caso de vida ou de
morte. Tens que me ouvir.” O rapaz alarmou-se, claro. Lita Grey estaria bem
ciente de que nunca deveria ter falado ao filho naquele assunto, e naquele
momento, mas também naquele momento, carregada de barbitúricos, sentiu que não
podia calar-se por mais tempo. Onze anos de silêncio era de mais para ela.
Lita
Grey via o ex-marido, o celebérrimo Charlot, como um monstro, um monstro de
cinismo e crueldade. E foi nesses mesmos termos que naquele dia 28 de Junho de
1936 o comunicou ao filho. Filho que ao ouvi-la se sentia incapaz,
absolutamente incapaz, de identificar o pai que conhecia e adorava. Um monstro
com perigosos poderes de destruição dirigidos contra ela desde o nefasto dia em
que se tinham casado. Chaplin era rico. Chaplin era um homem influente. Chaplin
podia pagar a espiões para a seguirem por toda a parte e trabalharem para a
destruir. Era impossível lutar contra aquele homem.
“É
um aviso que te faço, Charlie. Tu usas o nome dele, coisa que ele nunca quis.”
Pois não. O nome queria o pai Chaplin guardá-lo só para ele. Não poderiam
coexistir neste mundo dois Charles Chaplin. E era também por isso que Lita Grey
avisava o filho mais velho do perigo que corria. Aquele pai não descansaria
enquanto não destruísse o próprio filho, que ele via como usurpador do seu
nome.
“Tu
não nasceste a 28 de Junho, Charlie, Ficas finalmente a saber. Tu nasceste a 5
de Maio. Foram os poderes do teu pai que conseguiram falsificar os papéis do
registo civil.”
Sim,
pois, já se vê: Charlie Júnior ficou desfeito. E não sossegou enquanto não
confiou o segredo ao irmão, Sydney, um ano mais novo. Sydney que com os seus 10
anos lhe dizia sabiamente para não se apoquentar com o que a mãe lhe dissera.
A mamã estava doente, toda a gente sabia disso. A mamã muitas vezes não sabia
bem o que dizia e inventava coisas.
Uma
revelação que ainda assim não deixaria de amargurar o rapaz por muito tempo.
Anos. Se calhar, por todo resto da vida. Era um filho indesejado, um fruto do
acaso. Os pais não se tinham divorciado nada por incompatibilidade de feitios,
conforme rezavam os papéis oficiais. Não senhor. O caso era que eles nunca
tinham planeado casar-se. Nunca tinham desejado casar. E se casaram o motivo
fora tão somente a chegada dele ao mundo, pobre Charles Chaplin Júnior. Tinha
sido ele a causa da infelicidade dos pais. Ou mais e pior ainda: a causa da
doença da mãe.
Depois
de tão intempestiva revelação das circunstâncias do nascimento dele, Charlie
Júnior, muito naturalmente, passaria a arrastar com ele uma carga demasiada de
culpas. E perguntava-se, aos 11 anos, como poderia reagir, comportar-se dali em
diante no conhecimento da tremenda verdade familiar, pensando que o pai não
gostaria dele pelo simples facto de ter nascido numa data inconveniente.
E
durante aqueles maravilhosos fins-de-semana que passa na mansão paterna de
Beverly Hills, Charlie Júnior tenta olhar para o pai com outros olhos.
Conseguiria descortinar-lhe nos gestos, nas palavras, nas expressões faciais,
algum sinal de desamor, algum indício dos reais sentimentos do pai para com ele?
Tentar
esquecer? Mas como? Charlie sentia-se radiante naqueles fins-de-semana passados
com o pai. Queria esquecer o que a mãe lhe revelara. Pois queria, mas como?
Teriam acontecido as coisas como ela lhas descrevera? Seria ele naquela casa
onde tanto gostava de estar um ser miseravelmente tolerado e mais nada?
Até
ao dia em que se enche de coragem e vai procurar uma explicação com o pai – que
também, diga-se desde já, não lhe acrescentou muito.
A
mamã tinha-lhe contado umas tantas coisas a respeito do casamento deles, e que
o desculpasse mas ele ansiava por saber a verdade da boca do querido pai.
Chaplin
mostrou surpresa. Talvez mesmo incómodo por tão inopinada questão. E começou
por dizer que sim, que se tinham passado alguns episódios tristes, oh, muito
tristes mesmo, os horrores de todo o processo judicial, por exemplo; ou os
jornalistas sempre a esgravatar as partes escabrosas da vida privada do mais
famoso e amado homem do cinema mundial. E não era culpa de ninguém. Ele era bem
mais velho do que ela e tinham temperamentos muito diferentes. Foi triste. Foi
triste para todos.
“Mas
papá, vocês foram obrigados a casar por minha causa, e a mamã diz que nasci a 5
de Maio e não a 28 de Junho.”
“Ora,
filho, são coisas que acontecem na vida. Não tínhamos previsto o teu
nascimento. Coisas da vida.”
(Escreveu
Charlie Chaplin na Autobiografia:
“Casei-me pela segunda vez durante as filmagens de A Quimera do Ouro. Como temos dois filhos crescidos de quem gosto
muito, não quero entrar em pormenores. Estivemos casados dois anos e
esforcei-me por que a nossa união resultasse bem, mas era um caso sem esperança
e terminou no meio de muita amargura.”)
Um
desastre total, esse casamento, de princípio a fim. O próprio Charlie Júnior
poderia testemunhar que não haveria no mundo dois seres tão pouco feitos um
para o outro como o pai e a mãe.
Um
casamento que por dois anos raiara a dimensão da tortura – ou talvez, segundo
Charlie Júnior, com excepção do curto período que se seguiu ao nascimento dele.
Uma tortura para a mãe e para o pai, um Charlot assoberbado pelo trabalho e
pela carreira fulgurante, e que odiava as obrigações de marido e pai, e que havia
até dito que se tivesse tido juízo nunca se teria casado. Gostava por demais da
liberdade. Viajar quando lhe desse para isso, comer à hora em que tivesse fome,
dormir quando tivesse sono, fazer em suma o que lhe apetecesse sem dar
satisfações a ninguém. Quando trabalhava esquecia-se do mundo em redor e
custava-lhe os olhos da cara pedir à mulher que se sentisse feliz quando por
largos períodos de tempo ele simplesmente se esquecia da existência dela.
Casam-se,
ela com os seus 16 aninhos e ele já durázio, com 35. E ela, que era uma pequena
muito alegre e comunicativa e que o que queria era divertir-se, não via em
Chaplin um marido, um companheiro, senão que uma personalidade célebre, adulada
por todos, que lhe infundia respeito e por vezes até um certo temor.
O
divórcio fora um dos mais turbulentos e sensacionalistas da Hollywood dos
loucos anos 20, pronunciado no dia 22 de Agosto de 1927, e saído na imprensa ao
lado da notícia da execução de Sacco e Vanzetti. A tutela das duas crianças foi
entregue à mãe, e sem que o pai tenha sequer ao de leve contestado a decisão –
Chaplin nem marcou presença no tribunal.
Uma
nota curiosa: nos anos que se seguiram ao divórcio Lita Grey entrou na senda
das depressões e o ouvir o mais irrelevante som, acorde, frase de música
clássica, e de Wagner em especial, podia provocar-lhe imediatamente uma crise
nervosa. Wagner que Chaplin idolatrava, e cuja música recordava a Lita as
noites em que o acompanhava aos concertos no famoso Hollywood Bowl.
Charlie
Júnior é baptizado catolicamente a 21 de Janeiro de 1928, cinco meses passados
sobre o divórcio. Um baptizado a que o Charlie Chaplin pai se opunha, com o
argumento (talvez válido) de que o filho escolheria livremente a religião
quando tivesse idade para isso.
E
nem se dignava visitar os dois filhos. Meses sem ver os filhos. Nem um
telefonema para saber deles. Charlie Júnior tinha o pai por teimoso à quinta
casa, e rancoroso, e a raiva contra a mãe transmitia-se aos filhos, fazia-o
mesmo esquecer durante muito tempo a existência dos filhos.
Muito
mais tarde, Lita Grey teria uma visão mais filosófica do casamento com a
celebridade Charlie Chaplin. Dizia ela que o sentido de humor vai aparecendo
nas pessoas ao correr da idade. E fora nesse correr da idade que ela realizara
a estupidez do casamento com Chaplin.
Sim,
está bem, mas, aqui para nós, onde estaria verdadeiramente o magno problema de
nascer a 5 de Maio e só ser registado como nascido a 28 de Junho?
Tinha
sido um problema, e dos grandes, para o pai Charlie Chaplin. Por ter, aos 35
anos, feito um filho a uma menina de 16 anos que representara um pequeno papel
num dos filmes dele, The Kid. Pois. E
isso a acontecer na Califórnia, onde a idade maior para uma rapariga eram os 18
anos.
Quando
Chaplin sabe da rapariga grávida dele aos 16 anos enfrenta uma escolha
dramática: ou se casa com a miúda, ou vai a tribunal e é preso sem apelo por
abuso de menor, o que lhe arruinaria a carreira talvez para sempre.
E
casa-se à pressa com ela grávida. Há quem o tenha ouvido dizer que saía mais
barato um casamento, mesmo às três pancadas, do que um processo na Justiça e a
mais que previsível pena por engravidar uma menor. Então, que se casassem. E
que registassem a criança só depois de estarem oficialmente casados. A criança
nasce a 5 de Maio, uma contrariedade. Eles casam-se logo. E esperam. E chegado
o dia 28 de Junho já Charlie Chaplin e Lita Grey podiam dar a manifesto o
nascimento de um filho.
E
se eu me pusesse agora a falar do que foram as vidas de Lita Grey e dos Chaplin
pai e filho daqui para a frente… nunca mais daqui saíamos.
Lembrei-me
disto por causa da tragédia da infeliz Valentina.
Mais um interessante relato de um facto não muito conhecido sobre uma personalidade tão marcante...Como as crianças são sempre as vítimas de todo o conflito em que são geradas.
ResponderEliminarMuito a propósito, caro Joel, num mundo em que cada vez mais crianças sofrem um destino bem cruel. Obrigada.
Já sabe como me encanta, há que anos, lê-lo. As ligações que faz do passado ainda presente. O que sabe e nos transmite. Tenho a ideia que estes movimentos, que pouco conseguem a não ser uma efémera atenção de fogo de artifício (quantas décadas de vítimas, KKK, skinheads, meetoo, black lives etc), acabam por desviar a atenção do principal. Aqui à porta. Abç
ResponderEliminarBem, era suposto este comentário ser no último post que fez, de Roman Polanski, tome-o como tal.
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