NÁUFRAGOS DO ELEVADOR
Por alturas do verão de 1907, o cavaleiro fidalgo,
visconde da Ribeira Brava convoca para sua casa outro monárquico, o conselheiro
José Alpoim, e seus amigos políticos, todos dispostos a passarem-se para o lado
republicano. Também entra na conspiração o Dr. Alberto Costa – e já vi que isto
costas era o que não faltava nesta época, e costas bem largas. Alberto Costa
era um impenitente boémio, muito conhecido em Lisboa pela alcunha de Pad’Zé.
No dia 10 de Julho, vão encontrar-se com João Chagas à
meia noite – que românticos – ao pé do coreto da Avenida, para combinarem as
coisas.
E do encontro sai um comité executivo com Afonso Costa, Alexandre
Braga, o Dr. Egas Moniz e outros de menos renome.
O tema da conspiração era obrigarem o rei D. Carlos a
abdicar no filho mas velho. Quer dizer, os dois cabecilhas desavindos com a
monarquia, Ribeira Brava e Alpoim, procuravam a colaboração dos republicanos
para um golpe que, vendo bem, não pretendia mais do que reformar a monarquia
vigente. Não parecia muito moral aos republicanos de raíz, chamemos-lhes assim,
que de facto não se mostraram encantados com a ideia.
Não, o projecto teria de levar outras voltas. E se os
senhores Ribeira Brava e Alpoim quisessem a colaboração dos republicanos o tema
revolucionário teria de ser modificado. O objectivo teria de ser uma sublevação
armada, exactamente para põr um fim à monarquia e não para lhe emprestar os
meios de mais digna sobrevivência.
A ideia declarada de José Alpoim era corrigir a monarquia. Se o caso da lista
civil não se resolvesse, se a constituição monárquica não se modificasse a
contento dele, então passar-se-ia sem mais para a república. É isto mesmo que
revela a um jornal estrangeiro. Disposto portanto, e publicamente, a negociar a
sua condição de monárquico indefectível e frequentador assíduo da família real.
Os dissidentes monárquicos, no entanto, aspiravam
largo. Uma renúncia de D. Carlos ao trono, com abdicação no filho mais velho,
dar-lhes-ia novos campos de influência, manobra e intriga junto do novo
soberano.
Mas
a realidade era uma só: a revolução que os republicanos estavam a querer puxar
para o seu ideal era financiada pelos
monárquicos dissidentes, ali representados pelo Ribeira Brava e pelo
Alpoim, já dispostos a encomendar e a pagar as espingardas. Por outro lado, a
revolução podia falhar e os republicanos não queriam ver-se sozinhos nesse
transe, e comprometidos em milho para pardais. Isso seria um berbicacho de todo
o tamanho e um atraso considerável para os verdadeiros objectivos que tinham em
mira.
Meus senhores, vamos é deitar abaixo a monarquia com o
dinheiro e as influências dos próprios monárquicos, e logo a seguir instaurar
uma república também com a colaboração dos monárquicos descontentes. Aí estava o
tema para o próximo dia 28 de Janeiro de 1908. José Alpoim até já teria o seu
tacho (a sua gamela) assegurado no novo regime: iria sem falta para o governo
provisório a sair da sarrafusca.
O
armeiro Gonçalo Heitor Ferreira, com loja de
espingardaria ali ao Rossio – que ainda existe -, é consultado no fim do ano de
1907 sobre armamento para iniciar uma revolução. Quem o consulta? Os
capitalistas, os mecenas da revolução, José Alpoim e o visconde da Ribeira
Brava.
Um lote de carabinas Winchester semi-automáticas, calibre 351, teria chegado a Lisboa
ainda em Dezembro de 1907, sendo levantadas, mais uma quantidade de pistolas Browning 7.65, por Ribeira Brava em
meados de Janeiro do ano seguinte. A polícia viria a apreender boa parte desse
arsenal guardado num armazém ali para as Portas de Santo Antão, nas imediações
do Coliseu.
D. Carlos e D. Amélia vão para Vila Viçosa nos
princípios do ano de 1908. Lisboa fervia de intrigas, de boatos. A raínha
telegrafara de Vila Viçosa ao seu primeiro ministro a indagar novas da capital
e o seu primeiro ministro respondia-lhe nestes termos. Não há nada de novo, graças a Deus. Boatos e diligências dos
republicanos para ver se fazem alguma coisa em désespoir de cause, mas temos recolhido favoráveis e
tranquilizantes resultados nas nossas investigações. Sei que V. Majestades
desejariam demorar-se por aí até ao fim do mês. Não vejo nisso inconveniente,
desde que el-rei venha sempre que seja preciso; e mesmo a permanência de
V.Majestades em Vila Viçosa até ao fim do mês serviria para mostrar que tudo
corre sem alterações nem preocupações.
A imagem. Já nestes tempos a política a usar a imagem
pública como substituto da realidade.
O poder e a profundidade de infiltração da Carbonária
na sociedade portuguesa era de espantar. Com o rei em Vila Viçosa, a telegrafar
dizendo que pensava vir a Lisboa no dia 19 desse Janeiro, a Carbonária
intercepta-lhe as comunicações. Não sei se tal foi descoberto e se o rei foi
informado, mas o certo é que adia a viagem para o dia 1 de Fevereiro.
Em face dos boatos, da tensão política que se acumula
de dia para dia, o embaixador inglês põe a hipótese de a Inglaterra
(aliás,diga-se, grande protectora da monarquia portuguesa) poder intervir. E
apesar dessa tensão, João Franco escreve ao infante D. Manuel, que estava em
Lisboa, e diz-lhe que tudo estava sossegado, nada havia a recear.
Na opinião de Rocha Martins, João Franco estaria na
mais cândida das ignorâncias quanto ao que se passava em bastidores (estaria?,
ou era só questão de imagem?) E quanto à polícia, bem, só a imprudência
gritante de um ou outro conspirador podia trazer indícios do que se passava nas
alfombras. Por exemplo, o comerciante Vítor dos Santos…
O comerciante Vítor dos Santos arregimentara para o
lado dos revoltosos um compadre seu que era polícia. E leva-o lá a casa para
exibir o seu poderio revolucionário, e o polícia, ao deparar-se com aquele
arsenal de armas e explosivos, arregala os olhos, vê a vida a andar para trás,
e adeusinho, passa muito bem, por aqui me sirvo, sai porta fora e vai chibar o
caso aos superiores. E no seguimento desta denúncia, o comerciante Vítor dos
Santos é preso, e, pior, são presos os grandes manitús republicanos, António
José de Almeida, o grande orador, o messias da república, à cabeça, mais o
chefe da carbonária, Luz de Almeida, e o fino publicista e conspirador João
Chagas.
Mas, antes disso, temos um certo médico, de nome
Gonçalves Lopes, um conspirador activíssimo, e taõ activíssimo era que guardava
em casa grandes lotes de explosivos. A chatice é que, por indiscrição de
alguém, o caso começou a ser voz pública e o médico diligenciava livrar-se de
algum daquele material. E lembrara-se de um jovem igualmente activista que
morava num quarto alugado na Rua do Carrião.
O jovem inquilino da Rua do Carrião era rapaz teso,
assomadiço, dado à aventura, mal se poderia dizer que estava ali o
ex-seminarista vindo das beiras, das bandas de Viseu. Chamava-se Aquilino
Ribeiro.
É o Sublime Grão Mestre
Carvoeiro, Luz de Almeida quem aborda o jovem Aquilino no Rossio. 9 de Novembro
de 1907. “Temos de retirar do consultório do Dr. Gonçalves
Lopes a metralha que lá tem. A polícia já veio fairar à escada. Convinha-me,
uma vez que mora para os lados de S. José… numa rua que nem ao Diabo lembra, que
a guardasse no seu quarto, por algum tempo. Pode ser, não?” “Eu moro, de facto,
na Rua do Carrião. Mas vai dar à Rua do Passadiço, agora muito frequentada da
bufaria por causa do José de Alpoim…e há outro inconveniente: a dona da casa é
uma grande bisbilhoteira.” “Não tem uma mala que se feche à chave?” Plantou-se
diante dos meus olhos o meu baú de embarcadiço […].
Dois caixotes de pólvora, pinhas de ferro, rastilho, carda miúda de sapateiro. Apareceram o
Dr. Gonçalves Lopes e o comerciante Belmonte de Lemos. Diz Aquilino que se puseram a carregar os invólucros. Ele
ficara-se a ver.
Conta Aquilino: introduziam
pelo pequeno furo que cada pinha acusava no vértice, um pedaço de rastilho. Com
a concha da mão tiravam a pólvora do cartuxo, vertiam para dentro do orifício
da base e acabavam de enchê-lo com brocha. Depois fechavam o meato da base com
uma rolha de pau e estava a granada de mão pronta a funcionar, era questão de
lhe chegar o lume.
E a certa altura, bum! O quartito alugado da Rua do
Carrião foi pelos ares.
Teriam
carregado umas dúzias de bombas, produziu-se uma terrível explosão. Fiquei com
os ouvidos atroados e só me apercebi que o Dr. Gonçalves Lopes rebolava no chão
duas vezes e Belmonte crescia de olhos desvairados para mim, não sei se a querer
dizer que lhe abrisse a porta para fugir. Deu três ou quatro passos e caíu em
cima da cama que ocupava o meio do quarto.
A polícia registava: ontem, pelas 3 da tarde, quando três indivíduos estavam preparando
explosivos com fins manifestamente criminosos, houve uma explosão, morremdo
dois e sendo outro preso. O preso foi Aquilino Ribeiro.
Aquilino é levado para a esquadra do Caminho Novo, sob
a ameaça de ir, degredado, dar com os costados em Timor. Pensa de imediato em
evadir-se. Estuda a segurança do cárcere. Chega a conclusões. Precisa de um
automóvel do lado de fora à sua espera. Quem lhe emprestará um automóvel
insuspeito numa cidade onde os automóveis ainda se contavam pelos dedos? Os
carvoeiros planeiam atacar a esquadra para o libertar pela força. O
intermediário que o visita na prisão é o Alfredo Costa - um dos próximos assassinos do rei.
Ninguém disponibilizou um automóvel. Ninguém se queria
comprometer. Também não foi preciso. Nem foi preciso o golpe de mão que os
carvoeiros preparavam e que poderia, de caminho, servir de arranque à
revolução. O jovem Aquilino Ribeiro evade-se sozinho, embora de certeza ajudado
pelos carvoeiros. Num domingo, 12 de Janeiro. De noite. Chovia água se Deus a
dava. Aquilino chega à baixa sem novidade. Está cheio de fraqueza. Entra numa
taberna ainda aberta e manda abaixo uma meia desfeita de bacalhau com meio
litro de tinto para empurrar.
O contacto, Alfredo Costa, vai buscá-lo à taberna e
leva-o para umas águas furtadas na Rua Nova do Almada que garante ser à prova de bufo. Aquilino vai pôr-se à
escrita. Um folhetim. Os Bandidos da
Serra da Gardunha. Um libelo contra João Franco, que é natural daquelas
bandas, e cujos antepassados, na história (não sei se na realidade), eram
autênticos salteadores de estrada.
A revolução do elevador da Biblioteca estaria aprazada
para 28 de Janeiro, por volta das 4 da tarde. O teatro dos acontecimentos seria
a baixa lisboeta. Seria tomada a Câmara Municipal e Afonso Costa mais o
monàrquico Ribeira Brava dariam a cara como chefes do comité de revolução.
Revolução que antes de mais visava derribar o governo ditatorial de João
Franco.
Se a 21 de Janeiro alguns dos chefes são presos, a 27
desse Janeiro a revolução está pronta a servir. O assassínio de João Franco é
decidido em casa do conhecido comerciante Sr. Grandela – um carbonário de
marca.
Os republicanos estão em pulgas. Bernardino Machado emite um comunicado
e fala na alma livre e heróica do povo
português. Ih, senhores onde tudo isso já vai…
Afonso Costa é o chefe e o máximo estratega da
revolução. Quem escolhe para seus lugares-tenente? Ora bem: dois monárquicos:
José Alpoim e o visconde da Ribeira Brava. Os três irão para o elevador da
Biblioteca e por lá aguardarão o sinal. Dado o sinal, partirão daí, por-se-ão à
frente do povo miúdo e marcharão ao assalto da Câmara Municipal. Da varanda da
Câmara Municipal proclamarão a república.
D. Carlos, felicíssimo da vida e ignorantíssimo do que
se passava na realidade, lá andava por Vila Viçosa na sua faina predilecta, em
batidas às lebres e a armar às perdizes.
Estratégia e táctica revolucionárias. Pois bem, uma
revolta do povinho ensaiada no Terreiro do Paço e na actual Praça do Município
- então chamada de Largo do Pelourinho. Um assalto em armas ao conselho de
ministros, abatendo implacavelmente a tiro os membros do governo que por lá
estivessem. Mas depois… foi com certeza ponderada a premência de tratar
primeiro do protagonista maior dos descontentamentos, João Franco. Os militares
envolvidos colocaram essa acção à cabeça.
É que se as coisas dessem para o torto e João Franco
escapasse vivo, a repressão sobre os militares seria brutal. Então, muito bem,
os carvoeiros que eliminassem João Franco antes de mais conversa. Depois
sairiam os militares dos quarteis para assaltar o que fosse preciso. E também
por uma questão de moral.
Uma questão de moral, sim. A intervenção da tropa na
revolução dar-lhe-ia outra moral, dar-lhe-ia um carácter institucional, seria
para o povo ignaro e farto de intentonas falhadas uma garantia de seriedade, de
autenticidade, de autoridade. E também desarmaria quaisquer veleidades de
reacção.
Mas na entrevista concedida a um jornalista francês,
D. Carlos tinha dito: em todos os países,
para fazer uma revolução é necessário ter-se o exército consigo. Ora o exército
português é obediente à constituição, é fiel ao seu rei. Lealmente,
conservar-se-á a meu lado. A maior parte dos oficiais são meus camaradas; servi
com eles; conhecem-me. Não tenho a menor dúvida sobre a sua dedicação.
O braço armado da república, os carvoeiros, os
carbonários, tinha por missão neutralizar as cavalarias governamentais, os
quarteis do que hoje é a Guarda Republicana, o Cabeço de Bola, o Carmo, a
cavalaria municipal, que aquartelava ali no Largo dos Lóios. Interferiam nas
comunicações, neutralizando-as, e tomavam o paço.
O elevador da Biblioteca.
Era isso mesmo, um elevador.
Que hoje não existe. Que ia da Praça do Município até lá acima, às proximidades
do que é hoje (aliás, foi) o Governo Civil e a escola de Belas Artes. E claro
que se a bernarda corresse bem não era grande a distância até à Câmara
Municipal – que era então onde ainda é hoje. Era só descerem no elevador e
estavam no largo, e facilmente irromperiam Câmara dentro até à grande varanda
onde triunfalmente anunciariam a boa nova da república. Às duas da tarde, bem
almoçado, José Alpoim e os seus dirigem-se à parte de cima do elevador.
Chegados os conjurados ao elevador, vão enfiar-se num
cubículo existente, e do qual um deles conseguira a chave. E chegam outros
camaradas, Afonso Costa, Egas Moniz, os viscondes de Pedralva e de Ameal e
outros menos famosos. Ficam à espera.
Não sei se estavam sentados ou de pé. Sei que, se estavam à espera, deveriam ter esperado sentados, porque
esperaram toda a tarde pelo sinal de avançar. Só depois de chegado esse sinal –
não sei qual – poderiam avançar à confiança direitos à Câmara.
E o sinal não há meio de chegar. Que raio de passa?
Mudança de cenário. 28 de Janeiro de 1908. 3 horas da
tarde. O grupo dos comandos carvoeiros, o chamado grupo dos 18, tem o encargo de
avançar para a Avenida e na Avenida preparar a emboscada à passagem de João
Franco, que mora na Alexandre Herculano e que regularmente faz aquele trajecto
depois do almoço até ao seu gabinete.
Não sei se por algum espírito santo de orelha
transmitido pela polícia secreta nesse dia João Franco escolheu outro itinerário e não
passou na Avenida. Quando a tarde se aproxima do fim, sabe-se que os quarteis,
alertados, entravam, de prevenção e piquete com a guarda reforçada. João Franco
estava vivíssimo da costa. A monarquia estava como se nada tivesse acontecido –
porque nada realmente aconteceu -, os
grupos revolucionários já tinham dispersado. Mas os papalvos do elevador lá
continuavam estupidamente metidos no buraco, à espera de ordens para irem
proclamar a nova ordem.
Os homens do elevador da Biblioteca eram os náufragos
daquele navio revolucionário. Começavam a desesperar. Ninguém lhes dizia nada.
E eu chamo-lhes papalvos porque, espertíssimos conspiradores de água doce, não
tinham percebido ainda que nesse dia o elevador não estava a funcionar. Caía a
noite.
Um simples polícia de giro, que tinha visto uma
quantidade de homens a entrar para o elevador que ele sabia não estar em
funcionamento, cheirou-lhe a esturro. E comunicou a ocorrência.
E aparece a ramona no alto do elevador. O pré-excelso
Dr. Egas Moniz vai a correr esconder-se numa retrete. Os outros não têm tempo.
Ribeira Brava ainda diz mais ou menos parvamente aos agentes da autoridade que
tinha vindo a Lisboa ver a bola, estava ali como um vulgar passageiro do
elevador e, que horror!, nada tinha a ver com revoluções. Passageiro de um
elevador que por todo o dia não trabalhou, amigo? É preso. Afonso Costa também
vai de saco. Egas Moniz… vamos embora para a esquadra, quero lá saber que daqui
a trinta anos você venha a ganhar o Prémio Nobel da Medicina. Vai o Pope, vai o
Cassiano Neves. Todos. Toca a andar.
Só
falta saber onde pára o Alpoim.
Noite dentro, há grupos de carvoeiros dispersos na
cidade a tentar assaltar esquadras de polícia. Por nada. Porque sim. O corpo só
lhes pedia acção. Lisboa era precorrida de lés a lés pela guarda a cavalo à
caça dos anarquistas que procuravam actuar em desespero de causa. Há um morto
lá para os lados da Politécnica.
João Franco esfrega as mãos, contente que nem um rato.
Apanhara os náufragos do elevador da Bibloteca. Tudo caça grossa. E manda a
tropa sair para a rua. E manda proceder a rusgas na cidade. E manda prender
mais gente. E manda calar a imprensa. É o estado de sítio.
Mas onde diabo se meteu o Alpoim?
Mais astuto, pelos vistos do que os outros, ou com
cumplicidades já antes aparelhadas, Alpoim descobrira uma porta lateral do
elevador, e ele, o Ameal e o Pedralva passaram-se para um prédio ao lado. Por sinal,
casa de um outro dissidente monárquico, um tipo da marinha. Depois, uma vez
desembaraçados das armas em casa do tipo da marinha, cada um deu à sola para
seu lado. O Alpoim apanhou um trem de praça e foi para casa. Em casa,
palpitando que o fossem engavetar mandou dizer ao seu amigo administrador das
Alfândegas, Teixeira de Sousa, que ia asilar para a casa dele em S. Sebastião.
Ora, não tardou mesmo nada para que a casa
do Teixeira de Sousa em S. Sebastião ficasse cercada de polícias. Cercada por
todos os lados, menos por um, o lado do jardim. E agora é o Teixeira de Sousa
que sai de casa feito doido e vai ver se encontra o Alpoim na António Augusto
de Aguiar.
E encontra mesmo. E encaminha-o para sua casa, mas
pela porta do cavalo. O Alpoim tem que se explicar: estava metido numa
estrangeirinha de uma revolução que tinha dado em prego. Teixeira de Sousa
leva-o para um quarto dos fundos onde já está outro tunante escondido, o
director do jornal O Primeiro de Janeiro.
São 10 da manhã do dia 29 de Janeiro e a polícia não
arreda pé das proximidades da casa do Teixeira de Sousa. O Teixeira de Sousa vê
o caso mal parado e sai e vai à residência do Alpoim, lá para os lados da Rua
do Passadiço, a qual também têm polícia a vigiá-la. O Teixeira de Sousa bate.
Abrem-lhe a porta. Quero falar com o Sô Zé Alpoim, ai ele não está, diz a
sopeira. Caluda, com licença. Entra e fica à conversa com a mulher do Alpoim.
Quer fazer crer aos polícias lá fora que o Alpoim afinal está em casa.
Volta a casa, a S. Sebastião, e antes de entrar fala
com o comandamte da guarda, ouça, você veja lá se me toma bem conta da casa que
eu não quero ser incomodado pelos revolucionários. O comandante da polícia
pensa, que se ele tem medo dos revolucionários é porque não tem nenhum lá em
casa. Dá resultado. A polícia retira-se de S.Sebastião e vai de escantilhão
para a Rua do Passadiço vigiar a casa do Alpoim.
Ao fim desse dia 28 de Janeiro de 1908, D. Carlos, em
Vila Viçosa, toma conhecimento do que se passou. E a 29 recebe o ministro da
Justiça que lhe apresenta um relatório e um projecto de decreto.
Factos dos
últimos dias vieram demonstrar que as tentativas e propósitos revolucionários e
criminosos, longe de afrouxarem, se têm mantido obstinadamente e agravado, a
ponto de ser urgente o afastamento dos principais dirigentes e instigadores da
pertinaz conspiração contra a paz pública e a segurança do Estado. Nesta ordem
de ideias, procuramos com o presente diploma habilitar o governo com a
faculdade de expulsar do reino ou fazer transportar para uma província
ultramarina aqueles que, uma vez reconhecidos culpados, importe à segurança do
Estado, tranquilidade pública e interesses gerais da nação afastar sem mais
delongas do meio com que se mostraram contumazmente incompatíveis.
Era um decreto que castigava severamente com degredo
os revoltosos. E que requeria a assinatura do rei.
E o rei assinará.
E houve quem dissesse que ao assinar o decreto que era
uma espécie de apoteose do regime ditatorial de João Franco, D. Carlos teria
lançado importante acha para a fogueira que o haveria de queimar na sazão
ardente de 1908.
Assim, a História comentada, enumerados e bem descritos os vários personagens, fraquezas e virtudes, seria tão mais fácil entendê-la. E por vezes rir dela. Se editar um livro...diga!
ResponderEliminarAbç