shakespeare
400 – antonin artaud
Para o homem do
teatro da crueldade, Antonin Artaud, a herança teatral renascentista era dégoutant.
Viciado em teatro, o público tomava o palco
como instância do verdadeiro. Mesmo assim, esse público podia fascinar-se com o
verdadeiro mesmo verdadeiro quando esse verdadeiro lhe era apresentado sobre as
tábuas de um palco. Muito bem, mas não era sobre o palco que naqueles dias
(anos 30) o público devia procurar o verdadeiro, ou melhor, a verdade. Era
onde, então? Era na rua.
Diz ele que o
teatro passara a ser tido como arte inferior, mero divertimento popular, escape
para os mais baixos instintos da multidão. E porquê? Por nos termos habituado
desde há 400 anos, com os renascentistas, que o teatro só podia ser ilusão e falsidade.
O teatro da
Renascença não passava de ser um teatro descritivo, puramente descritivo e
puramente narrativo.
Psicologia de
contar histórias (sic). Um palco atravancado de seres plausíveis, e todavia
alheios, espectáculo de um lado, público do outro.
Qual o maior
responsável por esta desgraçada situação, segundo Antonin Artaud? Shakespeare.
Nem menos.
Shakespeare era o
culpado da aberração. Shakespeare era o fundador da decadência da ideia de
teatro. Shakespeare era a noção mais gratuita de teatro que se pudesse
conceber.
Shakespeare criara
um teatro que deixava o público intacto, sem
pôr em acção uma imagem que abale o organismo até às suas profundidades e que
deixe uma cicatriz inabalável.
Pode ser que em Shakespeare, uma vez por
outra, o homem se incomode com alguma coisa que o transcende, mas isso é para
determinar as consequências extremas do seu incómodo, da sua preocupação –
esta, devo admitir, não percebi…
E a psicologia.
Psicologia que pretende reduzir o desconhecido ao conhecido, ao quotidiano, ao
usual. E estaria aí a causa da degradação do teatro, segundo Artaud, da perda
de energia do espectáculo teatral.
E creio que tanto o teatro como nós próprios
já estamos fartos de psicologia.
Shakespeare e os imitadores que lhe vieram
na esteira insinuaram a ideia de uma arte pela arte. Ou seja, arte de um lado,
vida do outro.
O pior é que tudo o
que era costume manter em nós a vitalidade já não o faz, acabou, deixou de o
fazer, e por isso… estamos todos loucos,
desesperados e enfermos…