sábado, 27 de agosto de 2016


shakespeare 400 – antonin artaud

 
        Para o homem do teatro da crueldade, Antonin Artaud, a herança teatral renascentista era dégoutant.
 
 

        Viciado em teatro, o público tomava o palco como instância do verdadeiro. Mesmo assim, esse público podia fascinar-se com o verdadeiro mesmo verdadeiro quando esse verdadeiro lhe era apresentado sobre as tábuas de um palco. Muito bem, mas não era sobre o palco que naqueles dias (anos 30) o público devia procurar o verdadeiro, ou melhor, a verdade. Era onde, então? Era na rua.
 
                                 

        Diz ele que o teatro passara a ser tido como arte inferior, mero divertimento popular, escape para os mais baixos instintos da multidão. E porquê? Por nos termos habituado desde há 400 anos, com os renascentistas, que o teatro só podia ser ilusão e falsidade.
        O teatro da Renascença não passava de ser um teatro descritivo, puramente descritivo e puramente narrativo.
 
                                                                          
 
        Psicologia de contar histórias (sic). Um palco atravancado de seres plausíveis, e todavia alheios, espectáculo de um lado, público do outro.
        Qual o maior responsável por esta desgraçada situação, segundo Antonin Artaud? Shakespeare. Nem menos.
        Shakespeare era o culpado da aberração. Shakespeare era o fundador da decadência da ideia de teatro. Shakespeare era a noção mais gratuita de teatro que se pudesse conceber.
 
                                                                  
 
        Shakespeare criara um teatro que deixava o público intacto, sem pôr em acção uma imagem que abale o organismo até às suas profundidades e que deixe uma cicatriz inabalável.
 
                                                 
 
        Pode ser que em Shakespeare, uma vez por outra, o homem se incomode com alguma coisa que o transcende, mas isso é para determinar as consequências extremas do seu incómodo, da sua preocupação – esta, devo admitir, não percebi…
        E a psicologia. Psicologia que pretende reduzir o desconhecido ao conhecido, ao quotidiano, ao usual. E estaria aí a causa da degradação do teatro, segundo Artaud, da perda de energia do espectáculo teatral.
 
                                                                
 
        E creio que tanto o teatro como nós próprios já estamos fartos de psicologia.
        Shakespeare e os imitadores que lhe vieram na esteira insinuaram a ideia de uma arte pela arte. Ou seja, arte de um lado, vida do outro.
        O pior é que tudo o que era costume manter em nós a vitalidade já não o faz, acabou, deixou de o fazer, e por isso… estamos todos loucos, desesperados e enfermos…