quinta-feira, 28 de agosto de 2014

            MY KIND OF TOWN, CHICAGO IS

                                                  





Harry Cohn, o já aqui citado homem forte da Columbia Pictures, deixara escapar Marilyn Monroe entre os dedos e viria pouco tempo depois a torcer a orelha sem deitar sangue. Porque estava a começar o tempo em que as loiras platinadas e peitudas faziam entrar dinheiro no box-office, Jayne Mainsfield, Mammie Van Doren, Diana Dors. Harry Cohn teria de inventar uma loira para fazer face à concorrência.


E inventou. Chamou-lhe Kim Novak. Kim Novak que por acaso também serviu para substituir uma Rita Hayworth a entrar na decadência.
 

Kim Novak estava a concorrer pela Columbia de Harry Cohn com as tais platinadas de outros estúdios, Jayne Mainsfield, Diana Dors, Mammie van Doren, a própria Marilyn. Concorria, digamos, mas só pelo cabelo, porque pelo peito não era concorrência de maior para as outras. Era bonita rapariga, lembro-me bem, mas também não se poderia dizer dela que fosse actriz de mão cheia. Não era grande actriz, está bem, mas conseguiu certa performance de um género sempre muito apreciado pelos mandões dos estúdios: 3.500 cartas de fans por semana. Não era grande actriz, está bem, mas Hitchcock fez dela alguém em Vertigo, não esquecer.


Porque se dizia que Kim Novak era como um vazio no écran, os espectadores podiam projectar nela as emoções que lhes apetecesse.

                                                                                            

E Kim Novak, farta até aos cabelos de Harry Cohn, começa a deitar os mirones para possíveis outros (e melhores) contratos. Harry Cohn está atento. Não gosta muito dela mas não a quer perder nem por nada.
Quando Kim Novak entra no filme O Homem do Braço de Oiro, por sinal com Sinatra, cobra 100.000 dólares a Cohn e Cohn fica rôxo de raiva quando essa soma aparece escarrapachada num número da revista Time de 1957.


É nessa época, 57, que a Novak conhece o cantor e dançarino negro feio como um corno que trabalhava em night clubs e dava pelo nome de Sammy Davis. Foram Tony Curtis e a sua mulher dessa época, Janet Leigh, quem os apresentou:
– Tenho imenso prazer em conhecê-lo… adoro tudo o que você faz - terá dito Kim Novak a Sammy Davis no momento das apresentações.


Sammy Davis… Sammy Davis…

                                                                     

No pós-guerra, Sammy apresentara-se em tournée pela América em números de cabaret com o pai e com o tio. Em 51 o trio desfez-se. O público pagava sobretudo para ver o puto Sammy sapatear e não ligava meia aos outros dois. Sammy, a solo, tem sorte no Ciro’s, de Los Angeles. É visto por gente grada do espectáculo e por alguns artistas conhecidos que o apreciam. Bogart, Bacall, Gable, por exemplo, faziam questão de o aplaudir como se ele fosse um branco. E a carreira dele arranca.
Tanto Novak como Sammy tinham muitas queixas do mundo artístico. E passaram a noite mesma em que foram apresentados a trocar lamentações. Sammy chorava-se pela carreira, que não atava nem desatava só pelo facto de ele ser negro; Kim Novak queixava-se do patrão, Harry Cohn, um brutamontes que parecia querer estrangular-lhe a carreira. Sammy Davis tinha umas poucas de coisas na vida contra ele na América democrática, racista e puritana dos anos 50. Era negro. Era ainda meio judeu. E para ajudar ainda era bissexual – fora violado e humilhado repetidas vezes pelos soldados seus camaradas durante a II Guerra, que lhe batiam, que lhe partiram o nariz, que o obrigavam a beber cerveja misturada com urina; soldados brancos, está bem de ver. Ele não tinha desgostado, alargara as suas sensações, e tornara-se bissexual. E para cúmulo dos cúmulos Sammy Davis era zarolho – num desastre de automóvel, um dos seus olhos ficara espetado no espigão do emblema da Cadillac que havia no volante… brrr!


Depois do desastre em que perde o olho Sammy recupera, continua a ter êxito no Ciro’s, apesar de se deixar magoar muito quando ouve insultos do público a chamar-lhe negro sujo. Quanto mais fortes eram os aplausos mais sonoros eram os insultos – desde a história de O Padrinho tenho estado a falar da democracia americana, não sei se repararam...
Mas estava escrito. Davis deve uns dinheiros à Mafia através do que pedia emprestado aos donos das boites onde trabalhava, todos eles mafiosos em maior ou menor grau. E trabalhava muito para ir pagando as dívidas. E contraía novas dívidas para pagar as primeiras, prática clássica que bem conhecemos do que se tem passado no formidável boom económico português…
- Podes andar com mafiosos e podes mesmo fazer-te amigo deles, como também podes distanciar-te respeitosamente deles. O que não podes é dever-lhes dinheiroconselho dado por um agente artístico a Sammy Davis.
Bem, mas tudo isto para dizer que a Kim Novak e o Sammy Davis enrolaram-se e começaram a sair juntos.

                                                                        

Davis interessava-se mesmo, sentimentalmente, sexualmente, pela Novak? Ou saía com ela por cálculo, para aparecer nas revistas e aproveitar-se da popularidade dela, que era uma estrela ascendente, loura, branca, bonita, e lhe poderia ser útil à carreira como publicidade. Sei lá eu…
Mas quem não sabe fica a saber: no mundo artístico, tudo, a certa altura, começa a ser feito ou não feito e dito ou não dito em função da carreira.


Está bem. E a Novak, estaria interessada mesmo amorosamente no negro zarolho e feio como uma noite de trovões? Ou servia-se dele para evidenciar a sua independência face ao patrão da Columbia, Harry Cohn?

                                                                                          

Sammy Davis virá um dia a dizer que o que sustentava a relação deles era o desafio.
Grande admirador de Mussolini, Harry Cohn, patrão da Columbia, era ávido, caprichoso e sem escrúpulos – segundo cronistas da época e do lugar, era ele o homem com mais condições pessoais para ser produtor de cinema. E comparando Harry Cohn com Al Capone, um jornalista da Associated Press considerava Capone uma excelente pessoa.
A Columbia parecia ir com os negócios de vento em pôpa. Parecia. Em 57 produzira 47 filmes e encaixara 10 milhões. Mas a realidade das contas não sorria aos administradores tão luminosa. A contabilidade prenunciava riscos terríveis para o ano seguinte. Uma das maiores fontes de lucro para a Columbia em 57 fora A Ponte do Rio Kwai, filme que Harry Cohn nunca quisera fazer.


E num certo jantar, alguém se chega a Harry Cohn e lhe bichana qualquer coisa ao ouvido. Cohn levanta-se, alterado sai da sala e sofre uma crise cardíaca.
Que terá acontecido de tão grave para o homem ter um ataque cardíaco?
Essa primeira crise cardíaca de Cohn também não durou muito. Duas ou três horas depois já ele estava fino, ao telefone, a comunicar ao seu assistente o que acabara de lhe chegar aos ouvidos, que Kim Novak ia para a cama com esse ciclope negro chamado Sammy Davis. E no dia seguinte nova crise cardíaca acometia Harry Cohn.
Em Janeiro de 58, o conselho de administração da Columbia encosta à parede o restabelecido Harry Cohn e intima-o a pôr fim à relação entre a loiríssima Kim Novak e o negríssimo Sammy Davis. Pôr fim à relação, sim, seja por que meios for. E antes que esse affaire caia no domínio público.


O que Cohn pensou, e disse, foi que a Mafia se encarregaria de arrancar a Sammy Davis o olho que lhe restava. O conhecido mafioso Frank Costello telefona a outro conhecido mafioso, Mickey Cohen. O patrão da Columbia tinha prestado alguns serviços à organização e agora pedia uma contrapartida. E a contrapartida seria assassinar essa imundície negra (as palavras são deles) chamada Sammy Davis – serviço contra serviço, troca de favores, tráfico de influências coisa de tipo maçónico, não sei se me faço entender...
Mas afinal o que é que tinha de mais Kim Novak ser amante de Sammy Davis – para além do picante de ser um negro com uma platinada? Tinha. Tinha porque estávamos na América de 1958 – que não era exactamente a mesma América dos nossos dias, que até já consegue eleger um presidente negro. Tinha, pois tinha...

                                                                            

A relação Kim Novak/Sammy Davis era um enlace escandaloso  para os critérios morais e raciais do público americano de então, sim, isso de se vir a saber que uma puríssima loira que era figura pública, loiríssima deusa eleita pela tribu do cinema, se deitava com um negro, ainda que fosse ele também estelar figura pública. Era mau para a popularidade da estrela loira, e era por consequência, e acima de tudo, mau para os negócios cinematográficos da Columbia, cujas finanças já não eram saudáveis.
Por outro lado, os mafiosos desconfiaram que independentemente das razões comerciais alegadas por Harry Cohn, também haveria ali ciúmes em jogo, e que Harry Cohn poderia estar apaixonado pela sua estrela.


E como Sammy Davis fazia parte do círculo maçónico chegado dos amigos de Frank Sinatra, é a ele, Sinatra, que a Mafia recorre numa primeira fase. Ele que convencesse Sammy a largar a loiraça.

                                                                  

Um dia Harry Cohn está nas corridas de cavalos de Hollywood Park e também lá está um senhor negro chamado Sammy Davis… Senior. Pai do outro, já se percebeu. E Cohn faz o sacrifício de ir ter com ele para lhe dizer claramente que tem ordens para mandar limpar o sebo ao filho. O velho fica apavorado, como seria de esperar, e corre à procura de um telefone.


Mas havia uma escapatória. E essa escapatória seria o filho casar com uma mulher negra. Eram magnânimos, eles, e davam-lhe 24 horas para o fazer.
Nesse entretanto, num dos intervalos de um show em Las Vegas em que participava com os amigos, Dean Martin e Frankie (the Rat Pack), Sammy Davis andava por ali, pelos corredores dos camarins, a fumar um cigarro, quando dois fulanos anónimos e sorridentes, malta porreira, se chegam a ele, lhe pedem lume e lhe dizem:
- Tu és zarolho, és judeu, és preto… não tens ponta por onde se te pegue… e se voltas a encontrar-te com essa loira vais continuar a ser judeu e preto, mas vais ficar zarolho total, dos dois olhos… - estavam a ir-se embora mas voltaram atrás, a rir. – Ah, é verdade não sei se sabes, mas tu vais-te casar com uma mulher negra este fim de semana… tens que te despachar e tratar de arranjar a tua futura mulher… já não faltam muitos dias para o fim de semana…


Depois desta cena há quem jure ter ouvido gritarias vindas do camarim de Sinatra e de ter ouvido Sinatra ao telefone a pedir que lhe ligassem a Fischetti, o contacto directo dele com a Mafia, o rapaz que lhe tomara conta da carreira e que o levara a Havana ao beija-mão do padrinho Lucky Luciano.
Sammy Davis estava desfeito, fora de si, sem saber o que fazer.
                                                                                      
                      

Sinatra fala a Sam Giancana. Mete uma cunha.
- Quem, esse sonso desse preto? – pergunta o capo mafia –, interessas-te por ele?
Davis também quer falar ao “doutor” – Sam Giancana fazia-se chamar de Dr. Goldberg em Las Vegas. Giancana diz a Sammy Davies que talvez o pudesse proteger em Las Vegas e em Chicago, mas que não o podia fazer em Hollywood.  

                                                                                    

- E olha, rapaz, ouve o que eu te digo, o melhor é não voltares a Los Angeles antes de fazeres as pazes com o Harry Cohn.
No camarim, Sammy dá´voltas e mais voltas à cachimónia à procura de uma saída. Passa em revista o seu carnet de contactos em busca de uma rapariga negra que não se importe de casar com ele de hoje para amanhá.
E encontra. Uma corista chamada Loray White.
Casam a 10 de Janeiro desse ano de 1958. Vem na imprensa o casamento da vedeta negra. Estava salva a pátria.


A noite de núpcias é passada no Hotel Sands de Las Vegas, suite presidencial. Noite de núpcias só porque era de noite, posto que núpcias não as houve, o casamento nunca foi consumado, foi só no papel e para consumo dos media.


Giancana telefona no outro dia:
- Pronto, rapaz, já fui informado de que o assunto se regularizou. Podes andar descansado.
O divórcio foi dois meses depois. A esposa negra recebeu 25.000 dele em cash e mais 10.000 em vestidos e sapatos.
Mais tarde, especialistas no assunto, afiançaram que a vida de Sammy Davis nunca estivera propriamente em risco. Com todos os handicaps físicos e rácicos que tivesse, a Mafia não o desprezava tanto quanto desprezava o patrão da Columbia, Harry Cohn. E não tanto pelo lindo olho de Sammy Davis. Quando mais não fosse porque a Mafia era proprietária dos night clubs  e casinos onde Sammy actuava, e dava lucro, e por isso a vida dele era mais valiosa do que a do homem da Columbia.


Kim Novak chegara a ser chamada ao gabinete de Harry Cohn. Provavelmente ameaçada. Notara que ele estava acompanhado por elementos da Mafia. Mas não me perguntem mais nada sobre a disposição da estrela quanto ao desenlace do caso porque eu não estive lá. Além do mais, Kim Novak nem fazia parte da maçonaria de Sinatra.
Sei é que Harry Cohn, tal como vinha a prometer, morre de ataque cardíaco a 27 desse mês de Janeiro de 1958, dois meses depois de ter sido informado do romance da sua estrela com um negro. E a mulher dele passará o resto da vida a acusar Kim Novak de ter sido a causadora da morte do marido.  
Na ficha de polícia, Sam Giancana passava por psicopata, mal educado, sarcástico, desequilibrado e sádico. (Porra, não lhe faltava nada!) Enquanto nos comités de avaliação do exército, na ficha dele, lá vinha o psicopata à cabeça. Mas Giancana dizia a isso que tinha feito uma fita desgraçada para se livrar da tropa.
O filho do actor Yul Brynner também botou opinião sobre Sam Giancana. Que era de tal maneira feio que dava medo olhar para ele, e que tanta feiura seria o reflexo perfeito da alma dele.
Nariz de fuínha, cabeça de gárgula, medonho: opinião de Peter Lawford acerca de Giancana. E diz mais:
- Eu não o suportava, mas Frankie idolatrava-o. Era o mais eficaz assassino da Mafia e Frank gostava de conversas sobre crimes de morte e sobre os tipos que tinham sido eliminados e como o tinham sido.


Sim, Sinatra considerava Sam Giancana como o seu mentor. Principalmente no capítulo dos negócios. Giancana não se cansava de dar conselhos a Sinatra.
O mafioso judeu Meyer Lansky é que dizia de Giancana que era o único italiano que fazia nascer dinheiro como um judeu.


E lembrem-se da conhecida canção de Sinatra My Kind of Town Chicago is. Quando a cantava, e se Giancana estava na assistência, fazia sempre um pequeno sinal cabalístico convencionado entre ambos e que significava gratidão.


A  reunião em Las Vegas de Sinatra, Dean Martin, Sammy Davis, e também Peter Lawford, o clã de Sinatra, que passou à história do showbizz  como Rat Pack, foi em 1960. 
                                                     

Subiam ao palco depois do blackjack, cantavam, dançavam,  diziam piadas, faziam habilidades. Para muitos, estes espectáculos eram hinos ao álcool e boa publicidade aos bares e boites controlados pela Mafia. 


Entre starlettes, estrelas de cinema, artistas, políticos e mafiosos havia de tudo na assistência.


Peter Lawford e Pat Kennedy, sua mulher, compraram os direitos de um romance cujo tema era a vida dos casinos. E decidiram fazer dele um filme - em português Os 11 do Oceano, produzido pela Warner. George Raft também estava presente e a ideia era esvaziar os cofres de quatro ou cinco casinos de Las Vegas – isto no filme, claro. Eles faziam o show e não se deitavam para aproveitarem o tempo e começarem a filmar ao nascer do dia.

                                                                      

Angie Dickinson, a actriz, que também participava, viria a dizer que o filme pretendia transmitir a onda de optimismo que varria a América, e respectiva democracia exemplar, sob a perspectiva de um novo presidente jovem e dinâmico.



Johnny Formosa, um dos consiglieri de Giancana, tempos depois - no ponto mais alto da perseguição do procurador geral Robert Kennedy ao crime organizado – desconfia muito de Sinatra e é de parecer que o passo seguinte seja eliminar o cantor. Giancana afasta a ideia.
- Seja como for, temos que mostrar a esses idiotas de Hollywood que eles não podem andar por aí a exibir-se como se não nos conhecessem, como se nada se tivesse passado entre nós.
Dean Martin e Peter Lawford também se habilitavam a apanhar pela medida grande. E também ninguém na Mafia, tempos depois da reunião do Rat Pack, daria nada pelo outro olho de Sammy Davis.

                                                           

- Não Johnny, não concordo. Frankie não. Frankie é diferente deles todos, dos outros parasitas de Hollywood. Frankie é um tipo fixe, às direitas – replicava Giancana.
Giancana chega a dizer a alguém, um dia, que se não fosse a afeição que tinha por Sinatra há muito que o cantor estava morto.


Mas é Bobby Kennedy, que já havia jurado pela pele à Mafia, quem vai para cima de Sinatra quando ordena uma investigação rigorosa às ligações dele com o crime organizado. A investigação produz um relatório de 19 páginas.
Mr. Sinatra frequentou gangsters e vigaristas durante muito tempo. A natureza do seu trabalho é propícia a pô-lo em contacto com personalidades suspeitas. Mas por aí pouco se pode apurar de  concreto, tirando os possíveis laços de amizade ou relações de tipo financeiro como os que têm figurado nas listas do Departamento de Justiça. Fontes dignas de crédito indicam que não apenas Sinatra terá relações de negócios com os suspeitos, donde será possível concluír pela existência de uma comunidade de interesses a ligar Sinatra aos gangs de Los Angeles, do Illinois, de Indiana, de New Jersey, da F lorida e do Nevada.
E ficamos assim, por agora, quanto a Sinatra e respectivos amigos. Mas não sei se um destes dias não diga alguma coisa a respeito de uma família não menos mafiosa do que estas que por aqui tenho feito desfilar. Mafiosa família, não italiana, irlandesa, e muito respeitada – os Kennedy, é evidente, a família real americana. Andava tudo ligado. 




sábado, 23 de agosto de 2014


                              SINATRA & FRIENDS



Escrevi aqui há dias da história da cabeça do cavalo, mas não contei tudo a respeito das ligações de Frank Sinatra aos amigalhaços da Mafia.
Vem ao caso, claro que vem, a Mafia e os mafiosos-modelo que inspiraram tantos neste nosso soalheiro Portugal…
              
                                                                           

E então, digamos que a primeira decisão do produtor da Paramount Robert Evans e do seu jovem realizador europeu pouco menos que desconhecido chamado Roman Polanksy para o projecto de filme Rosemary’s Baby – em português A Semente do Diabo – foi contratarem para o primeiro papel feminino uma rapariga decerto inexperiente como actriz, mas acabadinha de casar com Frank Sinatra, chamada Mia Farrow.


Para conseguir de Mia Farrow a expressão que queria, Polansky chegava a fazê-la repetir um plano 30 ou mais vezes, o que deixava a moça estafada.


Um dia, terminada a sessão, um representante do marido de Mia Farrow apresenta-se a um dos chefes de produção da Paramount e recomenda-lhe que ordene a Polansky que se contente com dois ou três takes de cada plano, em lugar da brutalidade dos 30. Era bom que as coisas se passassem como queria o marido de Miss Farrow. E se tal não acontecesse esse chefe de produção da Paramount arriscar-se-ia a passar uns tempos num hospital com as pernas partidas.

                                                                            

Por sinal, nos anos 70, com relações de proximidade à entourage do presidente Nixon, diz-se que Frank Sinatra influenciou o Departamento de Justiça no sentido de deixar de utilizar oficialmente os termos “Mafia” ou “Cosa Nostra”, é é então que começa a organizar grandes festas de caridade a favor dos mafiosos presos.


Havia de certo modo um lado moral nas ligações de Sinatra aos gangsters, porque os via revestidos de alguma legitimidade. Era amigo tanto de poderosos e notáveis deste mundo quanto de assassinos e vigaristas. Entendia que a Mafia não era a peste que diziam ser e caucionava-a por intermédio da sua celebridade artística.


Claro que, à semelhança de George Raft, Sinatra gostaria de ter sido chefe mafioso. O colega Bing Crosby assim pensava. E não pensava mal. O próprio Sinatra teria confirmado a outro colega, Eddie Fisher, que teria preferido ser um padrinho da Mafia a presidente dos EUA. Mary Sinatra, a mãe, já tivera ligações mafiosas, sim. Mas um dia fora espancada à matraca. Não me perguntem porquê. Só sei que foi durante uma operação de desembarque de álcool de contrabando.
Como Sinatra prezava os fracos e oprimidos, eis por que muda um dia de ideologia política - chamemos-lhe assim –, deixa o pessoal de Nixon e volta-se para o Partido Democrático. (Aliás, por onde já andara, tanto quanto me lembro nos tempos de Kennedy.) Para Sinatra, a Mafia tomava o partido dos humildes, dos que mal tinham direito à justiça oficial - justiça oficial que, de resto, Sinatra detestava. E também apreciava muito a particularidade de a Mafia desprezar as convenções sociais.

                                                                                       

Indo aos princípios, diga-se que para finais dos anos 40, Lucky Luciano destacou um dos seus homens mais novos, chamado Fischetti, para se ocupar da carreira de Sinatra. No entanto, e a dar-se o caso de o desenvolvimento da carreira de Sinatra precisar de um empurrão mais para o duro, havia de reserva Sam Giancana, padrinho de Chicago, antigo soldado de Capone, provavelmente um dos falsos polícias que naquele dia 14 de fevereiro de 1929, de S. Valentino, entrou a matar na garagem que era o cóio habitual do gang de Moran, rival de Capone.


Havia até de parte, nos cofres mafiosos, um fundo de 60.000 dólares, reunido através de quotizações, para ajudar a carreira de Sinatra - isto dito pelo próprio Lucky Luciano pouco antes de entregar a alma ao Criador. E como curiosidade, seja também dito que o avô de Frank Sinatra habitara a mesma aldeia onde nascera Lucky Luciano.

                                                                                

A divida de Sinatra ao gangsterismo era impagável – tanto a material como a moral, evidentemente. Mas engane-se quem pense que foi Sinatra o único a ver a sua carreira avançar graças à Mafia. Que dizer dos Irmãos Marx? Que dizer de Cary Grant, de Clark Gable, de Gary Cooper? E de Ronald Reagan e de Ed Sullivan. E de um certo Dino Crocetti, do Ohio, mais conhecido por Dean Martin…


E sabe-se lá de quem mais. As actrizes, por sinal, em termos de ajuda à carreira, não eram muito do agrado dos homens da Mafia. Engraçado. E significativo. Consideravam-nas de uma maneira geral esplêndidas idiotas…
Era o famoso Johnny Rosselli que em Hollywood fazia de talent scout, marcando aqueles que no show business revelavam um talento fora de série. Rosselli assinalava esse talento, comunicava-o ao boss Giancana. Este, se dava o agrément, encarregava o mesmo Rosselli de propor o nome do artista a um dos estúdios, sugerindo um contrato.

                                                          

        Sim, senhoras e senhores, à Mafia devem-se prestimosos serviços à arte dramática e musical. A Mafia também foi agência artística, também por lá havia gente com sensibilidade e gosto. Mas com certeza que havia um  preço a pagar.
A gente ajuda-os um pouco na carreira, e pronto, eles pertencem-nos - chegou a dizer o mafioso-mor dessa época, Sam Giancana.
A Mafia interessava-se por um artista, abria-lhe as portas, mas fazia-lhe muito seriamente ver que se um dia a organização precisasse de um serviço dele, ele nem podia pestanejar. E quanto mais o artista se celebrizava mais o débito dele crescia nos livros da Mafia.
“Director de programas de divertimento”: fórmula usada para designar aqueles que no mundo do espectáculo trabalhavam para a Mafia.
Um dia, o tal jovem mafioso Fischetti que tratava da carreira de Frankie telefona-lhe e diz:
- Sabes, agora estou à testa do night club do Fontainebleau Hotel, de Miami, e um dia destes vou até Cuba, queres vir daí comigo?


Estava-se em 1947. E Fischetti tinha-se esquecido de comunicar a Frankie que nessa mesma data, em Havana, iria realizar-se um encontro do mais alto nível de mafiosos, e que esse encontro seria também ocasião para uma homenagem a Lucky Luciano que por lá andava de férias – ou, dito de outra maneira, que para lá estava exilado.
No processo de 1981 sobre as actividades mafiosas, a correr por iniciativa do Gaming Control Board, de Nevada, Sinatra presta declarações: a sua ida a Havana em 1947 não se destinara a nada mais do que a apanhar um bocado de sol.
É que, pouco antes de apanhar o avião para Havana em Fevereiro de 1947, Sinatra fora cantar a um casino da Florida, propriedade do mafioso judeu Meyer Lansky, e pernoitara na mansão de Lucky Luciano em Allison Island, junto a Miami Beach. O que ele não sabia era que andava a ser espiado por agentes do FBI.


Sinatra era um dos que levava uma mala de grande porte. Segundo os bófias, cada uma dessas malas conteria à volta de 6 milhões de dólares em notas. Interrogado a respeito da mala, Sinatra diz que era a sua mala das tintas e dos pincéis, dado que tinha como hobby a pintura a óleo. Aldrabice. Nancy, uma das mulheres dele, viria a declarar que ele só se começara a interessar pela pintura lá muito para o fim desse ano de 1947.
                                                                   
                                                                                                    

Apesar de as proteger, Sam Giancana, o grande patrão de Chicago, era de opinião que as estrelas de cinema só serviam para uma coisa de realmente útil à sociedade: transportar malas de dinheiro de um lado para o outro, e porque toda a gente ficava especada a olhar para a estrela, ali, em carne e osso, e a pedir-lhe autógrafos, e ninguém lhe reparava na bagagem. É Jerry Lewis que em 2003 virá a declarar que Sinatra fazia muito esse trabalho de transportar dinheiro. Um dia ainda foi detido. Levava na mala 3,5 milhões de dólares em notas de 50.

Voltando a Havana, a Mafia mandara reservar no Hotel Nacional, 37 suites. Tratava-se de um acto de vassalagem de todos os chefes mafiosos ao capo di tutti capi, Luciano: lá estavam Accardo, Anastasia, Frank Costello, Santo Traficante, Vito Genovese, Lucchese, Carlos Marcello. Também vinha um actor de 2º ordem, embora então muito popular, Bruce Cabot. 

Este encontro de mafiosos inspirará a segunda jornada da saga de O Padrinho, quando Michael Corleone vai a Havana visitar um gangster exilado, de nome Hyman Roth.


                                                                           

Foi nessa reunião de Havana de 1947 que Lucky Luciano assinou a sentença de morte do gangster cujo calibre era tal que vigarizara a própria Mafia em nada menos de que 600.000 dólares, Bugsy Siegel, pouco depois assassinado com tiros nos olhos.



Calhou que a secção de narcóticos do FBI tinha dois informadores no Hotel Nacional de Havana, um groom e um assistente de quartos. Ambos tomavam boa nota das idas e vindas deste e daquele à suite do 7º andar, que era a de Luciano. E havia fotos. E já se deixa ver que entre este e aquele que ia e vinha ao beija-mão estava o nosso artista, cara conhecida, imediatamente referenciado pelo FBI. Embora não fosse propriamente Sinatra o que mais interessava ao FBI.
Foi numa época em que no FBI havia quem não acreditasse na realidade palpável do crime organizado – ou tão bem organizado. E o primeiro a dizer que o crime organizado não existia, ou existia mas pouco organizado, é o chefe máximo do mesmo FBI, J. Edgar Hoover.
E porque dizia ele uma enormidade dessas?
Porque nem ele escapara à alçada da Mafia. Porque a Mafia o ameaçara? Sim. De quê? De morte? Não. Pior do que isso. Ameaçara revelar-lhe a homossexualidade.


Foi preciso que 58 mafiosos fossem presos em Nova York, dez anos depois, para Hoover admitir que se enganara. Quer dizer, enganar-se não se enganou ele…
Em Havana, Sinatra alinhou para todo o lado de braço dado com Lucky Luciano, no casino, nas corridas de cavalos, às refeições, nas noitadas com raparigas.

  

Sinatra era uma figura pública. A imprensa entendia que lhe ficava mal alinhar com tipos daqueles, ele, de cujas canções a juventude ficava suspensa. Era uma questão de moral para quem (segundo alguma imprensa dizia) deveria ser um agente da educação dos jovens americanos.

                                                                        

Não é preciso dizer que Frank Sinatra passou a vida a negar ter voluntariamente frequentado gangsters de alto coturno. Vem a dizer que só encontrou Luciano duas vezes durante a estadia cubana. E que só lhe dirigiu a palavra por uma questão de boa educação. Que quando apertava a mão a uma pessoa não lhe passava pela cabeça pôr-se a investigar o passado dessa pessoa.
Em 1962, em Nápoles, na casa de Lucky Luciano, a polícia encontrará uma cigarreira de ouro com as seguintes palavras gravadas: ao meu camarada Lucky, do seu amigo Frank Sinatra – pois foi, a pepineira das fotografias que se tiravam naqueles encontros de mafiosos foi por muito tempo o calcanhar de Aquiles de Sinatra.
Também anos depois, em 1978, numa audiência preliminar na comissão do Senado para o controlo do jogo ilegal, há exibição de fotos, e Sinatra aparece aos abraços e aos beijos a Carlo Gambino (patriarca da família Gambino), Paul Castellano, Jimmy Fratiano. Sinatra alega não conhecer as pessoas que aparecem nas fotos. Jimmy Fratiano, ouvido pela comissão, declara que sim senhor, conhece Frank Sinatra desde os anos 50. Sinatra recalcitra: são os encontros normais da vida artística. Não sabe nada do passado das pessoas que lhe pedem para tirar fotografias com ele.


Certo dia sai no New York Mirror uma crónica cultural em que um crítico de cinema chamado Mortimer lhe chama Frank (Lucky) Sinatra. Sinatra procurou o tal Mortimer, aplicou-lhe um murro e teve de lhe pagar 9.000 dólares de indemnização. Mais tarde, esse Mortimer morre de ataque cardíaco. Diz o actor Brad Dexter, amigo de Sinatra, que este se deslocou propositadamente ao cemitério onde fora enterrado o jornalista Mortimer para lhe urinar sobre a sepultura.
Em 63, Sinatra quis vender à Warner a quase falida empresa de produção de discos que tinha – em 61 zangara-se com a editora e resolvera fundar uma etiqueta própria. Na negociação com Jack Warner, Sinatra é muito claro. Aquele negócio não tem nada a ver com os seus amigos de Chicago: ele não quer de maneira nenhuma ter mais alguma coisa a ver com a Mafia.
Jack Warner pede-lhe para deixar de se dar com Giancana; pede-lhe para vender as partes que lhe tocam nos hoteis Cal Neva Lodge, de Nevada e no Sands de Las Vegas. Satisfeitas estas condições, a Warner comprava-lhe a falida casa de discos por 2 milhões de dólares, comprometendo-se SInatra a entrar com 500.000 dele e comprar 1/3 do capital da nova sociedade a criar, a chamar-se Warner Reprise. O milhão e meio que resta é para ele. E como contrapeso teria ainda o direito de ser considerado “assistente especial de Mr. Jack Warner”. 


Os advogados de Sinatra arranjam maneira de o cantor ficar ainda mais rico daí a cinco anos quando uma sociedade de parkings e de agências funerárias relacionada com a Mafia comprar a Warner Brothers.
Em suma, Sinatra afastava-se do grande amigo Giancana. Giancana fica para morrer. Que raio de mafioso de coração de açúcar era ele que se deixava trair por todos, os Kennedy, naquela história das campanhas eleitorais, como veremos brevemente, e agora o grande amigo que ele tanto estimava?
Nesse ano de 1963, Sam Giancana toma a decisão de que nunca quisera ouvir falar: eliminar Frank Sinatra. Sinatra até já devia estar  morto. Só não estava porque a Mafia da costa leste o impedira.  
  

Calha bem hoje, e porque também era um dos friends perigosos de Sinatra, determo-nos um bocadinho sobre esta personalidade, que acaba por ser fabulosa, de Johnny Rosseli.
      
                                                                                          

Já vimos como ele, de motorista de Al Capone, passa a delegado em Los Angeles e Hollywood do crime de Chicago, e como ele era homem para todo o serviço que fosse preciso nas amenas paragens da Califórnia. Mas o homem acaba por transcender esse papel de factotum da Mafia na indústria do cinema e aparece envolvido em negócios secretos da mais alta política. E sabe-se disso quando em Junho de 75, Rosselli é presente ao U.S.Senate Commitee para os assuntos de espionagem, presidido pelo senador Frank Church.
O comité do Senado quer ouvir as histórias maravilhosas que Rosselli tem para contar a respeito das ligações da CIA à operação Mongoose, qualquer coisa como mais um atentado contra Fidel Castro, um empreendimento conjunto entre a CIA e a Mafia.

                                                                                    

Por volta de Setembro de 1960, os directores da CIA Richard Bissell e Allen Dulles negociaram com algumas notórias figuras mafiosas, Giancana e Rosselli entre elas. Objectivo? Assassinar Castro. 

                                            
                                                 

A Rosselli são então entregues, no princípio de 61, umas pílulas envenenadas para deitar no leitinho de Fidel Castro logo pela manhã e mais 10.000 dólares. Rosselli passa as pastilhas a um tipo afro-cubano ruivo, chamado Rafael Macho Gener. Com todas as recomendações.
Mas a Rosselli e à Mafia tanto fazia que Castro fosse assassinado ou não. A ideia mestra deles era associar a Mafia ao governo americano nesse assassínio de um líder estrangeiro, e com vista, já se percebe, a aumentar à mesma Mafia a margem de manobra , de negociação e de chantagem quando fosse preciso.


A  chantagem ocorreria , provavelmente, daí a pouco tempo, quando fosse o caso de assassinar não Fidel Castro, mas o próprio presidente Kennedy. Chantageada pela Mafia, a CIA encobriria todas as acções nesse sentido.
E todos sabemos como Castro – pelo menos aparentemente, e talvez não por muito tempo – ainda está vivo, e que o presidente Kennedy já está morto.


 Portanto, se as tentativas para assassinar Castro - que foram muitas – falharam, as tentativas contra Kennedy resultaram em cheio. Mas só à terceira. 


Realmente, este rapaz Frankie Sinatra, apesar dos amigos e de tão más companhias, cantava lindamente. E é isso que fica da memória dele antes de qualquer outra coisa. De qualquer outra coisa de tipo moral. Como acontece com muitos artistas. 



        Mas descansem que esta conversa ainda não acaba aqui.