AS AVENTURAS DA HERESIA
Isto hoje em dia não deve ter interesse
nenhum, porque a preocupação máxima é a crise, mas não é possível esquecer que
a Palestina, já no tempo de Jesus, e tal como hoje, era uma zona de grande
instabilidade social e grande agitação politica.
Foi cerca de um século antes do nascimento de Jesus que a Palestina
baqueou diante das legiões romanas. Mas como Roma tinha muito mais que fazer no
mundo, deixou a Palestina entregue a uma linha de reis, os Herodes, que não
passavam de testas de ferro dos interesses do império. Reis esses, os Herodes,
que ainda por cima nem eram judeus, eram árabes, e a governar sob leis que eram
de Roma.
Tinha Jesus feito seis anos quando três mil
patriotas revolucionários da Judeia eram sumariamente crucificados, o Templo
era saqueado, e o IRS lá deles fortemente aumentado pelos romanos. Havia
tortura e suicídios. Pilatos, ao contrário do sugerido na Bíblia, era bera como
a ferrúgem, cruel, venal e corrupto.
Os grupos revolucionários na Judeia
brotavam a cada esquina, fariseus, zelotas – por vezes confundidos com os
essénios, e talvez por alguma razão ou afinidade de princípios e práticas
associados a eles. No contexto do status
vigente pode dizer-se que eram esses zelotas que marcavam a agenda política.
Em 66 (mas já depois de Cristo), a luta
armada desencadeou-se.
O povo da Judeia esperava por alguém,
alguém que o liderasse na luta contra o ocupante, e a esse alguém chamariam de messias.
Mas a questão é que a figura de um messias nada tinha a ver com a divindade do
sujeito. Messias que, em grego, se diz Christo,
quer dizer ungido, reportava à figura e à dignidade de um rei: David fora um
ungido; fora um messias; fora um Christo.
Fora um rei. E todos os da sua casa o seriam.
Para os zelotas do tempo de Cristo e dos anos que se seguiram, o
verdadeiro messias era o descendente perdido da casa de David e o seu
aparecimento estava por dias. Mas era como entidade política e não religiosa
que o aguardavam.
Pode o leitor não ter interesse nenhum
nisto e já estar verde de saber isto, mas, ainda assim, digo-lhe que a
designação Jesus de Nazaré é já de si duvidosa. E nem se sabe se a cidade de
Nazaré já existia no tempo de Jesus. É como lhe digo, leitor. Nazaré não figura
nos mapas do tempo nem nos documentos romanos – aliás, nem sou eu que lhe digo,
são os entendidos. Nazaré nem aparece no judaico Talmud. Nem Flávio Josefo fala
alguma vez na cidade de Nazaré. É só depois da revolta do ano de 66 que Nazaré
aparece como cidade.
Jesus, pobre carpinteiro? Também é
duvidoso. Ele era um homem culto e parecia preparado para ser um rabi. E… pois
não, também não alinhou só com gente pobre, também alinhou com ricos e
poderosos, casos de Nicodemos, José de Arimateia. E Maria Madalena era irmã de
Lázaro, e aquilo era gente de posses e com muitos amigos na política, quer
dizer, na corte de Herodes.
O desacordo factual entre os evangelhos
conhecidos e consagrados, mas na verdade compilados muito tempo depois dos
eventos e ao arbítrio da conveniência político-eclesiástica, deixam os
investigadores às aranhas. Para o
evangelista Mateus, Jesus era membro da aristocracia e com justificadas
pretensões ao trono dos judeus; para Lucas, a família de Jesus, conquanto
herdeira da estirpe de David, era uma família modesta. E com Marcos, Jesus era
finalmente filho do pobre carpinteiro.
Ou aquilo que hoje conhecemos sob a
simplificada designação de Jesus era referido a mais do que uma pessoa, duas,
três; ou a história da vida de Cristo seria
a crónica ficcionada, ou metafórica, da ideologia e das acções de uma seita politico-religiosa?
Para Lucas, Jesus nasceu sob as vistas de
uns humildes pastores. Mateus põe sábios a assistir-lhe ao nascimento. Em
Lucas, a família de Cristo vive pobremente em Nazaré; em Mateus, a família de
Jesus tinha de ser, e era, de Belém – além de Jesus não ter nascido num
estábulo, ou numa mangedora, mas numa casa normal. Mateus propõe ainda que é a
perseguição de Herodes que leva a família a fugir para o Egipto e só no
regresso a virem morar para Nazaré.
No evangelho dito de João a crucificação
foi na Páscoa judaica. Mateus, Marcos e Lucas estão em maioria no dizer que foi
no dia a seguir.
Para Lucas, Jesus é um humilde, um
cordeirinho dócil. Para Mateus é um homem importante.
Deus
meu, Deus meu, porque me desamparaste: últimas palavras que Mateus e Marcos atribuem a Jesus na cruz.
Pai, na tua mão entrego o meu espírito,
afirma Lucas que Ele disse por último.
Tudo
está consumado,
segundo o evangelho de João –ou atribuido a alguém que assinou João.
Nos evangelhos, e quanto ao estado civil de
Jesus, o silêncio é de ouro. E no entanto, muitos dos seus discípulos eram
casados, a começar por Pedro. E nem Jesus em algum momento terá defendido o
celibato; e se não o defendia nem o pregava, porque razão haveria de praticar?
Os costumes judaicos não estavam com
contemplações e impunham o casamento aos homens. Um homem judeu era
potencialmente um pai, um pai que se via constrangido a encontrar mulher que
fosse mãe para o seu filho.
Admitindo que Jesus não fosse casado e se
fizesse maioritariamente acompanhar só por homens, e sendo o que eram os
costumes e a cultura dos judeus, o que é que impede os malsins de conjecturar
que ele pode ter sido condenado e morto em consequência disso?
Mas admitindo como mais do que certo que
Jesus fosse casado, quem poderia ser a mulher de Jesus?
Duas mulheres o acompanhavam com frequência
Maria (da terra de Migdal, ou Magdala) Madalena, era uma delas.
Prostituta, Madalena? Não é que, nos evangelhos,
essa condição lhe seja assim tão flagrantemente assacada. Talvez ela fosse
pecadora, mas também parece certo que
era mulher de teres e haveres, que tinha amigos influentes, e que, com alguma
probabilidade, pudesse ter tido uma vida sexual mais folgada do que o permitia
a ortodoxia…
Jesus é ungido por uma mulher. Mas teve que
ser uma mulher com bastante de seu. Porquê? Por causa dos custos. Dos custos do
óleo de nardo com que era feito o ritual da unção. E o óleo de nardo nesse
tempo, IVA incluido, custava os olhos da cara.
É por essa unção que Jesus assume o
estatuto de messias. E, em ritual tão solene, a mulher que o ungiu não podia
ser uma mulher qualquer.
O tratamento dado por Jesus a Madalena é de
modo a provocar ciúmes nos outros seus seguidores. E pode bem ser que Maria
Madalena tenha sido difamada pelos discípulos mais invejosos, que lhe começaram
a chamar nomes a verem que Cristo a tratava carinhosamente e que, inclusivé, a
beijava na boca.
Mas outra mulher se apresenta como possível
esposa de Jesus, outra Maria, irmã de Marta e de Lázaro. Maria Betânia - não
essa, a do Brasil, uma outra, da Judeia (ou Maria de Betânia), e seus irmãos.
Tudo gente que tinha de seu.
Há mulheres que os evangelhos colocam em
situações e lugares diferentes e que podiam não passar de ser uma e única
mulher. A tradição popular assim o diz. E os estudiosos da actualidade
concordam. Se Maria Madalena estava presente na crucificação, porque não o
estaria Maria de Betânia, discípula tão dedicada que ela era do Mestre. Ou estava
e os evangelhos lhe chamam Maria Madalena?
O eventual casamento de Jesus com Maria
Madalena podia transcender o mero matrimónio entre cidadãos. Poderia ter
revestido uma forma de aliança entre famílias com vista a finalidades dinásticas, políticas. A
consequência física desse casamento seria uma linhagem real a prosseguir a
linhagem real de David.
Porque há evidências (dizem) de que Maria
Madalena também era de linhagem régia, da tribu de Benjamin.
Jesus era da linha de David, e se tinha
pretensões ao trono dos judeus estas eram legítimas. E como David, da tribu de
Judá, usurpara o trono ao benjamita Saúl, Jesus, casado com uma benjamita,
cumpria uma formalidade dinástico-política importantíssima ao unir as duas
casas reais, unificando a linha de descendência e de pretensão ao trono. Dessa
forma, melhor podia mobilizar o país, liderar uma revolução, expulsar o
ocupante romano, restaurar a monarquia salomónica. E seria então ele, de todo o
direito, o rei dos judeus.
Maria Madalena e Jesus, ambos com sangue
real? Convenhamos, não eram uns quaisquer. E casados mais perigosos se
tornavam, porque neles se fundiam as duas mais ilustres estirpes da realeza
judaica.
Mas por favor… não se segue daqui que eu
esteja pessoalmente convencido desta ou daquela verdade. Não me interpretem
mal. Estamos no domínio do fabuloso, do
especulativo, do misterioso e do romanesco. E da heresia e das suas aventuras.
Mas não sou eu o herege – pelo menos por isto. Limito-me a reproduzir aquilo
que li e em que pessoalmente nem acredito nem deixo de acreditar.
Falta uma semana para a crucificação quando
Jesus entra triunfalmente em Jerusalém montado num burro. Assim o mandava o
Velho Testamento àquele que se reclamasse do estatuto de messias.
O problema foi o burro. Era preciso achar
um burrinho e não havia ali á mão burrinho nenhum – o que também me soa um
bocado estranho. Jesus manda então alguns dos discípulos a Betânia, diz-lhes
que em tal parte assim-assim acharão um jumento. E assim acontece. E o caso
levou foros de milagre. Um burrinho ali, logo, à mão de semear, como que por
encomenda.
Mas os comentadores permitem-se duvidar de
tal milagre. Preferem pensar que toda a cena estava minuciosamente planeada
para seguir o guião (chamemos-lhe assim) estipulado no Antigo Testamento.
Quem é o homem que fornece o burro para a triunfal entrada de
Jesus, o Cristo, em Jerusalém na qualidade de messias escolhido e ungido? Pode
ter sido Lázaro. Amigo e seguidor secreto de Jesus, assim como outros, dispunha
de fortuna e influência – porque alguns dos discípulos declarados poderiam estar
fora do segredo. Lázaro estava dentro do segredo e pode ter ele sido o director
de cena e o chefe contra-regra da representação ritual de Jesus como messias.
Dizem alguns que havia em redor de Jesus,
para além dos apóstolos evidentes – que seriam os soldados rasos -, um círculo
secreto e realmente poderoso e influente de seguidores. E pode ter sido sob a
direcção de Lázaro que o ritual de uma crucificação e de uma ressurreição
iniciática de Jesus pode ter acontecido.
Quem em primeira instância condena Jesus à
crucificação é o Sinédrio, o grande conselho dos velhos judeus. Depois de o
condenarem levam-no a Pilatos. Exigem de Pilatos um claro pronunciamento contra
ele.
Mas parece que tal coisa não faz historicamente qualquer
sentido.
Se Jesus é condenado pelo Sinédrio na noite
da Páscoa, é preciso dizer que o Sinédrio estava proibido de reunir durante a
Páscoa. E então… como é isto arranjado?
Preso e julgado ante o Sinédrio à noite.
Mas, azar!, o Sinédrio não reunia à noite…
(E já agora, entre parêntesis, deixem-me que vos diga que não
sei onde é que os investigadores e académicos historiadores vão buscar tantas
certezas de uma época tão remota, mas enfim…)
Parece ser verdade que o Sinédrio não
dispunha de poderes e autoridade para proferir sentenças de morte por crucificação.
Só por apedrejamento. E aqui é que está o busílis. É por causa disso que Jesus
é levado perante Pilatos. Mas porque razão então o Sinédrio não condenou Jesus
no âmbito das suas competências, ou seja, ao apedrejamento?
Os autores dos evangelhos – autores e
revisores e censores -, escrevendo para audiências romanas quiseram eximir Roma
ao crime da morte de Jesus. E é por isso que Pilatos aparece na cena dos
evangelhos a dizer que nada tem com o caso, que não vê naquele homem culpa
alguma. A verdade é que pode não ter sido essa.
A multidão incita Pilatos a condenar Jesus.
Pilatos não quer, mas já que a multidão clama por isso, ele cede.
Não cabe na cabeça de ninguém que um
pro-cônsul romano da época fosse homem para ceder à multidão de um território
estrangeiro ocupado a ferro e fogo… mas, escritos como foram os evangelhos, a ficção tornar-se-ia
aceitável para Roma. E era em Roma que a Igreja de Cristo teria de ser fundada.
Uma questão de marketing político…
Pilatos chama a Jesus “Rei dos Judeus”; na
cruz é afixado um dístico a dizer o mesmo – isto segundo os evangelhos
conhecidos do vulgo.
Mas que Rei dos Judeus? A que título “Rei
dos Judeus” conferido a um homem que ia ser tratado com toda a intolerância e
crueldade?
Rei dos Judeus? Era gozo? Era presunção
pateta do próprio Cristo? Ou seria pretensão legítima? Não se sabe. Os
evangelhos não no-lo esclarecem.
Mas não tinham vindo três reis magos
visitar um menino recém-nascido? Três reis logo de uma assentada, e dos
verdadeiros… três reis em busca do menino nascido rei dos judeus…
E de quem tinha afinal Herodes tanto medo?
E porquê?
Teria Herodes medo daquele que
representasse uma linha mais legítima e um mais legítimo direito de sucessão ao
trono de Israel?
Se Cristo não violou a lei romana – como o
próprio Pilatos se descaíu a dizer -, porque foi então castigado segundo os
métodos de Roma: crucificação; crucificação exclusivamente usada para réus de
crimes contra Roma?
O Cristo crucificado à ordem de Roma seria
o Cristo que nada tinha a ver com os conflitos políticos do tempo?
Se Cristo era absolutamente apolítico como querem os evangelhos,
porque concitou então contra ele o braço da justiça imperial?
Na cruz, suspenso pelas mãos, um homem
ficava inibido de respirar. Só se lhe prendessem, ou pregassem, também os pés
para aliviar a pressão nos pulmões. Desse modo, um crucificado poderia levar
uma semana a morrer. Só no caso de lhe partirem as pernas o processo de morte
seria naturalmente acelerado por asfixia. As pernas de Jesus não foram
partidas.
Quando o soldado romano lhe aplica a
lançada no lado, Jesus já está morto. E tem apenas poucas horas de crucificado.
A morte de Cristo na cruz ocorre no
instante preciso, e só para evitar que os soldados lhe partissem as pernas. E porque
era preciso cumprir até à última a profecia do Velho Testamento.
Poderia ter Jesus organizado toda a sua
vida e trajectória em função da profecia velho-testamentária que anunciava para
essa época a chegada de um messias?
Jesus diz que tem sede. O soldado romano
estende-lhe a lança com a esponja embebida em fel e vinagre. Não, não era um
acto de sadismo. Porquê? Porque o vinagre é um estimulante, servia para
reanimar, por exemplo, os escravos exaustos que remavam nas galés. Jesus, ao cheirar
ou ao sorver o vinagre da esponja, experimentaria uma renovação temporária das
energias. Pois. Mas não foi isso que aconteceu. Logo que lhe chegam a esponja à
boca, Jesus diz as últimas palavras e morre. Fisiologicamente, cientificamente,
é uma morte no momento errado, a reacção do corpo de Cristo está errada segundo
a ciência.
Aos lábios de Cristo pode ter chegado uma
droga, um calmante ópiáceo, aloés, beladona. Usava-se na época.
Mas se assim foi, porque foi?
Faria parte do plano provocar na vítima uma
morte apenas aparente?
Estaria Jesus ainda vivo – embora
inconsciente - depois da esponja e das últimas palavras?
Se a crucificação era um acto público, um
espectáculo de multidões, os evangelhos, pelo contrário, descrevem a de Jesus
de modo bem diverso.
Segundo Mateus, Marcos e Lucas, os
assistentes estariam a observar de longe. Alguns autores especulam que a
crucificação poderia ter acontecido num lugar privado, talvez o jardim de
Gethsemani, propriedade de um dos do
círculo mais íntimo e mais fechado de Jesus. Uma crucificação num recinto
privado pode dar margem a mistificações.
As testemunhas não eram neutras. E estavam
longe. Longe o suficiente para lhes ser difícil distinguir quem era o homem que
estava de facto a ser crucificado. E menos ainda se o crucificado estaria a
certa altura verdadeiramente morto. Mas para toda a encenação acontecer era
preciso que a autoridade romana fechasse os olhos. Pilatos era o responsável
pela ordem. Pilatos era um tirano. Pilatos era corrupto. Mas Pilatos entrega o
corpo de Jesus a José de Arimateia, quando, pela lei, o crucificado não tinha
direito a sepultura e o corpo ficava-lhe na cruz, a ser corrompido pelo sol e
pela chuva, a ser devorado pelas aves de rapina.
José de Arimateia solicita a Pilatos o
corpo de Jesus e Pilatos entrega-lho. Que direito tem José de Arimateia a
receber o corpo de Jesus? Só por ser um dos do círculo secreto? Mas se o
círculo era secreto, Pilatos não devereia ter nada que saber dele…
José de Arimateia era um homem riquísimo e
membro do Sinédrio. Era influente. Talvez fosse até ainda aparentado com a
família de Jesus. Jesus tinha amigos influentes e institucionalmente bem
situados. Tinha mesmo que os ter se aspirava de facto à dignidade máxima de
rei, e se de facto lhe corria nas veias o sangue real da Judeia. Inclusivé
teria relações entre o poder romano e os saduceus. E terão sido esses os que conspiravam na sombra
para lhe frustrar a subida ao trono a que legitimamente aspirava.
As pretensões de Jesus eram tão legítimas
que não havia maneira de lhes evitar as consequências senão matando-o sob um
pretexto qualquer. Não seriam porém os adeptos da verdadeira mensagem de Cristo
a preparar-lhe uma crucificação fictícia. A quem daria jeito uma crucificação
fictícia seria aos que estavam interessados na preservação da linhagem real de
David, familiares de Jesus, gente da aristocracia judaica, iniciados do círculo
secreto do Mestre.
Os sermões de Jesus, os milagres que lhe
saõ atribuídos, seriam parte de uma operação de propaganda e de um programa
político de tomada do poder?
A crucificação pode ter sido encenada como
uma manobra política. Um substituto pode ter tomado o lugar de Cristo. Ou
Cristo, assumindo o seu lugar na cruz, pode não ter morrido nessa altura.
Basilídio de Alexandria, grande heresiarca
da década de 120 a
130, comentou profusamente os evangelhos e, ao fazê-lo, deixou para o mundo a
heresia das heresias. Ei-la: a crucificação foi um embuste; Cristo não morreu
na cruz; quem morreu de facto na cruz foi um seu substituto, Simão, o Cireneu.
E acontece que o Corão, no século VII , afirmaria precisamente o mesmo.
Ao cair da noite, o presumido corpo de Jesus é removido para uma
sepultura próxima – e ao que tudo indica em propriedade privada. E três dias
depois esse corpo desaparece.
Nos mistérios e nas escolas ritualísticas
da Palestina daquele tempo, o rito encenado de uma morte e de uma ressurreição
simbólicas não era coisa invulgar. O iniciado era enclausurado num túmulo, esse
túmulo adquiria o simbolismo de um ventre, um ventre que tempos depois devolvia
o iniciado à claridade do dia, como num novo nascimento. Ritual e simbolismo,
aliás, a que hoje poderíamos dar o nome de baptismo, baptismo como o praticado
por João nas águas do rio Jordão, em que o neófito era ritualísticamente
mergulhado nas águas, emergindo a seguir, o que tornava simbolicamente unos o
iniciado e o oficiante.
Para onde foi então o corpo primeiramente
depositado naquela sepultura?
Se o corpo não estava morto e era o do
próprio Jesus, e desapareceu, para onde foi? Para o Oriente, para Caxemira,
onde viria a morrer já consideravelmente velho?
Para a colina-fortaleza de Massada, onde
ainda assistiria ao assédio dos romanos no ano de 74 depois dele, morrendo por
essa época, com 80 anos?
Documentos de relativamente recente
descoberta dão-no como vivo no ano de 45, depois dele. Vivo? Onde? Não se sabe.
Vivo? Em Alexandria, possivelmente. No
Egipto, que era para onde fugiam os perseguidos judeus. E teríamos assim um
Cristo vivo em Alexandria e na precisa época em que aí se formava um
sincretismo de ensinamentos cristãos e pré-cristãos ancestrais, o corpo
doutrinário do que veio muito mais tarde a ser conhecido como Rosa-Cruz.
A tradição e os antigos homens da Igreja não deixam margem para
equívocos: Lázaro, Maria Madalena, Marta e José de Arimateia foram levados num
barco para Ocidente, para a Gália, para o sul de França, para um lugar que hoje
é a cidade de Marselha.