TRUMPITLER
Entre Trump e
Hitler, e não contando com o maldizer, o insulto, a calúnia e a desconsideração política com que
foram entendidos nos primeiros tempos, há afinidades. A começar por serem ambos
actores consumados. A continuar por nenhum dos dois ser político de carreira,
ou sequer de vocação. E mais aquela das afinidades que hoje me apraz registar que
é a da audácia (podem pôr descaramento, irresponsabilidade ou coragem) de
querer levar à prática uma infâmia que a maioria gostaria de ver consumada, mas
sem que governante algum tivesse a audácia (o descaramento, a
irresponsabilidade ou a coragem) de se chegar à frente para a realizar.
O kaiser Guilherme II escreveu a alguém,
em 1925, que o mal da Alemanha estava nos judeus. Os judeus (segundo Guilherme
II) eram os indesejáveis parasitas de que a humanidade teria de se ver livre
quanto antes, fosse de que maneira fosse, e acrescentando que o melhor seria
pelo gás.
De resto, é bom que
se diga, desde sempre que a animosidade contra os judeus fora cultivada na
Alemanha, séculos de desprezo. A Alemanha gostaria de se ver livre dos seus
judeus, mas jamais lograra produzir uma individualidade ou um sistema capazes de
levar essa sua vontade por diante com eficácia, acabando por transformar um
desejo premente em utopia irrealizável.
Chegado do nada, mas
promovido, evidentemente, pelas sociedades secretas de orientação racista,
Adolf Hitler aparece no cenário político alemão pós-I Guerra Mundial. É ele o
Parsifal, o puro louco, o redentor, o libertador do Graal ariano.
É ele o insensato
audacioso que com toda a simplicidade se dispõe a passar à acção naquilo que
todos mais desejam mas que até aí ninguém tivera a audácia (ou o descaramento,
ou a irresponsabilidade, ou a coragem) para empreender, a limpeza étnica, a
solução final.
Foi o que se viu.
Passaram oitenta
anos. O látego dos valores ocidentais já não são os judeus. Obviamente. Os
judeus limitam-se a comandar a vida financeira do Ocidente cristão – tudo
quanto a Alemanha temia oitenta anos antes.
A ameaça chega agora
das mesmas paragens abafadiças do Oriente Médio.
A ameaça é social, é militar,
é cultural. É fundamentalmente religiosa. A ameaça é árabe, é islâmica, é
violenta, é radical. E ataca tanto no coração da Europa como no centro
financeiro mundial, sito em Nova York.
Todos a querem travar, esmagar,
construir-lhe uma solução final. E todos pensam (ainda que nem todos o digam) que
as migrações massivas que chegam da África do norte ao mundo ocidental podem
ser o cavalo de Troia do radicalismo muçulmano decidido a invadir e a minar por
dentro os valores ocidentais.
Que fazer?
Fazer o que seja
politicamente correcto fazer? Mas pode não chegar contra um inimigo
politicamente (e socialmente) mais do que incorrecto.
Mas há que travar a
penetração islâmica radical na Europa e nos EUA. Como? Tomando medidas
repressivas. Eventualmente medidas que contendam com o politicamente correcto
dos mesmos valores cristãos que a turbulência terrorista pretende seriamente
atacar. Seria preciso proibir. Seria preciso perseguir. Seriam precisas medidas
radicais contra o radicalismo. Ou medidas politicamente incorrectas para
perseguir a máxima incorrecção.
Pois era. Era
preciso um dirigente de uma poderosa nação ocidental disposto à audácia insensata
(ao descaramento, à irresponsabilidade, à coragem) de tomar medidas radicais,
proibir, perseguir. Qual, quem? Donald Trump, o impolítico profissional.
Donald Trump? Faça
favor. Mostre-nos lá do que é capaz.
Sai um decreto que veda a entrada a
naturais dos países árabes exportadores de violência. Caem-lhe em cima os
próceres do politicamente correcto, dos sentimentos humanitários, dos direitos
humanos, da tolerância, dos valores da cristandade ameaçada.
Toda a América sabia
que a penetração da droga no país se fazia principalmente pela fronteira com o
México. Toda a gente concordava em que era preciso travar esse fluxo aterrador
que há muito minava as estruturas mentais da sociedade americana, proibir,
perseguir. E nenhum político, ou legislação, ou iniciativa, ou vontade, se
mostrava à altura das circunstâncias.
Até que chega um audacioso insensato (descarado,
irresponsável, corajoso) para tal cometimento. Quem? Donald Trump.
Donald Trump? Mostre-nos então as suas
habilidades nesta matéria.
Trump estava pronto para outras medidas
radicais contra os radicalismos que são a marijuana, a cocaína e a heroína.
Um
muro a erguer ao longo da fronteira mexicana; mais a proibição, a perseguição e
a expulsão dos indesejáveis. E de novo lhe caem em cima os direitos humanos, a
tolerância, os valores cristãos, a sensibilidade civilista e moderadora das
opiniões publicadas.
Então como é? A
maioria dos cidadãos quer medidas radicais contra os radicalismos violentos, e
quando aparece um insensato audacioso (ou descarado, ou irresponsável, ou
corajoso) que se propõe tomar as primeira medidas contra as reais ameaças,
bolas!, todos o atacam? Como é?
Bem sei que as
coisas não são tão simples assim. Bem sei que a tomada de certas medidas
contende com um sistema de vida, de sociedade e de política em que até os
radicalismos violentos e invasivos podem ser absorvidos pelo sistema e fazer
funcionar certos mercados, o da droga, o das armas, os mais poderosos de todos
e de longe os mais lucrativos.
E ficamos assim, à
espera para ver o que tudo isto pode dar.