terça-feira, 29 de setembro de 2015


       CRÓNICAS DE UMA CONSPIRAÇÃO  SICILIANA

                               (PARTE DOIS)

        

         Chega à Sicília um importante comando, chamado Corpo de Forças de Repressão do Banditismo, chefiado pelo homem forte da contra-guerrilha italiana, o coronel Ugo Luca.
         Ugo Luca envia um seu sargento, Giovanni Lo Bianco, a parlamentar com a Cosa Nostra na pessoa de Giovanni Nito Minasola. Encontram-se, clandestinamente, bem entendido, nas cercanias de Palermo e o sargento pede sem rodeios ao mafioso a cabeça de Salvatore Giuliano. O mafioso aceita o encargo, compromete-se, mobiliza o seu grupo e parte à caça de Giuliano.
 
 
         Não tem sorte. O mais que consegue é matar três elementos do bando de Turiddu. Mas ainda lhe acontece pior: é capturado, cai nas mãos de Giuliano. E Giuliano, furibundo, confia ao primo Gaspare Pisciotta a missão de levar o mafioso Minasola à praça principal de Monreale e aí espectacularmente o fuzilar como mensagem de aviso ao pessoal da Mafia.
 
 
Gaspare Pisciotta andou na guerra, foi feito prisioneiro na Croácia, mandado para um campo de concentração e quando, terminada a guerra, regressa à Sicília (era natural de Montelepre como o primo Giuliano) e quando entra para a quadrilha do primo já está tuberculoso. Com o primo e respectiva seita participa em todas as operações violentas, assaltos à mão armada, emboscadas às forças da ordem, raptos, sequestros. No dia 1º de Maio de 47 está presente na Portella della Ginestra, ao lado de um operador de metralhadora pesada a atirar contra os camponeses socialistas e comunistas.
 
                                                              
 
Conduzindo o prisioneiro mafioso Minasola à praça de Monreale, Pisciotta vai deitando contas à vida. Sabe que o primo Turiddu é um homem perdido, que anda desesperado, e sabe que por isso mesmo lhe convém mudar de ares e de companhias. Continuando com o primo, o seu próprio futuro apresenta-se bastante sombrio. É justamente no caminho para Monreale para fuzilar o mafioso que Pisciotta resolve mudar de partido.
 
 
Chegados à praça, desmontando, Pisciotta fala com Minasola. Em vez de o fuzilar propõe-lhe um acordo. Está a pensar deixá-lo fugir e ir à vida dele, em troca de uma apresentação ao intermediário do coronel Luca, o tal sargento Lo Bianco. Minasola, o mafioso, não tem qualquer dúvida em concordar, e nessa base Pisciotta liberta-o e diz-lhe para se pôr na alheta e depressinha.
Regressa ao esconderijo do primo e comunica-lhe que o mafioso lhe fugiu, o que põe Turiddu fora de si. Mas nem pela cabeça de Turiddu passa a ideia de que o primo fidelíssimo e seu guarda-costas lhe esteja a mentir.

 
Pisciotta (também chamado Aspanu) encontra-se com o sargento Lo Bianco. Estamos em meados de Junho de 1950. O sargento faz-lhe o mesmo pedido que fizera ao mafioso Minasola, a cabeça do seu primo Turiddu.
- Está bem. Eu trato disso. Mas é justo que me dêem alguma coisa em troca.
- Diz o que queres.
- Quero um atestado de benemerência assinado pelo ministro Mario Scelba em que se diga que fui eu que libertei a Sicília aquele louco sanguinário.
- Vamos a ver. E que tal se eu te conseguir que acabado o trabalho saias de Itália livremente com 50 milhões de liras no bolso?
(Daria 2,5 milhões dos actuais euros. Nada mau.)
- Não. Não quero dinheiro. Nem tão pouco me quero ir embora daqui da Sicília. Olhe uma coisa, sargento… o melhor talvez fosse eu falar mesmo directamente com o seu comandante, o coronel Luca. Que me diz?
 
 
O encontro entre o comandante da força contra o banditismo e o próprio bandido acontece. Numa casa dos arrabaldes de Monreale. Quem lhes está a guardar a porta? O sargento Lo Bianco e o mafioso Minasola. Armados até aos dentes.
 
 
Não, senhores, não estou a contar um filme (aliás, do meu conhecimento, fizeram-se dois sobre esta história sangrenta e real, Salvatore Giuliano, o primeiro, do neo-realista italiano Francesco Rosi, dos primeiros anos 60; e The Sicilian, uma belíssima americanada realizada mais recentemente pelo genial Michael Cimino), estou a relatar factos e conspirações reais.
 
 
Conspirações em que alguns não acreditam, para acreditarem mais depressa em notícias de jornal (pseudo, algumas delas) ou em versões oficiais. E até porque, destes factos houve uma versão oficial, evidentemente falsa e trabalhada politicamente.
O acordo entre Aspanu Pisciotta e o coronel Ugo Luca não demorou nem meia hora. Voltariam à fala dez dias depois.
 
                                                                              
 
Dez dias depois, Ugo Luca entregava a PIsciotta o pedido atestado de benemerência. Que rezava assim:
O aqui designado Gaspare PIsciotta está-se aplicando activamente, conforme informaçães fornecidas pelo coronel Ugo Luca, no sentido de restituir à região de Montelepre e arredores a tranquilidade e a concórdia, cooperando para o regular cumprimento das leis em vigor. Garanto que o seu precioso trabalho será tomado na máxima consideração. De futuro, serão dadas instruções à autoridade judiciária para que, com base nos esclarecimentos e justificações que ele prestar, seja reexaminado tudo quanto pese contra ele, valorizando cuidadosamente as circunstâncias de cada episódio, sem que nada seja negligenciado, a fim de sublinhar cada elemento que lhe seja favorável. O coronel Luca, meu homem de confiança, recolherá todos os dados que se revelem úteis ao reexame do seu processo. Assinado: Mario Scelba, ministro do Interior.
Evidentemente: o atestado é falso, a assinatura do ministro é falsificada. Tratava-se de uma declaração armadilhada e de pouca ou nenhuma substância. Mas o bandido aceita-a como boa e embarca na conspiração.
Paralelamente, o comandante da força contra o banditismo ordena que o cerco a Salvatore Giuliano seja levantado de forma que o bandido possa circular livremente sem suspeitar do que se trama nas suas costas.
 
 
Vai para seis meses que Giuliano está escondido em casa de um certo Gregorio De Maria, em Via Mannone, Castelvetrano.
Na noite de 4 de Julho de 1950, um Fiat 1100 preto para na Praça Matteotti. Dele sai PIsciotta. Que olha cuidadosamente em volta. Ninguém. Dali à casa de Via Mannone são dois passos.
 
                                                                          
 
Quando Pisciotta entra na casa o primo Turiddu está a acabar de cear na sala do rés-do-chão, azeitonas pretas, pão, queijo, vinho branco. Recebeu uma mensagem do inspector de polícia Ciro Verdiani, com quem mantinha contactos:Tem cuidado com o teu primo.
Turiddu fartou-se de rir da mensagem.
Claro que o inspector da polícia sabia da conspiração entre PIsciotta e o coronel Luca. Giuliano, confinado ao isolamento, é que já mal distinguia entre amigos e inimigos e não ligou ao aviso.
 
 
Cafés, um resto de conversa fraternal, boas noites ao dono da casa e subida ao andar de cima.
Dada a qualidade de guarda-costas de Pisciotta os dois primos dormiam juntos, mesmo quarto e mesma cama.
Turiddu adormece depressa. Pisciotta não. Mas finge-se adormecido. Batem as três da madrugada na igreja local. Ouvem-se dois tiros.
As duas balas de 9mm. disparadas à coluna vertebral de Turiddu, o chamado rei de Montelepre, dão-lhe morte imediata, instantânea.
 
Não tarda muito e chegam os carabinieri, sob o comando do capitão Antonio Perenze – o homem que guiara o carro que levara Pisciotta ao esconderijo de Turiddu.
O cadáver de Giuliano é arrastado escadas abaixo até ao pátio da casa. No afogadilho dos acontecimentos ninguém se lembrou do rasto de sangue que foram deixando atrás deles ao transportarem o corpo. Um erro que destruirá a versão oficial do caso
.
 
À vista dos que vão chegando é estranho aquele sangue que sobe escada acima a partir do cadáver depositado no pátio. Para a versão oficial, o corpo de Giuliano caíra ali mesmo, no pátio, após uma troca de tiros entre o bandido e as forças da ordem, e quando aquele tentava fugir aos soldados que o perseguiam.
 
 
Um jornalista acabado de chegar, Tommaso Besozzi, nota a incongruência e propõe-se desmascarar a encenação concebida pelas forças da ordem. Será ele o primeiro a afirmar, peremptório, que Salvatore Giuliano foi morto no quarto de dormir e arrastado para aquele pátio já cadáver, e que não se tratara de um brilhante feito dos carabinieri.
 
                                                                         
 
Gaspare Pisciotta tem na mão aquela espécie de salvo-conduto, de atestado de bons serviços, que o irá proteger por uns dias.
 
 
A revista L’Europeo traz o caso de novo à tona dos noticiários. A versão oficial, pelo descuido do rasto de sangue, é facilmente desacreditada. E o implicado Pisciotta, pelo sim pelo não, resolve voltar à clandestinidade até ver. É o capitão Perenze quem lhe dá guarida, que o faz escoltar quando vai às compras e que lhe paga a radiografia aos pulmões tuberculosos.
Mas está na hora de Pisciotta, tal como acontecera com o primo Turiddu, reclamar a paga do serviço. Já não se importa de sair do país. Já quer receber dinheiro. Em suma, um passaporte em regra e os tais 50 milhões de liras na poche era o que vinha mesmo a calhar.
 
 
Azar de Pisciotta. A arma dos carabinieri está sob o fogo da opinião pública. O coronel Luca rói a corda e recusa o pagamento combinado. Precisava dele, vivo, para limpar o que pudesse da negra folha da sua corporação. Se bem que, por outro lado, e porque a polícia mete o bedelho no caso, o melhor ainda seria fazê-lo desaparecer, não fosse ele dar com a língua nos dentes e deixar as forças militarizadas anti-banditismo ainda em piores lençóis, agora assediada pelos rivais da polícia.
Mas é a polícia que vai desencantar Pisciotta encafuado no sótão de uma casa. Levam-no a toque de caixa para Ucciardone, a prisão de Palermo. Exactamente como o primo Turiddu, Pisciotta sente-se traído, sente-se usado e deitado fora. E com razão.
 
 
 Pisciotta escreve uma declaração que entrega ao advogado para ser lida em tribunal, no processo que corre em Viterbo desde Junho (ainda Giuliano era vivo e andava a monte).
Tendo eu pessoalmente concordado com o ministro do Interior Scelba, declaro que Salvatore Giuliano foi morto por mim.
O documento apresentado no tribunal é porém um resumo de uma declaração mais vasta a que o advogado dá o nome de memorial, dizendo que os acontecimentos de Portella não passaram de um erro de pontaria e fornecendo os nomes dos mandantes.
 
                                                                          
 
O coronel Ugo Luca já está general. Dá uma entrevista. Admite ter-se servido de Pisciotta para capturar Giuliano, sem todavia especificar que foi o próprio Pisciotta o assassino do primo.
Pisciotta, engavetado, vai aos arames. Vai aos arames e vai ao tribunal gritar a realidade dos factos e desmentir o general.
No dia 16 de Abril de 1951, PIsciotta chama os jornalistas e revela o nome dos responsáveis políticos pela carnificina de Portella della Ginestra. Desata a língua e conta a história de fio a pavio, encontros havidos, negociações entre bandidos e forças de repressão, promessas de impunidade…
- Senhores, acreditem no que vos digo, bandidos, mafia e carabinieri eramos todos uma só entidade. Como a Santíssima Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo! – grita. E mais: - Liquidei Giuliano, sim mas sem o mais pequeno proveito material. Só pelo que o general Luca venha a tribunal depor. Sempre quero ver se ele consegue provar que me deu uma lira dos 50 milhões que me prometeu. Meus senhores, notem bem, eu sou um bandido, sou sim, senhores, mas um bandido honesto.
 
 
No dia 14 de Maio desse ano de 1951, Gaspare Pisciotta é chamado a interrogatório. Começa por dizer que ingressou no banditismo quando o que pretendia era ser útil ao ideal de independência da Sicília.
- Mas esse ideal foi traído. Eu fui traído.
- Traído por quem?
- Pelos chefes do Movimento Independentista. Eu e toda a guerrilha de Montelepre.
         - Traído como? Porquê?
- O meu primo Giuliano abandonou o ideal do independentismo e envolveu-se com os monárquicos e os democratas cristãos. E eu disse-lhe: ”não te vás meter com esses, esses vão-nos trair como todos os outros”.
- E ele?
         - Se a Democracia Cristã ganhasse poderíamos contar com toda a impunidade. Se as coisas corressem mal, emigrávamos para o Brasil. Foi nessa altura, e estando eu gravemente doente, que me separei de Giuliano.
- Quem eram as pessoas com quem Giuliano estava e contacto?
- O onorevole Bernardo Matarella, o chefe mais notório da D.C. siciliana…


 
- E…
- O príncipe Giovanni Francesco Alliata, Giacomo Geloso Cusumano, que eram deputados monárquicos…
 
                                                                        
 
- E...
- O onorevole Leone Tommaso Marchesano…
- Então porque é que depois das vitórias da Democracia Cristã a promessa da impunidade não foi cumprida?

 
- Houve uma conferência nas terras de Parini entre Giuliano, Matarella e Consumano. Depois, Matarella e Consumano foram a Roma tratar de uma amnistia para todos os crimes, mas o ministro Scelba opôs-se. Pelo que me contaram a resposta dele foi “com bandidos não negoceio”. E então o príncipe Alliata ofereceu relógios de ouro ao Giuliano e ao tenente-coronel Paolantonio. Alliata não pode negar isto.
Vem à conversa o depoimento do pastor, Giuliano a receber uma carta que lhe encomendava o massacre, carta que ele terá queimado assim que a leu. Pisciotta confirma a carta. Não confirma a queima da carta.
- Qual quê! Essa carta nunca foi queimada. Turiddu guardou-a religiosamente. Os senhores estão a ver… era uma arma para o que fosse preciso. Chantagem, sim. E então? Contra o Estado. Sim. Há papéis que não se podem destruir. Eu mesmo li essa carta, meses depois. Foi Consumano quem a entregou a Sciortino, o cunhado de Turiddu.
- A carta era de Consumano para Giuliano?
- Não, não. A carta era do ministro Scelba, foi o que o Consumano disse. Mais ou menos isto… “caro Giuliano, bem sabes que estamos quase a derrotar o comunismo e com a vossa ajuda podemos destruí-lo para sempre… e assim que a vitória nos sorrir podem vocês contar com a impunidade total”… assinada pelo ministro Scelba, eu vi.
 
                                                                                  
 
Nesta altura, Pisciotta põe na mesa algumas cartas oficiais de gente das forças militarizadas, de inspectores de polícia com quem era costume colaborarem, terminando a exibição documental com o atestado de benemerência assinado “Scelba”.
O condecoradíssimo general Ugo Luca comparece a interrogatório como testemunha e é-lhe perguntado o que sabe respeitante ao depoimento de Pisciotta.
- Sei que a assinatura do ministro Scelba nesse atestado de benemerência foi falsificada pelo meu próprio punho. Sei que esse Gaspare Pisciotta falou comigo e me disse que estava em casa de uma pessoa de Mazare dell Vallo. Sei que mandei lá o capitão Perenze e que essa pessoa disse que tinha queimado o documento…
 
 
 
Cento e dez audiências no tribunal de Viterbo. Chega-se ao outono de 1951 e a fase instrutória do processo é dada por concluída. As sensacionais declarações de Pisciotta sobre as altas figuras mandantes do massacre de Portella caíram no vazio, não tiveram consequência. O procurador-geral Tito Parlatore finge-se de morto e não ordena aos juízes que procedam contra as altas figuras políticas mandantes do massacre. Que não estava no âmbito daquele processo averiguar responsabilidades dos eventuais mandantes.
 
 
O procurador-geral pede então a prisão de Pisciotta e de mais outros treze incriminados nos crimes de banditismo. O advogado que representa as vítimas de Portella della Ginestra opõe-se à decisão judicial. Em vão.
A 13 de Maio de 1952 há uma sentença: PIsciotta e mais onze: condenados; cinco absolvidos por insuficiência de provas. Para os alegados mandantes, nada. Com fundamento na disposição do procurador-geral, outro organismo, o Ministério Público, era a sede onde esse caso deveria ser tratado.
 
 
         Pisciotta continuava a falar:
         - Há demasiada gente a quem não interessa que esses nomes sejam tornados públicos e investigados. Mas eu ainda cá estou para contar toda a verdade. E ainda vos digo o seguinte: não estivesse eu seguro do que fiz, não tivesse eu em meu poder outros documentos para apresentar em futuros processos, ah, podem ter a certeza que a esta hora estaria eu bem longe daqui.
 
                                                                                  
 
         Ninguém ligou a esta declaração de Pisciotta.
         O senador comunista Girolamo Li Causi – cuja presença naquele dia 1º de Maio de 1947 em Portella della Ginestra havia sido anunciada e que estaria destinado a ser o verdadeiro alvo das metralhadoras dos bandidos – pretende relançar politicamente o escândalo. Faz um discurso no Senado e aponta o ministro Scelba.
 
 
         - Porque é que mandou matar Salvatore Giuliano? Porque mandou calar para sempre aquela boca? Só há uma resposta a estas perguntas: calou Giuliano porque ele poderia vir a repetir as razões pelas quais Scelba o mandou calar para sempre.
         Ninguém ligou ao discurso do senador comunista.
         Da prisão, PIsciotta reclama a constituição de uma comissão parlamentar de inquérito. Reclama para nada. Ninguém lhe atende a reclamação.
         A 8 de Fevereiro de 1954 PIsciotta pede para falar a um magistrado. É o procurador substituto de serviço nesse dia, Pietro Scaglione, que o visita na prisão.
 
                                                                                
 
         Pisciotta com única ao magistrado a decisão de desmascarar de uma vez por todas os mandantes da matança de Portella. Insiste nos nomes já revelados. Ajunta elementos e pormenores até aí inéditos – que obviamente serão para sempre esquecidos. Scaglione agradece e promete-lhe nova audiência para o dia seguinte, dessa vez acompanhado por um escrivão para passar a escrito as declarações que Pisciotta entender prestar.
         Não vai ter tempo.
 
 
         No cárcere de Ucciardone, em Palermo, nascia o dia 9 de Fevereiro de 1954. Gaspare Pisciotta prepara na cela o seu próprio café da manhã, aquece-o numa lamparina a álcool, deita-o na chávena, adiciona uma colher de açúcar, bebe de um trago, empalidece, desata a gritar “m’ammazzaru!” (“mataram-me”, em siciliano), enfia uma golada de xarope para a tosse, tenta vomitar o café, não consegue, levam-no para a enfermaria, são oito e dez, morre, leva para a cova o inconfessável segredo do massacre de Portella della Ginestra e os nomes dos mandantes.
 
 
         Vinte gramas de estricnina no corpo – acusará a autópsia – o veneno vulgar entre os camponeses da Sicília para embeber as armadilhas para as raposas.
         Mas vem a saber-se pelo chefe da Mafia calabresa, a ‘Ndrangheta que quem trouxe o veneno foi mesmo um dos seus homens, dada a dificuldade que um siciliano tinha de se aproximar da cela de PIsciotta. Numa co-produção com a Cosa Nostra siciliana, a organização irmã da Calábria tratou do assunto com toda a limpeza.
 
                                                                              
 
Era mais um favor das mafias ao Estado, chantageado primeiro por Giuliano e depois por Pisciotta, arranjando maneira de o Estado se ver livre dos dois e sair limpo, ficando no entanto refém da Mafia, devedor da Mafia, e necessariamente obrigado em colaborar com a Mafia em novos e futuros segredos impronunciáveis.
De toda esta longa e enxovalhada conspiração de Portella della Ginestra em 1947, a Mafia sai reforçada, para não dizer mesmo legitimada, na sua função de fiel da ordem política siciliana.
 
 
Não terá sido passado de simples coincidência, arrisca o escritor Alfio Caruso, que no preciso dia em que Gaspare Pisciotta cai envenenado na prisão, o até aí ministro do Interior, Mario Scelba, tome posse como presidente do conselho de ministros.
 
                                                    
 
Outras coincidências terão sido as mortes, por assassínio ou suicídio, dos restantes possíveis depositários dos segredos da matança de Portella, os que serviram de intermediários nos acordos feitos por Giuliano com as forças da ordem, as testemunhas de encontros comprometedores, o inspector de polícia que mantivera contactos estreitos com a seita – o que avisara Giuliano contra o primo.
 
 
Por exemplo. Angelo Russo, membro do bando de Giuliano, envenenado um mês depois da morte de Pisciotta (um copo de bom vinho da região enriquecido com cicuta). Por exemplo, Cusumano, o deputado monárquico portador da carta que encomendava a Giuliano o massacre – envenenado. Por exemplo, o advogado Rodolfo Giglio, fiel depositário do muito falado memorial de Giuliano – caído a um poço. Por exemplo, o mafioso Nito Minasola que vendera Giuliano aos carabinieri – abatido a tiro em plena rua, já em 1960.
 
 
Por exemplo, Filippo Riolo, preso sob a acusação de ter introduzido na prisão de Ucciardone a estricnina que acabaria dissolvida no café de Pisciotta – morto em Palermo em 1961. Por exemplo, o inspector de polícia Verdiani, o tal que avisara Giuliano – morto em duvidosas circunstâncias. Por exemplo, Pietro Scaglione, o magistrado que recolhera as últimas revelações de Pisciotta, promovido a procurador principal de Palermo e assassinado já em 1971 pelos celebrados mafiosos Toto Riina e Luciano Liggio.
 
 
Que ninguém tivesse ainda ilusões de poder chantagear infamemente o poder real, quer dizer, o poder que tem a faculdade de se esconder atrás de máscaras sempre variáveis, sempre mutáveis, sejam crimes, sejam tumulares silêncios, sejam formalidades processuais; esse poder que se reproduz mantendo-se sempre igual a si próprio, fénix que se reergue das cinzas do escândalo em cada sistema de governo, em cada fórmula de Estado, em qualquer tempo, em qualquer lanço da História, monarquia, fascismo, república, democracia…
 
                                                      
 
A matança de Estado é arquivada. Não passara da acção de uma quadrilha de bandidos desesperados comandados por um “louco sanguinário” (citando Pisciotta), de seu nome Salvatore Giuliano. O resto eram teorias de conspiração. Nada de cuidado.


 

 

sexta-feira, 25 de setembro de 2015


        CRÓNICAS DE UMA CONSPIRAÇÃO  SICILIANA

                            (PARTE UM)

 
                                   


A ameaça comunista latente no imediato pós-guerra siciliano inspirava às forças conservadoras a prioridade de eliminar o chamado perigo vermelho e assim restabelecer os equilíbrios e obediências sociais e políticas tradicionais da ilha, uma acção já em marcha ainda antes da queda do fascismo. O objectivo principal consistia fazer reemergir algumas figuras esquecidas desse mesmo fascismo.
 
 
Os ditos especialistas sicilianos da violência, caídos em desgraça durante o regime fascista e praticamente desaparecidos do mapa começavam a reaparecer à luz do dia.
 
 
Em siciliano calati iuncu ca passa la china queria dizer que o canavial deve flectir e dobrar-se à passagem da enchente do rio, para se reerguer logo a seguir à força toda. Durante os muitos anos do governo fascista foi esta a palavra de ordem nos meios mais obscuros da violenta tradição siciliana. Governo fascista que, diga-se, perseguiu caninamente a Mafia. Mafia que, diga-se, no sentido de restaurar o seu tradicional e sangrento poderio, e valendo-se de um também atávico e tradicional secretismo, foi parte decisiva das redes de informação e inteligência (com o célebre gangster mafioso “nova-yorquino” Lucky Luciano a servir de agente de ligação) que possibilitaram o desembarque na Sicília das tropas americanas e britânicas.
 
 
Porque nas esferas de decisão mais altas se concluíra que para reprimir as revindicações camponesas da região não era bastante o recurso à força policial, ou mesmo militarizada. A cada incidente violento protagonizado pelas forças da ordem na via pública novos clamores populares se levantavam e os sentimentos de revolta se reavivavam originando sangrentos contra-golpes.
 
                                                        
 
Os grandes agrários, a aristocracia, os do partido monárquico e os círculos conservadores da alta burguesia constituíam, dizia-se, o fiel dos equilíbrios políticos tanto regionais como nacionais.
Papel fundamental no conflito siciliano vai ter o Ministro do Interior Mario Scelba, não por acaso também ele siciliano, e que ocupará o cargo por sucessivas legislaturas, sobrevivente a todas as remodelações de governo – chegará a ser primeiro-ministro em 1954 e 1955.
 
 
Um uso calculado e prudente da violência policial em conluio estratégico com os poderes obscuros mas organizados da violência marginal e mafiosa era a receita indicada.
 
 
Nos dias 20 e 21 de Abril de 1947 os sicilianos foram chamados às urnas para eleger a primeira assembleia regional. O chamado bloco do povo, com comunistas e socialistas coligados obtém uma vitória tão inesperada quanto sensacional, chegando aos 29,13% dos votos. A Democracia Cristã, até então crónica vencedora, remete-se ao segundo lugar com 20,52%. É um escândalo eleitoral no contexto político siciliano, o que faz soar o alarme para as próximas eleições nacionais agendadas para daí a um ano, Abril de 1948.
 
 
Era preciso agir, pensavam as hostes conservadoras. A tensão sobe vertiginosamente na Sicília depois da vitória da esquerda, prenunciadora, naquele quadro de transformação do imediato pós-guerra, de sérios revezes para os equilíbrios políticos e sociais tradicionais na região.
 
 
Comunistas e socialistas apresentavam-se com todas as condições para repetir em 48 o êxito eleitoral de 47. Impunha-se uma acção dissuasora capaz de desmobilizar os votantes esquerdistas e fazer inflectir a tendência eleitoral de forma a reconduzir a Democracia Cristã ao lugar que lhe é histórico de força política dominante e até aí indiscutível.
 
 
         O bandido Salvatore Giuliano (Turiddu) tem contactos com as mais gradas figuras aristocrático-conservadoras (ou neo-fascistas) que se constituem como as reais forças vivas e actuantes do tecido social siciliano, nelas incluídas as ramificações da Mafia infiltradas na aristocracia e na burguesia agrária, alguns agentes do governo central e dos serviços secretos italianos e americanos – é Mike Stern, agente dos serviços secretos americanos (OSS) sob a cobertura de jornalista, chegado à Sicília em 44 com as tropas aliadas, que começa a construir o mito Salvatore Giuliano, fornecendo apoio táctico-político, logística e armas.
 
      

              
 
Giuliano, ainda que teoricamente um marginal de vida clandestina, ouvia todos e era recebido e ouvido por todos. Um bandido notório e tolerado, mesmo enquanto autor de roubos, emboscadas às forças da ordem, raptos de personalidades e um rôr de crimes de sangue.
         Recebido nos salões, é-lhe sugerida a organização de uma acção de força exemplar preventiva de novos sucessos eleitorais da esquerda vermelha para o ano seguinte. Era preciso conter o poder eleitoral das massas, a deriva progressista era inaceitável. Pede-se uma coisa em grande. Uma acção muito violenta. O povo teria de se sentir aterrorizado e cair em si na hora de votar. De contrário, a sagrada estabilidade político-social corria grande perigo.
 
                                                                   
 
         Antes de mais, e recorrendo sem peias a métodos violentos, a seita de Giuliano devia garantir que a nenhuma força política, à excepção dos democratas-cristãos e dos monárquicos, seria permitido fazer campanha eleitoral nas zonas montanhosas controladas pela seita e seus associados. Num segundo tempo seria de planear uma cilada em local e em tempo minuciosamente escolhidos.

 
         Giuliano não era facilmente definível em termos político-ideológicos. Evidenciava bastantes simpatias à esquerda, mas, como disse, era recebido e mantinha estreitos contactos com aristocratas e conservadores. Também era adepto do separatismo e chefiava um vago grupo que sonhava com uma Sicília independente – nada mais do que um disfarce para as actividades daquilo que realmente era, uma célula neo-fascista.
         Giuliano aceita o encargo. Com a condição de um perdão oficial de todos os crimes cometidos no seu passado sangrento.
 
                                                                         
 
          Por outro lado, suspeita de que lhe queiram fazer a cama. Os que lhe encomendavam aquele serviço e lhe prometiam mundos e fundos (amnistia e dinheiro) só pensavam em usá-lo e deitá-lo fora, abandoná-lo, queimá-lo depois de feito o serviço sujo.
 
 
         Giuliano sabe melhor que ninguém que há gravíssimas contas a ajustar no cadastro dele, e também por via das ligações escusas que mantém com o neo-fascismo. Vai para seis anos que anda a monte e que as proezas violentas dele (sempre encomendadas e sob cobertura de alguém, ou alguns) têm coberto de ridículo as forças policiais, que há muito lhe juram pela pele. É um bandido famoso, mais ou menos romântico (rouba trigo para matar alguma fome aos camponeses), conhecido não só na Sicília como em toda a Itália, e até no mundo, Salvatore Giuliano, o lendário e temido bandido da Sicília, bem parecido, tipo latin lover, que chama a atenção das revistas americanas.
 
 
         E sabe demasiado acerca das manigâncias políticas e dos crimes daqueles que o recebem, aos quais já prestou fretes sangrentos e naturalmente lhe fazem vista grossa ao passado. Tanto assim que já chegou a receber nas montanhas, e a entender-se, com altas figuras oficiais, o inspector-geral das polícias, Ciro Verdiani, o procurador-geral de Palermo (nem menos), Emanuele Pili.
 
 
No dia 1º de Maio de 1947, a planura siciliana entre montanhas de Portella della Ginestra é cenário de uma manifestação de camponeses da região. Centenas de bandeiras do Partido Comunista e do Partido Socialista vibram ao vento.
 
 
Desde a proclamação da república em Itália é a segunda comemoração da festa do trabalho depois que as eleições regionais consagraram a vitória do dito bloco do povo (coligação PCI-PSI) sobre a perpétua preponderância política do partido da Democracia Cristã.
 
 
A jubilosa manifestação desenvolve-se e avança no terreno agitando vitoriosamente as bandeiras vermelhas, cantando a Internacional, quando as rajadas de metralhadora Breda, de alto poder de fogo, disparadas da montanha começam a varrer os manifestantes. Onze mortos: nove camponeses e duas crianças; cinquenta e sete feridos.
 
 
Os disparos são atribuídos às seitas de bandidos sicilianos a actuar em colaboração com um comando de assassinos profissionais a soldo da Mafia.
 
 
O chefe dos bandidos era o já então famoso Salvatore Giuliano (também operaticamente chamado Turiddu), um homem que muitos olhavam como comunista, conhecido como era o ideal que proclamava de distribuir pelos camponeses esfomeados a parte das terras não cultivadas dos grandes proprietários da região.  
                                                                                                    
 
O morticínio de Portella della Ginestra é o primeiro assassínio em massa da História da república italiana – chamam-lhe uma chacina de Estado. Marca também os primeiros alvores de uma estratégia americana de guerra fria anti-comunista.
 
                        
 
                                                                                   
 
De notar que dois meses antes do massacre a Assembleia Constituinte da nova república italiana começara a gizar um projecto de nova democracia assente num pacto de regime entre as principais forças político-sociais mais empenhadas na resistência ao fascismo e ao nazismo, socialistas, comunistas e católicos. O sangrento episódio de Portella della Ginestra serviria, entre outros desígnios, como tentativa de liquidação do dito projecto constitucional para uma nova era da vida política italiana. O atentado ao chefe comunista Palmiro Togliatti, no ano seguinte (14 de Julho de 1948), iria no mesmo sentido. 
         Nos meses que se seguem, Salvatore Giuliano sente-se muito só, abandonado, perseguido. Abandonado pelos políticos e pelos mafiosos e perseguido pelas forças da ordem.

 
 
         Disse-se que montava a cavalo e corria pelas montanhas como um lobo raivoso. E é nesse estado que começa a enviar mensagens à imprensa. Há quem diga que perdeu qualquer contacto com a realidade. Desconfia de tudo. Desconfia de todos. De todos, excepto de um, o seu fidelíssimo primo e guarda-costas Gaspare Pisciotta.
 
 
         Giuliano passa à chantagem. Das montanhas de Montelepre, escreve aos parlamentares sicilianos em Novembro de 1948: nas nossas zonas de influência votámos sempre em vós e assim mantivemos a nossa promessa. Toca a vós manterem as vossas.
 
 
         Abril de 1949. A seita de Giuliano assalta um quartel, mata uma quantidade de carabinieri e manda uma carta aberta aos jornais, desafiando uns quantos ministros a cumprirem o que lhe prometeram pelo serviço efectuado, indo ao ponto de ameaçar com um golpe de mão e instalar-se em Roma, no Palazzo Chigi (sede do governo).
 
                                                        
 
         Um senador comunista, Girolamo Li Causi, desafia-o por seu turno a divulgar publicamente os nomes dos mandantes da carnificina de Portella della Ginestra. Em resposta, o bandido escreve ao Unità, órgão oficial do Partido Comunista Italiano, e aponta o dedo ao ministro do Interior do governo de De Gasperi. Mario Scelba. Scelba quer eliminar-me porque o tenho na mira para lhe atribuir responsabilidades tais que não só lhe podem destruir a carreira política como até custar-lhe a vida.
 
 
         Em Janeiro de 49, o caso ainda corre nos tribunais e um humilde pastor declara ao juiz de instrução de Palermo um facto por ele testemunhado:
         - Foi no dia 28 de Abril, lembro-me muito bem, três dias antes, portanto, das mortes em Portella. Em Saraceni, Giuliano encontrou-se com o cunhado, Sciortino Pasquale, recebeu da mão dele uma carta, afastou-se enquanto a lia, acendeu um fósforo e queimou-a logo ali, e virou-se para os homens dele e disse-lhes que a hora da libertação deles tinha chegado e que no dia primeiro de Maio iria tudo para a Portella della Ginestra atirar aos comunistas.
         Para os autos foi ditado: Que a carta tenha alguma relação com o delito que pouco dias depois terá sido consumado por Salvatore Giuliano à frente do seu bando não parece ser de pôr em dúvida por este tribunal.
                                                      
 
         Há investigações a apurar que Giuliano tentara negociar em secretamente com alguém, em troca da acção na Portella, a libertação de alguns dos seus parentes presos, para além, claro, da impunidade para si. As negociações incluíam garantias de poder sair do país com larga soma em dinheiro nos bolsos. 
No dia 20 de Junho de 1950, Giuliano assina um memorando entregue ao procurador-geral de Palermo, Pili, no qual se declara como responsável único pela chacina de Portella.
Comete um erro. Um erro que lhe poderá ser fatal. Era a última hipótese de chantagem que lhe restava, transferir as principais responsabilidades para o mandantes secretos do crime, pessoas de quem mais dia menos dia poderia citar publicamente os nomes. Ora desde o momento em que passa a escrito a sua total e única responsabilidade no crime, ainda que continuando obviamente a saber quem lhe encomendara o serviço e continuando a poder em qualquer momento revelar a identidade desses mandantes altamente colocados, tal revelação perdia força e descredibilizava-o por dar o dito por não dito se lhe passasse algum dia pela cabeça vir a público com a mesma questão.
 
 
No dizer de alguns, Giuliano passará, a partir desse dia de Junho de 1950 a ser olhado como “um homem morto que anda”.
Desencadeia-se então uma compita entre a polícia e os carabinieri. Quem conseguirá a honra de se fazer fotografar ao lado do cadáver de Salvatore Giuliano?
 
 
O Unità escreve: Giuliano sabe tudo e será morto por isso. Giuliano sabe demasiado e não haja dúvida de que se lograrem prendê-lo ele falará.
 
 
         Na noite de 4 para 5 de Julho de 1950, Salvatore Giuliano é assassinado.
         Versão oficial (como em todas as conspirações): atingido durante uma troca de tiros com as forças da ordem.
 
 
         É um jornalista do L’Europeo que descobre a personagem capital de Gaspare Pisciotta, o primo de Giuliano que dormiu com ele nessa noite. Certas fontes (sempre secretas, nunca identificadas, nunca confirmadas) atiraram culpas para Luciano Liggio, jovem killer da Cosa Nostra, enquanto outras afirmaram que nessa noite, Pisciotta se teria limitado a abrir a porta do quarto ao mafioso quando o serviço já estava feito.
 
                                                                       
 
         Fosse quem fosse que tivesse liquidado Salvatore Giuliano estava sob a alçada da lei, e sem dúvida que quem quer que tivesse acabado com Giuliano o fizera por encomenda e com garantias de protecção e impunidade.
 
 
         Há quem ridicularize as teorias da conspiração (em primeiro lugar quem dessa conspiração pode beneficiar), tão intrincados e inverosímeis alguns acontecimentos da vida política se nos afiguram. No caso vertente foi ideia generalizada entre os jornalistas em serviço de reportagem por terras de Montelepre tratar-se de outro crime de Estado.
 
 
Ou seja, crimes e razões de Estado umas sobre outras. Dissuasão dos eventuais votantes socialistas ou comunistas com prejuízo político da Democracia Cristã, força política dominante em Itália (então e por muitos mais anos enquanto partido que se confundia com o próprio Estado, ou como a ditadura instalada no seio da democracia), no crime de Portella della Ginestra; crime de Estado que começa na ordem para disparar sobre o povo; e crime de Estado que alastra sobre a razão de Estado de preservar a lei do silêncio (omertà siciliana) ao mandar disparar sobre quem disparou sobre o povo; e crime e razão de Estado, finalmente, um pouco mais tarde, ao continuar a ordem de eliminar quem eliminou o assassino de Portella.
 
 
Mas é esta a lógica secreta da vida política mais obscura, a que não vem nos jornais e não aparece na televisão. São estes os seculares e normais procedimentos na ordem dos atentados políticos.
 
 

 

                         CONTINUA