SINATRA & FRIENDS
Escrevi
aqui há dias da história da cabeça do cavalo, mas não contei tudo a respeito
das ligações de Frank Sinatra aos amigalhaços da Mafia.
Vem
ao caso, claro que vem, a Mafia e os mafiosos-modelo que inspiraram tantos
neste nosso soalheiro Portugal…
E
então, digamos que a primeira decisão do produtor da Paramount Robert Evans e
do seu jovem realizador europeu pouco menos que desconhecido chamado Roman
Polanksy para o projecto de filme Rosemary’s Baby – em português A
Semente do Diabo – foi contratarem para o primeiro papel feminino uma
rapariga decerto inexperiente como actriz, mas acabadinha de casar com Frank
Sinatra, chamada Mia Farrow.
Para conseguir de Mia
Farrow a expressão que queria, Polansky chegava a fazê-la repetir um plano 30
ou mais vezes, o que deixava a moça estafada.
Um
dia, terminada a sessão, um representante do marido de Mia Farrow apresenta-se
a um dos chefes de produção da Paramount e recomenda-lhe que ordene a Polansky
que se contente com dois ou três takes de cada plano, em lugar da
brutalidade dos 30. Era bom que as coisas se passassem como queria o marido de
Miss Farrow. E se tal não acontecesse esse chefe de produção da Paramount
arriscar-se-ia a passar uns tempos num hospital com as pernas partidas.
Por
sinal, nos anos 70, com relações de proximidade à entourage do presidente Nixon, diz-se que Frank Sinatra influenciou
o Departamento de Justiça no sentido de deixar de utilizar oficialmente os termos
“Mafia” ou “Cosa Nostra”, é é então que começa a organizar grandes festas de
caridade a favor dos mafiosos presos.
Havia
de certo modo um lado moral nas ligações de Sinatra aos gangsters, porque os via revestidos de alguma legitimidade. Era
amigo tanto de poderosos e notáveis deste mundo quanto de assassinos e vigaristas.
Entendia que a Mafia não era a peste que diziam ser e caucionava-a por
intermédio da sua celebridade artística.
Claro
que, à semelhança de George Raft, Sinatra gostaria de ter sido chefe mafioso. O
colega Bing Crosby assim pensava. E não pensava mal. O próprio Sinatra teria
confirmado a outro colega, Eddie Fisher, que teria preferido ser um padrinho da
Mafia a presidente dos EUA. Mary Sinatra, a mãe, já tivera ligações mafiosas,
sim. Mas um dia fora espancada à matraca. Não me perguntem porquê. Só sei que
foi durante uma operação de desembarque de álcool de contrabando.
Como
Sinatra prezava os fracos e oprimidos, eis por que muda um dia de ideologia
política - chamemos-lhe assim –, deixa o pessoal de Nixon e volta-se para o
Partido Democrático. (Aliás, por onde já andara, tanto quanto me lembro nos
tempos de Kennedy.) Para Sinatra, a Mafia tomava o partido dos humildes, dos
que mal tinham direito à justiça oficial - justiça oficial que, de resto,
Sinatra detestava. E também apreciava muito a particularidade de a Mafia
desprezar as convenções sociais.
Indo
aos princípios, diga-se que para finais dos anos 40, Lucky Luciano destacou um
dos seus homens mais novos, chamado Fischetti, para se ocupar da carreira de
Sinatra. No entanto, e a dar-se o caso de o desenvolvimento da carreira de
Sinatra precisar de um empurrão mais para o duro, havia de reserva Sam
Giancana, padrinho de Chicago, antigo soldado de Capone, provavelmente um dos
falsos polícias que naquele dia 14 de fevereiro de 1929, de S. Valentino, entrou
a matar na garagem que era o cóio habitual do gang de Moran, rival de Capone.
Havia
até de parte, nos cofres mafiosos, um fundo de 60.000 dólares, reunido através
de quotizações, para ajudar a carreira de Sinatra - isto dito pelo próprio
Lucky Luciano pouco antes de entregar a alma ao Criador. E como curiosidade,
seja também dito que o avô de Frank Sinatra habitara a mesma aldeia onde
nascera Lucky Luciano.
A
divida de Sinatra ao gangsterismo era impagável – tanto a material como a moral,
evidentemente. Mas engane-se quem pense que foi Sinatra o único a ver a sua
carreira avançar graças à Mafia. Que dizer dos Irmãos Marx? Que dizer de Cary
Grant, de Clark Gable, de Gary Cooper? E de Ronald Reagan e de Ed Sullivan. E
de um certo Dino Crocetti, do Ohio, mais conhecido por Dean Martin…
E
sabe-se lá de quem mais. As actrizes, por sinal, em termos de ajuda à carreira,
não eram muito do agrado dos homens da Mafia. Engraçado. E significativo. Consideravam-nas
de uma maneira geral esplêndidas idiotas…
Era
o famoso Johnny Rosselli que em Hollywood fazia de talent scout,
marcando aqueles que no show business revelavam um talento fora de
série. Rosselli assinalava esse talento, comunicava-o ao boss Giancana. Este, se dava o agrément, encarregava o mesmo
Rosselli de propor o nome do artista a um dos estúdios, sugerindo um contrato.
Sim,
senhoras e senhores, à Mafia devem-se prestimosos serviços à arte dramática e
musical. A Mafia também foi agência artística, também por lá havia gente com
sensibilidade e gosto. Mas com certeza que havia um preço a pagar.
A gente ajuda-os um pouco na carreira, e pronto, eles
pertencem-nos - chegou a dizer o mafioso-mor dessa época, Sam
Giancana.
A
Mafia interessava-se por um artista, abria-lhe as portas, mas fazia-lhe muito
seriamente ver que se um dia a organização precisasse de um serviço dele, ele
nem podia pestanejar. E quanto mais o artista se celebrizava mais o débito dele
crescia nos livros da Mafia.
“Director
de programas de divertimento”: fórmula usada para designar aqueles que no mundo
do espectáculo trabalhavam para a Mafia.
Um
dia, o tal jovem mafioso Fischetti que tratava da carreira de Frankie
telefona-lhe e diz:
- Sabes, agora estou à testa do night club do
Fontainebleau Hotel, de Miami, e um dia destes vou até Cuba, queres vir daí
comigo?
Estava-se
em 1947. E Fischetti tinha-se esquecido de comunicar a Frankie que nessa mesma
data, em Havana, iria realizar-se um encontro do mais alto nível de mafiosos, e
que esse encontro seria também ocasião para uma homenagem a Lucky Luciano que
por lá andava de férias – ou, dito de outra maneira, que para lá estava
exilado.
No
processo de 1981 sobre as actividades mafiosas, a correr por iniciativa do
Gaming Control Board, de Nevada, Sinatra presta declarações: a sua ida a Havana
em 1947 não se destinara a nada mais do que a apanhar um bocado de sol.
É que, pouco antes de
apanhar o avião para Havana em Fevereiro de 1947, Sinatra fora cantar a um
casino da Florida, propriedade do mafioso judeu Meyer Lansky, e pernoitara na
mansão de Lucky Luciano em Allison Island, junto a Miami Beach. O que ele não
sabia era que andava a ser espiado por agentes do FBI.
Sinatra era um dos que
levava uma mala de grande porte. Segundo os bófias, cada uma dessas malas
conteria à volta de 6 milhões de dólares em notas. Interrogado a respeito da
mala, Sinatra diz que era a sua mala das tintas e dos pincéis, dado que tinha
como hobby a pintura a óleo. Aldrabice. Nancy, uma das mulheres dele,
viria a declarar que ele só se começara a interessar pela pintura lá muito para
o fim desse ano de 1947.
Apesar de as proteger,
Sam Giancana, o grande patrão de Chicago, era de opinião que as estrelas de
cinema só serviam para uma coisa de realmente útil à sociedade: transportar
malas de dinheiro de um lado para o outro, e porque toda a gente ficava
especada a olhar para a estrela, ali, em carne e osso, e a pedir-lhe
autógrafos, e ninguém lhe reparava na bagagem. É Jerry Lewis que em 2003 virá a
declarar que Sinatra fazia muito esse trabalho de transportar dinheiro. Um dia
ainda foi detido. Levava na mala 3,5 milhões de dólares em notas de 50.
Voltando a Havana, a Mafia mandara reservar no Hotel Nacional, 37 suites. Tratava-se de um acto de vassalagem de todos os chefes mafiosos ao capo di tutti capi, Luciano: lá estavam Accardo, Anastasia, Frank Costello, Santo Traficante, Vito Genovese, Lucchese, Carlos Marcello. Também vinha um actor de 2º ordem, embora então muito popular, Bruce Cabot.
Este encontro de mafiosos inspirará a segunda jornada da saga de O Padrinho, quando Michael Corleone vai a Havana visitar um gangster exilado, de nome Hyman Roth.
Foi nessa reunião de
Havana de 1947 que Lucky Luciano assinou a sentença de morte do gangster cujo calibre era tal que
vigarizara a própria Mafia em nada menos de que 600.000 dólares, Bugsy Siegel,
pouco depois assassinado com tiros nos olhos.
Calhou
que a secção de narcóticos do FBI tinha dois informadores no Hotel Nacional de
Havana, um groom e um assistente de quartos. Ambos tomavam boa nota das
idas e vindas deste e daquele à suite do 7º andar, que era a de Luciano. E
havia fotos. E já se deixa ver que entre este e aquele que ia e vinha ao
beija-mão estava o nosso artista, cara conhecida, imediatamente referenciado
pelo FBI. Embora não fosse propriamente Sinatra o que mais interessava ao FBI.
Foi
numa época em que no FBI havia quem não acreditasse na realidade palpável do
crime organizado – ou tão bem organizado. E o primeiro a dizer que o crime
organizado não existia, ou existia mas pouco organizado, é o chefe máximo do
mesmo FBI, J. Edgar Hoover.
E
porque dizia ele uma enormidade dessas?
Porque
nem ele escapara à alçada da Mafia. Porque a Mafia o ameaçara? Sim. De quê? De
morte? Não. Pior do que isso. Ameaçara revelar-lhe a homossexualidade.
Foi
preciso que 58 mafiosos fossem presos em Nova York, dez anos depois, para
Hoover admitir que se enganara. Quer dizer, enganar-se não se enganou ele…
Em
Havana, Sinatra alinhou para todo o lado de braço dado com Lucky Luciano, no
casino, nas corridas de cavalos, às refeições, nas noitadas com raparigas.
Sinatra
era uma figura pública. A imprensa entendia que lhe ficava mal alinhar com
tipos daqueles, ele, de cujas canções a juventude ficava suspensa. Era uma
questão de moral para quem (segundo alguma imprensa dizia) deveria ser um
agente da educação dos jovens americanos.
Não
é preciso dizer que Frank Sinatra passou a vida a negar ter voluntariamente
frequentado gangsters de alto
coturno. Vem a dizer que só encontrou Luciano duas vezes durante a estadia
cubana. E que só lhe dirigiu a palavra por uma questão de boa educação. Que
quando apertava a mão a uma pessoa não lhe passava pela cabeça pôr-se a
investigar o passado dessa pessoa.
Em
1962, em Nápoles, na casa de Lucky Luciano, a polícia encontrará uma cigarreira
de ouro com as seguintes palavras gravadas: ao meu camarada Lucky, do seu
amigo Frank Sinatra – pois foi, a pepineira
das fotografias que se tiravam naqueles encontros de mafiosos foi por muito
tempo o calcanhar de Aquiles de Sinatra.
Também anos depois, em
1978, numa audiência preliminar na comissão do Senado para o controlo do jogo
ilegal, há exibição de fotos, e Sinatra aparece aos abraços e aos beijos a
Carlo Gambino (patriarca da família Gambino), Paul Castellano, Jimmy Fratiano.
Sinatra alega não conhecer as pessoas que aparecem nas fotos. Jimmy Fratiano,
ouvido pela comissão, declara que sim senhor, conhece Frank Sinatra desde os
anos 50. Sinatra recalcitra: são os encontros normais da vida artística. Não
sabe nada do passado das pessoas que lhe pedem para tirar fotografias com ele.
Certo
dia sai no New York Mirror uma crónica cultural em que um crítico de cinema
chamado Mortimer lhe chama Frank (Lucky) Sinatra. Sinatra procurou o tal
Mortimer, aplicou-lhe um murro e teve de lhe pagar 9.000 dólares de
indemnização. Mais tarde, esse Mortimer morre de ataque cardíaco. Diz o actor
Brad Dexter, amigo de Sinatra, que este se deslocou propositadamente ao
cemitério onde fora enterrado o jornalista Mortimer para lhe urinar sobre a
sepultura.
Em 63, Sinatra quis
vender à Warner a quase falida empresa de produção de discos que tinha – em 61
zangara-se com a editora e resolvera fundar uma etiqueta própria. Na negociação
com Jack Warner, Sinatra é muito claro. Aquele negócio não tem nada a ver com
os seus amigos de Chicago: ele não quer de maneira nenhuma ter mais alguma
coisa a ver com a Mafia.
Jack Warner pede-lhe para
deixar de se dar com Giancana; pede-lhe para vender as partes que lhe tocam nos
hoteis Cal Neva Lodge, de Nevada e no Sands de Las Vegas. Satisfeitas estas
condições, a Warner comprava-lhe a falida casa de discos por 2 milhões de
dólares, comprometendo-se SInatra a entrar com 500.000 dele e comprar 1/3 do
capital da nova sociedade a criar, a chamar-se Warner Reprise. O milhão e meio
que resta é para ele. E como contrapeso teria ainda o direito de ser
considerado “assistente especial de Mr. Jack Warner”.
Os advogados de Sinatra
arranjam maneira de o cantor ficar ainda mais rico daí a cinco anos quando uma
sociedade de parkings e de agências funerárias relacionada com a Mafia
comprar a Warner Brothers.
Em suma, Sinatra
afastava-se do grande amigo Giancana. Giancana fica para morrer. Que raio de
mafioso de coração de açúcar era ele que se deixava trair por todos, os
Kennedy, naquela história das campanhas eleitorais, como veremos brevemente, e
agora o grande amigo que ele tanto estimava?
Nesse ano de 1963, Sam
Giancana toma a decisão de que nunca quisera ouvir falar: eliminar Frank
Sinatra. Sinatra até já devia estar
morto. Só não estava porque a Mafia da costa leste o impedira.
Calha bem hoje, e porque
também era um dos friends perigosos de Sinatra, determo-nos um bocadinho
sobre esta personalidade, que acaba por ser fabulosa, de Johnny Rosseli.
Já
vimos como ele, de motorista de Al Capone, passa a delegado em Los Angeles e
Hollywood do crime de Chicago, e como ele era homem para todo o serviço que
fosse preciso nas amenas paragens da Califórnia. Mas o homem acaba por
transcender esse papel de factotum da Mafia na indústria do cinema e
aparece envolvido em negócios secretos da mais alta política. E sabe-se disso
quando em Junho de 75, Rosselli é presente ao U.S.Senate Commitee para os
assuntos de espionagem, presidido pelo senador Frank Church.
O
comité do Senado quer ouvir as histórias maravilhosas que Rosselli tem para contar
a respeito das ligações da CIA à operação Mongoose, qualquer coisa como mais um
atentado contra Fidel Castro, um empreendimento conjunto entre a CIA e a Mafia.
Por
volta de Setembro de 1960, os directores da CIA Richard Bissell e Allen Dulles
negociaram com algumas notórias figuras mafiosas, Giancana e Rosselli entre
elas. Objectivo? Assassinar Castro.
A Rosselli são então entregues, no
princípio de 61, umas pílulas envenenadas para deitar no leitinho de Fidel Castro
logo pela manhã e mais 10.000 dólares. Rosselli passa as pastilhas a um tipo
afro-cubano ruivo, chamado Rafael Macho Gener. Com todas as recomendações.
Mas
a Rosselli e à Mafia tanto fazia que Castro fosse assassinado ou não. A ideia
mestra deles era associar a Mafia ao governo americano nesse assassínio de um
líder estrangeiro, e com vista, já se percebe, a aumentar à mesma Mafia a
margem de manobra , de negociação e de chantagem quando fosse preciso.
A chantagem ocorreria , provavelmente, daí a
pouco tempo, quando fosse o caso de assassinar não Fidel Castro, mas o próprio
presidente Kennedy. Chantageada pela Mafia, a CIA encobriria todas as acções
nesse sentido.
E
todos sabemos como Castro – pelo menos aparentemente, e talvez não por muito
tempo – ainda está vivo, e que o presidente Kennedy já está morto.
Portanto, se
as tentativas para assassinar Castro - que foram muitas – falharam, as
tentativas contra Kennedy resultaram em cheio. Mas só à terceira.
Realmente, este rapaz Frankie Sinatra, apesar dos amigos e de tão más companhias, cantava lindamente. E é isso que fica da memória dele antes de
qualquer outra coisa. De qualquer outra coisa de tipo moral. Como acontece com
muitos artistas.
Mas descansem que esta conversa ainda não acaba aqui.
Parabéns Joel! Mais um excelente trabalho. Obrigado
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