SHAKESPEARE
400 – WOODY ALLEN
De Shakespeare Woody
Allen gosta mais da escrita (belíssima, superior) do que do lado teatral dessa
escrita.
Não lhe acha graça às comédias. Magníficos diálogos em comédias
grosseiras, quase estúpidas, popularuchas. Sublimes momentos de tragédia, porém
de organização cénica defeituosa.
Falando de prémios,
não, não dizem nada a Woody Allen, nada de mais, lá ficam nas vitrinas da casa
a encher-se de pó, não mudam em nada a vida do premiado, não lhe trazem saúde,
não lhe prolongam a vida.
Nenhum reconhecimento, nem o mais prestigiante,
afecta a vida que se tem e lhe acrescenta mais conforto ou mais equilíbrio.
Cá por mim, não
estou muito de acordo. Mas também quem sou eu para estar ou não de acordo?
Nunca me deram nenhum prémio – ah, sim, uma medalha militar (se se lhe pode
chamar prémio) que anda aí por casa, sei lá bem onde, a apanhar pó, isso mesmo,
e que não acrescentou nada à minha vida.
Na opinião de Woody
Allen, nem Shakespeare teria achado especial piada aos prémios que lhe dessem –
que não lhe deram.
E nem mesmo as póstumas homenagens que lhe fizeram, e fazem,
significam alguma coisa.
E nem significariam alguma coisa de mais mesmo que ele
fosse vivo e na noite de estreia de Hamlet
lhe chegasse uma valente dor dentes.
Se o público não gosta do teu
trabalho continua a trabalhar. Das duas, uma: ou o público acabará por mudar de
opinião, ou ficarás desempregado, e com razão. E quando os espectadores te
chamam génio tapa os ouvidos e pergunta a ti mesmo: se eu sou um génio, que
diabo de coisa serão Shakespeare, Mozart, Einstein?
Não era que se
considerasse um autor destituído de talento, mas, depois de morto, Woody Allen
não se ralaria muito se lhe pegassem nos filmes e nos negativos e os deitassem
ao lixo – desde que deixassem alguma coisita para os herdeiros, bem entendido.
O grande Shakespeare não está melhor agora do que o escriba sem talento que
escrevia comédias e tragédias na Inglaterra isabelina sem encontrar alguém
disposto a encená-las.
Mais do que continuar a viver na cabeça e no coração do público,
prefiro continuar a viver no meu apartamento.
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