AGUENTAR?
Aguentar. Pois. Ou
como diziam os mais antigos: aguentar e cara alegre.
Sou
dos raros que compreendeu o certeiro e espirituoso dito do banqueiro.
Se
o povo aguenta? Claro que aguenta. Estou com ele. Ou seja, estou com ele,
banqueiro quando diz uma verdade. E estou com ele povo, enquanto aguento.
Os
povos aguentam. Ainda não tinham percebido? É essa, de resto, a missão deles.
Leio,
ou ouço dizer: O GOVERNO ESTÁ A CONDUZIR O PAÍS PARA O ABISMO.
E
pergunto a mim mesmo em que consiste exactamente o abismo para um país
soberano. E a primeira resposta que me ocorre é que o abismo consiste na capacidade
inesgotável do povo desse país para aguentar os actos dos seus maiores.
Leio,
ou ouço dizer: A SITUAÇÃO PODE TORNAR-SE EXPLOSIVA.
Se
é explosiva pode explodir, está para explodir, explodir é a sua condição
natural. E pergunto: o que é explodir (politicamente) em Portugal?
Será organizar
sierras maestras por esse desolado interior? Acredito eu nisso? Não – quanto mais
não seja (que é) porque a revolução está fora de moda, não é politicamente
correcta.
Será formar células
para iniciar a guerrilha urbana? Acredito nisso? Não – e por acrescentadas
razões de incorrecção política.
Será montar
atentados aos governantes responsáveis? E eu acredito nisso? Ora adeus! Claro
que não. E desde logo porque não temos responsáveis. Responsáveis é aquela
espécie de coisa em que o país não pode ser competitivo no mercado das
exportações. Assim como não se arranja petróleo por esses subsolos de Deus,
também à superfície não conseguimos produzir responsáveis.
Leio, ou ouço
dizer: A SITUAÇÃO PARECE UMA PANELA DE PRESSÃO QUE QUANDO REBENTAR NÃO SE SABE
O QUE PODERÁ DAR.
O que pode dar?
Cacos. Estilhaços. Prejuízos.
O que pode dar já
está há algum tempo a dar. Tragédias pessoais. Suicídios. Silenciosos
desesperos. Crises cardíacas. Criminalidade aumentada. Manifestações indignadas
sobre manifestações indignadas. Greves de protesto sobre greves de protesto.
Despejo de velhotas. Fome, fome, fome. Incumprimento por parte das empresas e
do Estado para com os assalariados. Incumprimento por parte dos assalariados
para com os bancos e os senhorios. Depressões assassinas. Escalada da zanga
entre benfiquistas e portistas e concomitantes zaragatas nos estádios. Alguns
vidros partidos em dependências bancárias. Alguns ministros vaiados –
ocasionalmente, e mesmo no limite, apedrejados. Aumento exponencial da
mendicidade. Ódio e más palavras de café sobre a classe politica.
Aguentar é isso.
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