O PAPA?
E
que me importa a mim do papa?
O
que me rala verdadeiramente a mim (que não sou católico, que sou agnóstico
tendência ateu, mas que, bolas!, também tenho uma alma imortal, perdida, seja,
mas alma quand même) é a constante dessacralização da vida em favor
do que chamaram de correcção política, ou correcção dos costumes.
Hipocrisia
por hipocrisia prefiro aquela que tem mais sumptuosas e seculares tradições.
Que
me importa a mim o papa?
Pode,
por mim, ser branco, preto, amarelo, italiano, alemão ou abexim. Que me importa
isso?
Importa
que não havia saída para o Doutor Ratzinger nas vestes de Bento XVI, e sendo o
ambiente vaticano aquilo que é hoje – e que talvez tenha sido sempre, mas só
agora, por via da correcção, os sacros desvarios estão a vir à luz.
Não, não havia
saída para o Doutor Ratzinger: ou morria de repente, como o seu falecido colega
João Paulo I; ou resignava às boas, ainda que fosse esse o cenário menos comum
e menos esperado de há seiscentos anos para cá.
Não sei se foi
melhor assim se não foi. O que eu, alma extraviada mas alma, digo, é que este é
mais um grande passo da iconoclastia, e dado pelos próprio ícones. Digo que a
dessacralização da vida ganhou novos alentos com a resignação a que provavelmente
obrigaram o Doutor Ratzinger enquanto beatíssimo padre, enquanto santidade,
enquanto sucessor de Pedro, o popular pescador, enquanto infalível vigário de Cristo
nesta desgraçada terra.
Até por aqui se vê
como a marcha da dessacralização da vida é irreparável: o papa pode ser um homem
como os outros, um Doutor Ratzinger, intelectual avelhentado.
E mais um valor
sagrado da vida cai em fanicos.
Os valores ditos
sagrados, indiscutíveis, porque sim, da vida de cada dia vão deixando de o ser: o
emprego – e respectivo salário, que pode ser pago ou não pago de um dia para o
outro; a casa onde vivemos a maior parte da nossa vida – e de onde podemos ser
corridos de um dia para o outro; a boa educação que nos deram (e até a má) –
que passou a ser vista como démodé,
atitude fascista (no mínimo reaccionária); a família constituída – que se desfaz
com facilidade; a mãe – que hoje se pode assassinar sem medo dos infernos, tal
como o pai, tal como o próprio filho, e sem que o chão se abra aos pés do
assassino; a mulher – em quem se pode bater, ou até matar, sem se ser fulminado
por um raio vindo do Altíssimo; a vida privada – constantemente escrutinada
pelos grandes irmãos omnipresentes, omniscientes; as dívidas – que se podem
contraír, mesmo sabendo que nunca se poderão pagar; a palavra – que os ventos cada
vez levam mais depressa para longe, muito longe…
E mais? Oh, sim,
muito mais…
Se eu considerar
como valor sagrado, e hoje banalizado, o sexo… será que me levam muito a mal?
E se eu disser o
casamento? Também me levam a mal e me chamam fascista?
O papa? Que me
importa a mim da cor do papa…
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