A NOVA ORDEM GLOBAL DO
ÓPIO
Sabendo o que sabemos da presente conjuntura do mundo e da vida, ou, enfim, do dinheiro e suas aventuras, não percebo toda a espanto-indignação ao sabermos que a troika quer ir às economias dos pobres cipriotas. O capital é danado de ganacioso. E de invejoso de alguma camisita lavada de um pobre…
Vamo-nos deixar de histórias da carochinha quanto às maravilhas inebriantes da globalização e deste mundo novo, minhas senhoras e meus senhores. As maravilhas da globalização são maravilhosas, e propagandeadas como maravilhosas, pela liberalidade e impunidade que os estados garantem às várias redes do crime a operar globalmente.
O Monde Diplomatique, no ano 2000, escrevia: ao permitir que o capital flua sem controlo
de um extremo a outro do mundo, a globalização e o abandono da soberania
juntaram-se para promover o crescimento explosivo de um mercado financeiro fora
da lei. É um sistema coeso, intimamente ligado à expansão do capitalismo
moderno e baseado na associação de três parceiros: governos, multinacionais e
máfias.
Pois é, a nova ordem está aí a rebentar – ou já aí está. E pelo andar dessa carruagem nada garante que essa nova ordem seja melhor para o cidadão comum do que a velha. Porque há jornalistas internacionais que se dedicam à investigação, que descobrem coisas escondidas que nunca são desmentidas, que publicam livros com os resultados dessas investigações e que nos põem a alma e a cidadania num inferno.
A guerra do Kosovo existiu, ou teve como
causa, diferendos relativos ao tráfico de droga. Onde é que cabe na cabeça de
alguém que uma guerra e os consequentes morticínios e genocídios possa
acontecer em razão de um fenómeno que para nós, cidadãos portugueses
despreocupados (e menos, e pior informados, tenho a certeza disso, do que
quaisquer outros) entendemos como próprio de marginais inclassificáveis, e só
com importância real quando temos filhos adolescentes, quer dizer, uma importância
situada, reduzida ao nosso pequeno mundo pessoal e familiar… sim, onde é que
cabe na cabeça de alguém que o que move os drogados do Casal Ventoso ou da
Curraleira, possa dar lugar a uma guerra de contornos europeus - ou, quem sabe, um dia, mundial.
É que, com os lucros do tráfico de droga, vêm
por acréscimo os lucros do contrabando de armas. Uma coisa está intimamente
ligada à outra. E se uma coisa se liga com a outra, para haver lucro no contrabando
de armas tem que haver guerras, e para haver guerras, pensavamos nós, teriam de
se reunir poderosas razões de alta política e haver lesão de interesses dos
povos. Mas parece que não. Parece que as razões da alta politica e do interesse
dos povos são invocadas como biombo para as verdadeiras razões de uma guerra
moderna, e que serão, ou poderão ser, afinal de contas, os interesses dos
poderosos grupos económicos privados.
Na guerra do Kosovo, pelo que tomo
conhecimento no livro acabadinho de ler do conhecido jornalista internacional
Daniel Estulin, Os Senhores da Sombra (editado pela Europa-América), um papel determinante caberia a Albânia, país
dominado por grupos organizados do crime, que lá cultivam, processam e
armazenam uma enorme percentagem das drogas a comercializar na Europa
ocidental. Seria o lucro desse negócio a financiar os rebeldes do Kosovo.
Lê-se no livro de Daniel Estulin (há quem diga
que trabalha para os serviços secretos russos, não sei): pondo de lado os
contos de fadas populares, a guerra do Vietnam foi sobre drogas. Os franceses
foram expulsos e o consequente vazio foi imediatamente preenchido pela CIA, que
assumiu o comércio da droga, o processamento e a distribuição. Nesta simples
perspectiva pouco fica para visões idealistas da guerra do Vietnam como o
conflito entre o Bem e o Mal, a Velha Glória contra a Foice e o Martelo, etc.
Talvez seja exagero. Digo eu. Mas diz ele
ainda que as forças armadas são alimentadas, e bem, a dinheiro. Compete-lhes
assegurar os recursos e manter operacionais os mercados. Guerra e drogas podem
formar um par indivisível.
Pois, o Afeganistão. A ideia mestra, no dizer
de alguns jornalistas internacionais, é uma ocupação para proteger a zona mais
lucrativa de tráfico de drogas deste mundo.
E
se me dissessem que a principal actividade da CIA está relacionada com os
negócios da droga eu não acreditava. Mas quando leio a transcrição da exposição
que um tal senhor Michael Ruppert enviou ao congresso dos EUA fico na dúvida.
Fui detective de narcóticos na
polícia de Los Angeles e posso garantir sem dúvida alguma, e com provas, que a
agência (CIA) trafica drogas neste país há muito tempo.
A CIA traficou drogas durante a época do
famoso caso Irão-Contras? Sim. Segundo um escrito do personagem principal do
caso, o coronel Oliver North, de Julho de 1985, 14 milhões de dólares para
adquirir armas para os contras da Nicarágua tinham vindo do negócio das drogas.
Ou
mais: ao longo dos 50 anos da sua existência, a CIA não deixou de traficar
drogas. Designadamente, como já se disse,
nos tempos da guerra do Vietnam.
A CIA seria responsável pelos principais
movimentos da droga por esse mundo, tanto quanto pelas operações de
branqueamento dos lucros. De cada vez que a CIA entra em acção num cenário
critico por esse mundo de Deus acontece uma explosão de heroína na região.
Se o Iraque nunca foi uma entidade de primeira
plana nos assuntos da droga, é hoje uma zona fulcral de escoamento da heroína
afegã – diz o Conselho Internacional para o Controlo dos Narcóticos.
Ingenuamente, perguntaram a John Gotti Jor.,
um dos grandes patrões da Mafia americana, se afinal negociava ou não com
narcóticos, ao que ele replicou: não, de maneira nenhuma, ninguém consegue
nesse ramo fazer concorrência ao governo.
Num relatório de um Inspector Geral da CIA,
pode ler-se que o governo do EUA teria facilitado o tráfico de drogas. A CIA e
o Departamento de Justiça produziram um memorando permitindo à CIA ajudar os
aliados dos EUA a traficarem drogas sem dar satisfações – e, suponho eu, com
vista ao seu auto-financiamento.
Coitada também da CIA… como se dos serviços
secretos desse mundo fosse só ela a ter as culpas todas do cartório. E o MI 6
inglês? E a Mossad israelita? E a DGSE francesa? E o FSB russo?
O Monde Diplomatique fala dos serviços
de informação dos EUA, de bancos, e multinacionais como actores na rede global
de lavagem de dinheiro.
Cartéis, especulação com informações, balanços
fraudulentos, subtracção de fundos públicos, espionagem, chantagens – é este o
mundo global, a nova ordem, que nos passa debaixo do nariz, a nós, cidadãos
normais tapadinhos de todo; um mundo global (e ainda por cima, ou por isso
mesmo, em severíssima crise financeira) de que os televisões e os jornais não
falam, ou falam muito pouco, e pela rama, e de modo um tanto selectivo – presumivelmente
estão orientados para isso…
Nenhuma das actividades fraudulentas e imorais
de que falei poderiam existir, e acontecer, sem os governos fecharem
piedosamente os olhos.
Um mundo e uma globalização subterraneamente
governados por gangsters o sistema em
que vivemos? Não vejo onde está a dúvida. Basta mesmo olhar para o que se tem
passado à nossa escala pequena e pelintra.
O lucro global gerado pelo tráfico de drogas
pode ascender aos 700.000 milhões de dólares/ano, incluindo ópio, heroína,
cocaína, marijuana, morfina, crack e outros. Demasiado dinheiro para ficar
debaixo do colchão. Demasiado dinheiro para não interferir nos circuitos
mundiais do dinheiro e no mercado dos capitais.
Demasiado dinheiro para não constituir
componente essencial do sistema financeiro à escala global, pela liquidez
rápida que proporciona e que se canaliza para as diversas bolhas financeiras,
em acções e investimentos.
A questão seria saber como é que 700.000
milhões de dólares podem circular no sistema bancário internacional passando ao
lado da vigilância das autoridades nacionais, as mesmas que não nos perdoam um
cêntimo de IRS.
Já houve tempos em que não, mas hoje em dia
negociar com estupefacientes é ilícito, e os lucros do negócio são ilegais. Ora
antes que o dinheiro desses lucros possa ser usado legalmente ele tem que
desaparecer, ser escondido, e depois legalizado, que o mesmo é dizer reciclado
em operações financeiras legais.
Por exemplo, uma empresa pode pedir de
empréstimo a um barão da droga uma enorme quantia a uma taxa de juro inferior,
desde que se comprometa a branquear esse dinheiro sujo, ganhando com isso
milhões. 100 mil milhões de dólares ilegais, portanto inúteis, emprestados a 5%
a uma grande multinacional, transformam-se em dinheiro legal, limpo, e em cash.
Relatório do FMI de 2001 – A produção e
branqueamento do dinheiro da droga é fundamental, porque estabelece canais para
o fluxo de outros lucros provenientes do crime.
Segundo o Foreign Office, a lavagem de
dinheiro processa 1,5 biliões de dólares, o que representa entre 2 e 5% do PIB
global – quer dizer, superior ao PIB de todas as economias do mundo, deixando
de fora as cinco maiores.
Para quem não saiba, o ópio cultiva-se aqui e
ali pelo mundo. Na América da Sul, no Laos; na Birmânia, na Tailândia; no
Afeganistão, no Paquistão, na Ásia Central. Os campos de papoilas florescem
numa faixa de 7.250 km de montanhas desde o sul da Ásia, desde a Turquia,
passando pelo Paquistão. E o ópio é tratado por tribos das montanhas.
Para quem não saiba, a planta dá uma flor, sim, a papoila,
justamente, e depois, uma semana depois, as pétalas da flor caem, e fica uma
vagem que segrega a goma de onde se extrai o ópio bruto. A goma do ópio é
mandada para a refinaria e na refinaria se transforma, por processos químicos,
em morfina e heroína.
Os cultivadores das tribos da montanha são pagos em barras de ouro de um quilo cada,
cunhadas pelo Crédit Suisse. Mas as barras de ouro de peso normal são
comercializadas em Hong Kong pelos grandes comerciantes de ópio bruto, ou da
resultante heroína, já processada por metade.
O ópio em bruto vem pela Turquia, chega, por
exemplo, à Córsega, e processa-se e transforma-se na Europa. Mas no Médio
Oriente há espaços muito lucrativos de refinação de heroína. Na Europa, as refinarias
são referenciadas ali para o sul de França, entre Marselha e Monte Carlo, e
dizem até as más línguas, não se sabe se com verdade, que a própria família
dominante do Mónaco pode estar envolvida no ramo - aliás, segundo leio, o
Mónaco é o centro mundial por excelência no processamento do ópio – o que
dificilmente seria possível sem o conhecimento dos Grimaldi.
E para não fugir
ao âmbito das teorias de conspiração, infelizmente muitas delas com boas pernas
para andar, consta em certos meios que a princesa Grace não foi vítima de
desastre nenhum, foi mas foi assassinada, e porque o marido, o príncipe
Rainier, crendo-se intocável por aquela malandragem do ópio, se tornara demasiado
ganancioso no que respeitava aos lucros da indústria clandestina. Foi a mulher
que pagou aquelas favas. E um indício bem robusto disso é o caso de o automóvel
onde ela seguia, um Rover, continuar a estar sob custódia da polícia
francesa.
Ainda no capítulo da conspiração fala-se da
destruição global da procura.
Para destruir uma economia destrói-se a procura –
nós, portugueses, ainda nos vamos torna catedráticos nessa matéria.
E
promove-se uma transferência de riqueza. Alguns perdem as casas, as acções, o
dinheiro das poupanças, mas atrás desses virão outros que comprarão tudo por
meia dúzia de patacos.
A questão do uso de drogas como garantia de
vantagens económicas pode remontar aos negócios da companhia inglesa das Índias
Orientais, através do contrabando de ópio da Índia para a China. E estou a
falar de fins do século XVII em diante, e
pelos seus bons 300 anos, com milhares de milhões de lucros para as
elites inglesas.
No século XX, os negócios com drogas foram
declarados ilegais. Significa isso que os proventos desse negócio, para serem
efectivos, teriam de ser reintegrados na circulação legal dos dinheiros. Teriam
portanto de ser, como hoje se diz, branqueados, lavados. Era bagatela que podia
montar aos 700.000 milhões de dólares/ano.
Aliás, olha-se para a História e constata-se a
ascensão do Ocidente entre 1500 e 1900. No centro dessa ascensão, de uma
maneira ou de outra, é perceptível o rasto do comércio da droga, e sendo o ópio
a primeira das drogas viciantes a desempenhar o papel principal.
Os europeus produziram e forneceram ópio às
populações que pretendiam subjugar. Até começar a render lucros que
beneficiavam antes de mais as instituições que favoreciam o negócio, companhias
inglesa e holandesa das ìndias, o governo colonial britânico da India.
Império britânico, negócios do ópio e ascensão
do capitalismo foram desenvolvidos a par e passo. E o decaír do império
britânico acompanha a queda do comércio do ópio. Esquisito, não é?
Talvez nem tivesse havido império britânico
sem o ópio. Os lucros do ópio e respectiva exportação pagavam todos os débitos
e proporcionavam abundantes rendimentos.
É que, para os ingleses, o negócio do ópio não
era uma questão de moral. Sim, questão de moral seria ganhar mais ou menos
dinheiro num negócio. O ópio para os ingleses do séculos XVII e XVIII era
também um instrumento da política nacional; era o suporte das finanças
públicas. O comércio do ópio era louvado pelas grandes cabeças economistas
liberais, Adam Smith, Stuart Mill, Thomas Malthus.
Hoje, os milhões da droga circulam imaculadamente pela economia mundial e ajudam decisivamente os mercados financeiros de Wall Street. Não há razão discernível para abolir o comércio das drogas. E quanto mais ilegal melhor.
Mas como é possível que grandes e
respeitabilíssimas instituições bancárias de relêvo planetário participem nos
negócios da droga?
No seu livro, Daniel Estulin esboça, esboça,
apenas, acho eu, um princípio de explicação, que reside no financiar aquisições
legítimas de empresas registadas e licenciadas para actuarem como importadoras
de produtos químicos. Caso do Hong Kong & Shanghai Bank através de uma
empresa esquisitamente chamada de Tejapaibal.
A empresa Tejapaibal importa para Hong Kong os
produtos químicos precisos para processar o ópio bruto e transformá-lo em heroína
através de várias manipulações e sem dispensar o anidrido acéptico – que por
acaso também serve para fazer película de fotografia e cinema e aspirinas. E lá
calha que os mais importantes mercados mundiais de anidrido acéptico estejam no
Afeganistão. Será que no Afeganistão as correntes de ar são fortes e eles se constipam muito?
Outra instituição é o Bank of Nova Scotia, de
Toronto, Canadá. Negociantes de ouro e líderes do mercado do ouro em Toronto, e
banco preferencial das empresas mineiras canadianas e trabalhar em países do
dito Terceiro Mundo.
Vamos lá a pôr os pezinhos na terra: negócio é
negócio; aqui não há moral, a não ser a do lucro máximo; o crime financeiro é
um mercado florescente, e muito bem organizado, que tem a oferta e a procura
como base ideológico-moral de sustentação.
Bom, a cumplicidade entre os grandes negócios
e o liberalismo político-económico do laissez faire governamental
concorrem decisivamente para o crime em larga escala do branqueamento e
reciclagem de lucros fabulosos e ilícitos.
As grandes multinacionais precisam do apoio
dos governos, precisam como pão para a boca da neutralidade das instâncias
reguladoras. De contrário, não se aumentam os lucros – e os lucros,
diversamente dos salários, têm de aumentar constantemente. De contrário, não se
consolidam posições de mercado; não se resiste à concorrência e não se esmaga
essa concorrência. Se os políticos se fingem de mortos por alguma razão é: é
porque sem o apoio e os financiamentos das multinacionais não se mantinham no
poder. É nesta aliança de interesses que se baseia a nova ordem, o maravilhoso
mundo novo, e que assentam as bases do
capitalismo moderno.
Empresas e instituições como o Hong Kong &
Shanghai Bank, o Bank Of Nova Scotia, o Royal Bank of Scotland, o Chase
Manhattan Bank, o Citybank, a General Electric podem obter 40 milhões de lucros
adicionais que provenham do negócio da droga, o que multiplicaria por 20 o
lucro das empresas, gerando um aumento líquido do valor da empresa na ordem dos
800 milhões de dólares.
Em fins de Junho de 99, a Associated Press
informava que Richard Grasso, presidente da Bolsa de Nova York, viajava para a
Colômbia a fim de se encontrar, na selva, com um representante de Raul Reyes,
chefe das FARC, e principal agente narco-terrorista colombiano. Qual o
objectivo da estranha viagem do presidente da Bolsa de Nova York à selva
colombiana? Transmitir uma mensagem de cooperação e discutir o investimento
estrangeiro e o papel das empresas americanas na Colômbia. E que tem a Colômbia que interesse aos
americanos?
Ora… dinheiro. E que dinheiro? Dinheiro da droga. Para cima de um
bilião de dólares acumulados. Wall Street baba-se de ganância sempre que pensa
poder canalizar aquele dinheiro através dos seus respeitáveis mercados
financeiros.
As mais poderosas empresas do mundo podem ter
beneficiado – indirectamente? – dos lucros da droga. E é assustador ler que o
terrorismo internacional e os mercados financeiros teriam por último escopo
assegurar a permanência do capitalismo à escala global. Coitado dele,
capitalismo, tão vilipendiado que tem sido, e que tão desesperado deve andar ao
verificar que a sua lógica de funcionamento é desmascarada a cada um dos dias
actuais e posta em causa como primeira responsável pelas dramáticas condições
mundiais. E também pode ser assustador saber o quanto os negócios da droga contribuem
para a subsistência desse sistema capitalista.
Deve ser a última calúnia que se inventa
contra o pobre desgraçado do sistema capitalista, tão incompreendido, e tão
vítima da ingratidão dos negativistas. E até nem estou a ser por demais
irónico. Quanto do nosso bem-estar material se deve ao facto de vivermos em
sistema capitalista? Quanto da prosperidade de tantas famílias se deve ao
capitalismo? Quantas fortunas vertiginosas são devidas ao sistema capitalista?
Pois não, não passa pela cabeça de ninguém viver
noutro sistema de vida. Socialismo? Comunismo? Não se sabe ao certo. E o que se
sabe, pelo que se sabe, não encorajou ninguém, e até provocou uma crise
ideológico-moral que deixou campo aberto justamente ao capitalismo, e na sua
forma mais agressiva.
Viver em capitalismo sob controlo e regulação
reais de uma entidade moral superior, o Estado, é uma coisa. Viver em
capitalismo quando o Estado se torna demasiado cúmplice e se demite, e
demitindo-se permite a lei da selva na vida quotidiana do cidadão comum, é
outra. E a diferença entre as duas é como do dia para a noite.
Leio que do século XV ao século XX todo o
funcionamento das nações, dos estados, foi assegurado pelo comércio dos
estupefacientes, do ópio, em concreto. Directamente ou indirectamente. Tanto
faz. E se por milénios o ópio serviu fins medicinais, a certa altura da História
descobre-se que a substância cria dependências. É quando começa a dar lucros.
Ironias desta vida.
Fala-se hoje dos narco-estados, a Colômbia, o
Afeganistão. Segundo o livro de que me sirvo, o primeiro de todos os
narco-estados da História tinha a capital em Londres.
Toda essa história das campanhas contra a
droga sempre me cheirou a esturro e hipocrisia, sempre de deu a sensação de que
alguém andava a enganar alguém. Cheirou-me como cheirou a qualquer pessoa que
tivesse reflectido ligeiramente sobre o assunto. Se os governos, as polícias,
os exércitos quisessem acabar mesmo com a droga há quanto tempo não o teriam
feito?
Mas como é que se pode acabar com um negócio
que proporciona lucros das mil e uma noites?
Ninguém vai acabar com a droga enquanto ela
der as fabulosas e rápidas fortunas que dá a ganhar a tanta gente por todo o
mundo. É uma questão de moral. Uma certa e específica moral. A moral que passou, pelos que vemos e ouvimos
todos os dias, a reger o mundo em que vivemos,
E para os governos acabarem com a droga
competir-lhes-ia promulgar leis que obrigassem os fabricantes de uma coisa que
se chama anidrido aséptico – produto indispensável ao fabrico de heroína – a
manter registos rigorosos, por forma a saber-se quem compra o produto, para
quê, para quem e para onde. Claro que, havendo tanta gente poderosa a lucrar
com o negócio, esse governo não teria longa vida.
Ai do 1º ministro de um
governo que tomasse tais medidas legislativas. Seria assassinado no dia
seguinte.
ResponderEliminarIncrível!
Um pouco como a fantasiosa história do comércio português das "especiarias", durante o período dito dos Descobrimentos...
Já agora, que música sugere para servir com este instrutivo texto?