quinta-feira, 18 de abril de 2013


   


         NEM SÓ CAPITÃES HOUVE EM ABRIL

        

É de mau gosto falar em Abril?
Pode ser. Pode ser de mau gosto de falar em algo de belo em tempos de sordidez financeira…
Capitães. Porque quando digo capitães não digo generais, nem coroneis, nem parlamentares, nem chefes de partido, nem autarcas. Quando digo capitães digo coragem, juventude, generosidade, aventura, romantismo revolucionário…
E por falar em Abril… haverá ainda alguma coisa de inconfessável à volta dos acontecimentos do 25 de Abril de tão grata memória para a maioria de nós?
Apareceu escrito (já ninguém se lembra; já ninguém se quer lembrar) que sem uma garantia de não intervenção dada pelos EUA não teria havido 25 de Abril algum. E acho que muita gente pensa há muito tempo: o 25 de Abril, apesar de tudo, tendo sido muito bem cantado, foi pouco ou mal contado, e ainda (trinta e muitos anos passados) há seguramente muita coisa por saber a respeito dele, e há muita gente que já duvida dele, da coragem, da juventude, da generosidade, da aventura e do romantismo revolucionário dele. E também há tempos li em qualquer parte que havia documentos que seriam para vir a público, mas só no século XXI. Pois bem, ele aí está, o século XXI…

Durante muito e muito tempo foi imoral retirar o heroísmo e a generosidade ao 25 de Abril chamando-lhe vulgar golpe de Estado militar desencadeado por razões corporativas…
E quantas mais razões corporativo-militares não haveria hoje, e mais ponderosas (mesmo para militares), para se fazer um pronunciamento, um putsch, um golpe, ou até uma (pequena) revolução? Quantas? 
Pois, eu sei, já não há guerra colonial. As guerras agora são outras. São os tempos. É o tal século XXI…
Mas quantos vinte e cincos de Abril verdadeiramente houve na noite de 24?

                                                                        

À data de 24 de Abril de 1974, a PIDE (por então chamada de DGS), contava com 2162 funcionários, estando 500 deles destacados em Angola e Moçambique. Contava ainda com cerca de 20 mil informadores e para ela também trabalhavam 80 mil legionários, que por sua vez beneficiavam da colaboração de 600 informadores e 200 elementos de uma chamada Força Automóvel de Choque. Nenhum deles pareceu ter-se apercebido de que na noite desse dia ia haver em Portugal um golpe de Estado de uma latitude que mudaria para sempre o país.
(E isto até já me faz lembrar o 11 de Setembro de Nova York. Onde estava a CIA, a NSA, o FBI?)
E desses tantos pides que existiam a 24 de Abril, a revolução, ou o golpe de Estado, já não sei, estranhamente não conseguiu prender mais  de 927.
Quantos vinte e cincos de Abril houve verdadeiramente na noite de 24 para 25?
Que andou a PIDE-DGS a fazer nos meses que precederam o 25 de Abril – e ainda por cima depois do ameaço frustrado do golpe das Caldas? A PIDE, que tudo sabia e que em tudo se infiltrava, seria, afinal de contas, um fantasma ridículo, um tigre de papel?

A PIDE escusou-se a intervir numa conspiração que, para além dos quartéis do país, das ilhas e das colónias, tivera muitas reuniões preparatórias efectuadas não propriamente nas brenhas de uma serra transmontana, mas aqui perto, em casas particulares de Oeiras e Cascais.
A PIDE ignorava piedosamente uma série de movimentações  tramadas por um grupo de funcionários do Estado de médio escalão – os capitães? 
Marcelo Caetano sim, era sabedor das maquinações dos militares. E na ideia de alguns dos capitães de Abril – alguns – pode ter estado a intenção de dar força a Marcelo Caetano na tomada de  medidas necessárias à questão ultramarina. A PIDE teria ordens para não incomodar os militares golpistas mais moderados, chegando a passar-lhes informações sobre quem estava a ser vigiado e quais os telefones que estavam sob escuta. E na hora, a PIDE não incomodou ninguém.
O poder era para caír à rua, ou era para, sofregamente, se conservar nos gabinetes? Primeira questão da nossa moral revolucionária.
A patética preocupação de Marcelo Caetano no quartel do Carmo de que o poder não caísse na rua e a passagem formal desse poder a Spínola, faziam – fariam! – parte dos planos de uma marcação de cena que a PIDE conhecia de gingeira?
Mas a verdade foi que o poder caiu mesmo na rua, e andou algumas vezes bem pelas ruas da amargura.


E essa queda do poder na rua ninguém, por mais optimista ou pessimista (conforme o quadrante ideológico), poderia ter alguma vez sonhado em país de tão brandos costumes – estamos hoje a ver ainda melhor o quão brandos esses costumes são...
25 de Abril? Quantos vinte e cincos de Abril houve antes de nascer o próprio dia 25 de Abril?
Mas nós, que eramos politicamente ingénuos e não estavamos preparados para que acontecesse algum dia alguma coisa de forte na nossa santa terrinha, acreditámos e embarcámos na efabulação mais heróica e generosa da nossa mítica liberdade. Para um povo submetido por 50 anos a uma ditadura, fazerem para ele uma revolução era uma alta questão de moral.
Também ocorre perguntar com um larguíssimo sorriso nos lábios porque é que, na noite de 24 para 25, não estavam no país os nossos mais famosos revolucionários profissionais?


Acho estranho que não soubessem; ou acho estranho que, sabendo-o, não tivessem vindo de escantilhão por aí abaixo e não aparecessem no dia próprio no seu lugar próprio, à cabeça das massas.
Mas afinal ninguém sabia? Nem os defensores nem os inimigos jurados da ditadura sabiam do que se ia passar em Portugal na noite de 24 para 25 de Abril de 1974? Ainda dá para acreditar nisso no dia de hoje?
Os nossos lendários revolucionários profissionais de tantos anos deviam saber de alguma coisa, e deveriam ter chegado pela calada da noite e clandestinamente logo no dia 22 ou 23. Era seu dever sabê-lo. E se não sabiam eram afinal o quê? Revolucionários de água doce? Ou outra qualquer inconfessável coisa? Ou só sabiam que uma bernarda vinha aí, e de efeitos imprevisíveis, e que por isso não valia a pena arriscarem-se a vir de véspera?


E a PIDE? Teria as suas instruções de não intervenção e estaria combinado que as transformações não passariam de uma formal transmissão de poder sem alterações na profunda moral desse poder? E por isso ficou quieta? E quando deu por ela assobiou-lhe às botas, e percebeu que o melhor que tinha a fazer era ou defender-se a tiro ou dar à sola, mesmo sujeitando-se de passagem ao enxovalho de ficar em cuecas no Chiado, a ser apalpada por populares subitamente corajosos.
Houve quem dissesse que os planos operacionais do 25 de Abril não eram assim grande espingarda e contavam com adesões e cumplicidades instáveis que no momento, e como sempre acontece numa revolução ou num golpe de força, poderiam falhar.
Se a guarnição de Lisboa não tivesse sido compincha e tivesse efectivamente actuado contra os militares revoltosos do 25 de Abril tudo teria ido mais uma vez por água abaixo. Houve quem dissesse. Foi uma sorte tudo ter corrido tão bem e sem resistências de maior.
Mas… porque não houve resistências? Porque é que a guarnição militar de Lisboa não actuou?
Nem só capitães houve em Abril. Um movimento revolucionário de esquerda, planeado por jovens capitães mais ou menos de esquerda, aparece pela primeira vez a público liderado por sete oficiais  generais, quatro deles descaradamente de direita?
Como compreender (e acreditar) em tanta coisa quando se sabe que o brigadeiro Jaime Silvério Marques foi mandado prender pelos capitães revolucionários no próprio dia 25 de Abril por ser um militar da ditadura, sendo seguidamente solto, ainda a tempo de aparecer em público, na televisão, como um dos chefes do golpe que derrubava um regime do qual ele fora defensor ao ponto de ter sido preso poucas horas antes?
O programa do movimento revolucionário a que a Junta de Salvação Nacional dos generais vai dar manifesto público é arduamente negociado já nos andamentos da operação, no próprio dia 25 de Abril – ou talvez na madrugada de 24 para 25.
Costa Gomes, no próprio dia 25 de Abril vai a uma consulta no Hospital Militar – podiam perfeitamente ter adiado a revolução, sim , desde que ele apresentasse atestado médico.


E Spinola, cabeça mais visível e mediática da reviravolta, faz depender a sua participação de certas condições políticas. Spínola negoceia duramente o programa político dos revolucionários e emenda-o mais a seu modo.
Costa Gomes, chegado da consulta no Hospital Militar, e ainda antes de ir aviar a receita, também pega no programa e lhe dá uns toques da sua lavra.
Spinola e Costa Gomes. Ambos temem certamente uma evolução do regime, da ditadura para a democracia, que não seja orgânica e natural e aperreada entre as paredes do poder. Porque se a evolução não é natural e controlada – e naturalmente pacífica – será a questão candente do Ultramar a ressentir-se e a solução já demasiado atrasada desse problema poderá continuar adiada ou começar a levar voltas indesejáveis.

E de facto a evolução do regime político não terá sido aquela que os generais mais experientes queriam e a solução do problema ultramarino foi aquela que foi – e ainda não sei, na minha visão curta de homem comum, se, dadas as circunstâncias, a transição do regime e a solução do problema ultramarino poderiam ter sido outras.
Nem só capitães houve em Abril.
A primeira decisão dos generais da Junta é fazer desaparecer Américo Tomás e Marcelo Caetano, mandando-os para a Madeira. Teoricamente sob prisão, mas permitindo que, livres como dois passarões, daí a dias batessem as asas, impunes, para o Brasil.
Que diabo de revolução era aquela?
Não era nenhuma.
Já tudo devia estar combinado há tempo. Nessa altura havia quem não quisesse que tudo fosse além de um palaciano golpe de Estado. Só daí a umas horas começariam a acontecer coisas propriamente revolucionárias – indisciplinadas, descontroladas, indesejáveis para os que não eram capitães.
Mas a libertação de Tomás e Caetano poderia querer dizer então que o regime contra o qual o golpe fora dado e contra o qual a revolução sairia brevemente à rua não era assim tão sinistro, ou que a revolução não se achava assim tão convicta da sua moral, dado que os dois principais responsáveis vivos do odiado regime eram calmamente postos a salvo pelos mais notórios chefes revolucionários, cujas caras o povo via na televisão – e que não eram nada capitães, porque nem só capitães houve em Abril.
            É que hoje (a rapaziada nova por uns motivos e os mais velhos por outros) já não se fala em revoluções. Hoje já ninguém pensa em revoluções. Hoje está tudo devidamente acomodado (acomodado até ao desemprego e à miséria) e todo o pessoal começou a ganhar juizinho e a trabalhar (se o deixarem) para a bucha e para o imposto automóvel. Mas naquele tempo sim, falava-se, ainda, e muito, de revoluções. E uma revolução, nesse tempo, tinha a sua moral. Uma revolução era, primeiro que nada,  uma questão de moral.
Os que tinham alinhado e se tinham comprometido mais ou menos com o antigo regime tiveram nesses dias, a 25, 26, 27 e por aí fora, uma ávida preocupação primeira: limpar a folha, arranjar alibis, explicações; nunca na vida tinham pertencido à Legião ou a Mocidade Portuguesa, todos desde sempre tinham odiado de morte o Salazar e o Marcelo; ou mais: eram todos anti-fascistas desde pequeninos e se ninguém nunca se tinha apercebido de tal fora por isto e por aquilo e assim e assado.
Esses tinham andado demasiados anos a ouvir dizer que os candeeiros de Lisboa eram poucos para enforcar os colaboracionistas quando a situação virasse. O cagaço era muito. Ouvia-se falar muito nos comunistas. E nesses dias primeiros ainda não era completamente conhecida a melancólica tolerância nacional, nem o poder imobilista das burocracias, dos brandos costumes, nem as necessárias cumplicidades revolucionárias.
Nos papeis difundidos pelas estruturas militares revolucionárias logo em Maio de 74, estranha-se que o  país e as Forças Armadas abarrotem de democratas da primeira  hora, e pergunta-se: com tanto democrata nas Forças Armadas e nas instituições nacionais, como fora possível ao fascismo ter existido e sobreviver por 48 anos… e sem fascistas?
Fosse como fosse era preciso um governo. Provisório. E arranjou-se. Mas nele, revolucionários viam-se poucos.
Para presidir ao governo provisório, os revolucionários nomeiam um nome famoso da advocacia, dizia-se que conotado com as grandes famílias capitalistas – as tais dez famílias que concentravam nas mãos o capital financeiro e que, dependentes embora do capital internacional, controlavam a vida económica do país.
Os comunistas são incluídos na governação como presumível autoridade moral dissuasora de desmandos cívicos e agitações laborais.
E no Conselho de Estado o movimento revolucionário está em minoria. A maioria são homens do presidente da Junta, o grande general Spínola.
E como não havia só capitães em Abril, Spinola começa a chamar a si plenos poderes. Ao alto nível das decisões políticas, o golpe de Estado anti fascista ia de vento em pôpa. Mas, pelo andar daquela carruagem, começava a dar a ideia de que seria preciso fazer outro golpe de Estado… contra o ícone maior do primeiro golpe de Estado, o general Spinola.
Logo após as movimentações golpistas, Spinola quis a tropa confinada a quarteis. A política para os políticos – políticos civis que ele desprezava objectivamente (mandava chamar o 1º ministro Palma Carlos como quem manda chamar o 1º sargento da companhia; e ao ministro Raul Rego chamava o nosso cabo Rego).
A política para os políticos. E para os partidos. Mas que é dos políticos? Que é dos partidos que obrigatoriamente são o esteio de uma democracia civilizada? Spinola, por acaso, nas suas concepções de democracia, nem parecia morrer de amores pelo sistema partidário. Inclinava-se, pelo menos em primeiras núpcias, para a existência de uma espécie de associações de opinião. E partidos organizados havia um, e logo o mais temido pelas hostes conservadoras – e antes de mais pelo próprio Spínola. O Partido Comunista.

 

A revolução propriamente dita estava à porta, mas cedo na revolução portuguesa os partidos mais representativos da esquerda se desavieram, deixando Spínola nas suas sete quintas.
O PC instrumentalizava claramente o movimento militar revolucionário. Esse PC de quem então começou a constar que devorava as tais criancinhas ao pequeno almoço e que mandava dar injecções letais atrás da orelha dos velhotes, o que, como contra- informação, de momento, era mais eficaz para consumo da opinião pública analfabeta e despolitizada do que dizer que o PC era estalinista e queria arrastar Portugal para a órbita da União Soviética.
Mas até calhava bem: entre o programa do PCP e o programa do MFA existiam flagrantes coincidências, ainda que nesse entretanto, ingenuamente, os militares, mesmo os activos revolucionários, continuassem a reclamar para si o mais rigoroso apartidarismo.
A extrema esquerda de rua, inimiga figadal do chamado revisionismo, ou social-fascismo, do PCP, influenciava por outro lado o sector mais radical dos militares revolucionários.
O PS procurava aflitivamente o seu espaço de existir e influenciar, na rua, nos sindicatos, nos órgãos populares e de empresa, e para isso a melhor estratégia ainda seria deixar-se caluniar como partido burguês reaccionário por atacar um PCP fortemente organizado e mobilizado que lhe fazia concorrência séria nesses domínios.
Mas claro que o PCP, a milhas de ser ingénuo, não era incondicionalmente que dava os seus ámens aos militares de Abril.


O PCP estava-se nas tintas para o que tivesse ficado combinado nos pressupostos morais do golpe. Tinha há muitíssimos anos o seu próprio projecto de país e de descolonização para cumprir e a esse projecto se subordinava tacticamente.
Mas tudo o que o PCP viesse a fazer de estranho ou errado iria comprometer os militares revolucionários e até empatar o curso da própria revolução. E uma das coisas erradas do PC foi o triunfalismo da sua propaganda e a arrogância de amador dos seus militantes mais de base, nas ruas, nos sindicatos, nos locais de trabalho.
Então e a revolução? Quando é que arranca a revolução? O que virá a ser essa revolução?
Nessa altura, como sempre, como hoje, no país como no Sporting, a situação económica  era de desastre iminente. “Há dinheiro para duas semanas”, dizem os financeiros do governo. Daí a duas semanas não haveria dinheiro para salários e o primeiro responsável pela fome inevitável seria o MFA, a revolução.

E nesse quadro de catástrofe económica, alguém diz: “não há dinheiro nos cofres do Estado? Pois bem, que se vá buscar o dinheiro onde ele está. E onde é que ele está? Está nas mãos dos capitalistas.” Aí estava uma pontada de revolução. Quem assim falava era Vasco Gonçalves.
E claro que depois de o capital se reorganizar, toda a dificuldade de tipo económico por que se passasse, desemprego, salários em atraso, insegurança, descapitalização, falta de produtividade, dificuldades cambiais, aumento de preços, iria a débito da revolução. Mesmo que essa revolução ainda não existisse de facto.
Revolução? Onde estava? O que era? Como era? 


Pois. Revolução era a democracia directa. Era a ocupação de casas devolutas, como foi logo a 29 de Abril, moradores de bairros de lata a ocuparem habitações ainda inacabadas de bairros sociais. Eram as comissões de moradores. Era a monstra manifestação de Lisboa no 1º de Maio. Era, a 5 de Maio, os populares esquerdistas impedirem a partida de contingentes militares para o Ultramar, “nem mais um militar para as colónias”. Eram as greves no Metropolitano, na Carris e nos Correios e a greve do pão – a 30 de Maio. Eram as greves na J.J. Gonçalves, na Toyota, nas margarinas, na Ciba, na Wicander, na Lisnave, na Sandoz, na Pfizer. Eram as greves dos pescadores, da companhia das águas e da marinha mercante. Revolução era “a terra a quem a trabalha” e a expropriação dos latifúndios. Revolução e democracia era ganhá-las ingenuamente pelas armas e pela militância e perdê-las pelas complexidades da economia. Como hoje, falando de democracia.
Revolução era o boicote económico do capital internacional. Era o Banco Mundial a cancelar negociações para um empréstimo de 400.000 contos – revolução também era ninguém poder prever o que aconteceria ao país no século XXI, quando a democracia estivesse mais do que consolidada...
Revolução era a fixação de um salário mínimo nacional de 3.300$ (contra os 6.000$ que os sindicatos reivindicavam) e que viria a beneficiar, tal era a nossa miséria, 50% da população trabalhadora (65% dela no sector público e 95% dela no sector ferroviário). Revolução eram as grandes manifestações contra a guerra colonial; revolução e séria, era, ainda em Maio, o começo dos saneamentos, principal reivindicação dos trabalhadores relativamente a todo o administrador que fosse fascista, incompetente ou arrogante.


Revolução eram os patrões trémulos de medo a provocarem falências fraudulentas ou a arruinarem deliberadamente as empresas levantando os seus lucros e fundos de maneio e indo pô-los a salvo no estrangeiro…


Nenhum dos capitães tinha contado com isso durante a preparação do golpe, mas revolução era a democracia instalada nos quarteis; eram as reivindicações das praças: aumento de pré, direito a trajar à civil, transportes de borla, direito de poder calçar sapatos. Revolução eram as infiltrações de elementos esquerdistas nas casernas; era o incitamento à deserção armada dos soldados; era o convite feito a esses soldados de abandonarem os quarteis e virem para as ruas confraternizar com o povo.
Revolução era a inquietação nos comandos militares: nove oficiais generais da Marinha e 32 do Exército e da Força Aérea saneados.

                        

Revolução era o general Galvão de Melo a perguntar se era aquela a liberdade com que o povo sonhara.

                                           

Revolução era Spínola a querer impor ao país o estado de sítio.
Oh, como eramos felizes na nossa permanente desgraça nacional ao viver esse tempo de capitães, de coragem, de juventude, de generosidade, de aventura, de romantismo revolucionário…
E, oh, como tudo isso era transitório, e como tudo isso passou…


Oh, como toda a mística e todo o carisma desses homens desapareceu para nunca mais voltar…
                                       
                        

Oh, como toda a fé que acalentavamos nas ideologias salvadoras passou…


Oh, e como nós nos estamos a passar…


3 comentários:

  1. Uma visão muito curiosa sobre os meandros de muitos "revolucionarios" cá do burgo...

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  2. O 25 de Abril derrubou o antigo regime, sim, mas acima de tudo derrubou a sua esgotada NARRATIVA! Porque o antigo regime, na sua essência, em 74 já quase não existia...


    Tirando a guerra em África e a falta da Liberdade e da Democracia formal (super-estrutura político-jurídica), o regime deposto pelo 25 de Abril, em termos MORAIS, já pouco ou nada tinha a ver com o salazarismo, na sua matriz ideológica pura. Esta é que é a verdade.


    Já não havia a fome e a miséria (embora ainda houvesse, claro, muita pobreza e a Emigração...), já não havia a humilhação generalizada das "classes inferiores" e o Estado Social já tinha inaugurado, no mínimo, a sua primeira pedra: sobretudo nos campos da Educação e a da Segurança Social.


    O 25 de Abril foi, por isso, uma Revolução bela e heróica, sim, feita por Militares corajosos e patriotas e oferecida a um Povo dorido e maltratado, mas cujos paliativos socio-económicos, recebidos no consulado marcelista, haviam já apaziguado e tornado um Povo sereno e quase feliz. Faltava esse "quase", que se consumou com Abril, foi algo abalado no "verão quente", mas regressou logo após e que durou até à Expo'98 e ao Euro'2004, mas que entretanto já terminou, já faz parte do nosso Passado.


    O 25 de Abril em Portugal fecha, com perfume de cravos, uma era histórica incontornável e o 25 de Novembro abre outra, que acabou em 2008, atolada em corrupção, descrença, imoralidade e dinheiro fácil...


    Agora aguardamos, apreensivos, que uma outra era histórica desponte em Portugal, porém sem sabermos ainda qual será a sua data e o seu perfume. Nem sequer a sua origem, ou a sua natureza...


    Entrementes, os nossos intelectuais de serviço entretêm-nos com exibicionismos vazios, ódios de estimação, efabulações manipuladoras e conversas de amanuense contabilista, sem nenhum deles se aperceber, aparentemente, do momento crucial que ansiosamente aguardamos - e que os irá enfim relegar para a irrelevância que merecem.


    Felizmente, como nos ensina a canção, "esperar não é saber! Quem sabe faz a hora, não espera acontecer"...

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