OS MILHÕES DO SENHOR PRIOR
E então disse-se
– parece
que havia papeis a afirmá-lo - que Claude Debussy, entre 1885 e 1918 foi
Grão-Mestre de uma sociedade secreta, tal como o fora Leonardo, entre 1510 e
1519, como o fora Sir Isaac Newton (1691-1727), Victor Hugo (1844-1885), como o
viria a ser Jean Cocteau desde 1918. Na qualidade de iniciado em mistérios secretíssimos
e duplos sentidos, Debussy terá escondido, codificadas, na sua música, algumas
mensagens.
Rennes-Le-Château foi zona de cátaros
e o catarismo pode lá ter perdurado até aos dias de hoje.
Há a enigmática história de um cura de aldeia, aldeia essa que é justamente Rennes-Le-Château.Vou contá-la
muito em resumo, resumo, aliás, do que li no livro já tantas vezes por mim
mencionado, O Sangue de Cristo e o Santo
Graal…
Era uma vez um insignificante cura da
aldeia de Rennes-Le-Château que em 1891 decide fazer obras de restauração na
sua igrejinha. Ao abater um pilar centenário percebe que a coluna é oca e tem
alguma coisa lá dentro. Que coisa? Papeis? Pergaminhos? Um tesouro? Pergaminhos.
Quatro. Metidos em tubos de madeira
selados. Quando se foi a ver eram genealogias, uma elaborada em 1244,
outra em 1644. E textos em latim. E um texto cifrado, incompreensível.
O padre, que se chamava Béranger
Sauniére, dirigiu-se logo ao seu bispo, em Carcassonne, a dar-lhe conta do
achado. Mal vê a papelada o bispo de Carcassonne manda imediatamente o cura de
Rennes-Le-Château a Paris, com carta de apresentação para certas
individualidades ligadas ao seminário de Saint Sulpice.
Sauniére lá vai.
E deixa-se ficar por Paris
as suas três semanas. Visita muito o Louvre, adquire uma reprodução do quadro
de Poussin Les Bergéres d’ Arcadie, e
contacta um seminarista de Saint Sulpice muito ligado a círculos esotéricos e
artísticos, chamado Emile Hoffet. Destes encontros e do que Sauniére andou três
semanas a fazer em Paris mais nada se sabe.
De regresso à aldeia, o padre Sauniére
continuou com as obras na igreja. Derrubou colunas, removeu lages, achou
esqueletos, apagou indevidamente inscrições centenárias.
E começa a travar-se de copiosas
correspondências com várias individualidades francesas e estrangeiras. Começa a
coleccionar quilos de selos sem nenhum valor aparente. Começa a meter-se em
negócios um bocado escurecidos. Começa a abrir contas chorudas em bancos. Em
1896 começa a gastar dinheiro à barba longa. Gasta aos milhões de libras sem
pestanejar. Manda construir uma mansão luxuosa a que dá o nome de Villa Bethânia.
Manda construir uma torre-biblioteca e chama-lhe Tour Magdala – Torre Madalena.
Reconstruíu e redecorou a sua
igrejinha, bem entendido, e logo à entrada mandou enigmaticamente gravar um
aviso: Terribilis est locus iste -
este lugar é terrível – e pespegou-lhe a carantonha do demónio Asmodeu, o que
guarda segredos e tesouros, e também, conforme a lenda, o verdadeiro construtor
do Templo de Salomão.
Manda pintar nas paredes as diversas
estações da Via Sacra, mas em todas elas era patente algum desvio ao relato
oficial das Escrituras. Numa delas aparece uma criança envolta num manto de lã
escocesa; noutra, representa-se a cena do enterro de Jesus Cristo, mas
realizado à noite, com a lua cheia em fundo – contrariando soezmente a Bíblia.
Sauniére, o insignificante cura de
aldeia começa a receber uma quantidade de visitas, e visitas ilustres como o
secretário de Estado da Cultura do governo francês, ou como o arquiduque Johann
von Habsburg, primo do imperador da Áustria.
Diga-se que ainda no final do século
XIX havia planos para a constituição de uma Santa Aliança, uma unificação
política da Europa católica sob a égide dos Habsburgos, com Áustria, França,
Itália e Espanha. O pior foi que a Alemanha e a Rússia boicotaram esses planos.
A guerra de 14 rebentou. As dinastias foram derrubadas.
Mas como ia a dizer… segue-se que o
bispo da diocese de Carcassone pede satisfações ao padre Sauniére quanto aos
gastos milionários que fazia. Sauniére é que não lhe passa o mínimo cartão. O
bispo não é de modas e, ai ele é isso,
denuncia-o a Roma pela venda fraudulenta de missas. Sauniére é suspenso
de funções por um tribunal eclesiástico. Apela ao Vaticano. Não se sabe que
cordelinhos são mexidos lá dentro, o que se sabe é que o padre Sauniére é
reintegrado.
A 17 de Janeiro de 1917, dia de Saint
Sulpice, o padre Sauniére tem 65 anos, está de perfeita saúde, e sofre um
súbito derrame cerebral.
Súbito? Mas como súbito se a
governanta dele já no dia 12 tinha encomendado um caixão? – ainda há a factura
desse caixão.
Sauniére está no leito de morte. É
chamado um colega sacerdote para o ouvir em confissão e lhe administrar a
extrema unção.
O padre entra no quarto do doente. Sai
daí a muito pouco tempo, completamente transtornado e vindo a cair em profunda
depressão por meses e meses. Não diz uma palavra sobre o que viu ou ouviu no
quarto do moribundo. Apenas admite que que se recusara a administrar-lhe a
extrema unção. Sauniére morre a 22 do mesmo mês de Janeiro de 1917, e sem a absolvição.
No dia seguinte, logo de manhã, sentam
o morto, em roupão, numa poltrona posta no terraço da torre-biblioteca Maria
Madalena que ele havia mandado construir. O povo vai vê-lo e arranca-lhe alguns
farrapos do roupão como lembrança – um rito merovíngio.
Quando se abre o testamento fica a
saber-se que o padre Sauniére afinal não tinha um chavo de seu.
Mas vamos ter calma quanto a
conclusões. Também se disse que não senhor, que o padre Sauniére não descobriu
o que descobriu em Rennes-Le-Château por mero acaso, e que foi conduzido àqueles
específicos documentos por agentes ao serviço do Priorado e que por eles tinha
sido recrutado como agente de baixo escalão.
O caso é que, por 1916, Sauniére
começou a andar de candeias às avessas com os seus controleiros do Priorado.
Dez dias antes de morrer estava de perfeita saúde, como se disse. Mas o caixão
para ele já estava encomendado pela governanta, essa sim, agente do Priorado e
sua controleira-mor. Alguém estaria, estivera, ou começaria a estar por detrás de
Sauniére. Quem?
Um outro homem da Igreja, simples
padre como ele, chamado Henry Boudet, tinha acesso a chorudos e misteriosos
fundos e entre 1887 e 1915 terá passado para a mão do colega Sauniére os seus
13 milhões de francos.
Mas Sauniére, até 1915, terá estado a
leste dos tremendos segredos. Só terá tido direito a saber mais alguma coisita
acerca da caldeirada em que se meteu, ou o meteram, quando o tal abade Boudet
estava às portas da morte, em Março do tal ano de 1915.
Mas este insignificante padre Boudet é
que sim, é que devia sabê-la toda, visto que até pagava luvas ao próprio bispo
de Carcassonne. Tenho as contas todas, estão aqui: 7.655.250 francos entre 1885
e 1901. O próprio bispo era agente a soldo do padre. É obra! Padre que por sua
vez era agente das poderosas forças do Priorado de Sião. E todos eles alistados
e obedientes a uma maçonaria de Rito Escocês, cristã, aristocrática, hermética
e de orientação mágica.
Uff! Com tantos padres em acção, é
caso para dizer… fosse lá um homem ser prior numa freguesia daquelas…
O tesouro achado em Rennes-Le-Château
pelo padre Sauniére não era feito de ouro, prata ou pedras preciosas. Eram
documentos. Eram provas ditas irrefutáveis de que a crucificação fora um
embuste e de que Jesus Cristo vivera até 45 anos depois dele próprio.
Mas o que é uma prova irrefutável de
uma coisa que se passou cerca de 2000 anos antes?
O esoterismo e as sociedades secretas
atingiram foros inusitados no século XIX, especificamente no século XIX francês
e quando esse século XIX caminhava para o fim.
Claude Debussy frequentava esses
meios. Mais: era Claude Debussy, ao que se diz, o grão mestre do Priorado de
Sião quando o abade Sauniére descobre os célebres documentos de Rennes-Le-
Château.
Verlaine, outro dito ocultista,
apresentou Debussy a Victor Hugo e desde então quem queria ver o músico era
entre os círculos simbolistas e esotéricos. Aliás, círculos que punham e
dispunham na vida cultural de Paris. A cantora lírica Emma Calvé era a grande
sacerdotiza. Foi ela que apresentou o padre Sauniére a Debussy. Debussy
encontra Mallarmé nos círculos iniciáticos e compõe o Après Midi d’un Faune. Debussy conhece Maurice Maeterlinck, que
escrevera um drama merovíngio intitulado Pélleas
et Mélisande e compõe uma ópera homónima. Debussy, pouco antes de morrer, em 1918, está a compor música para
Axel, uma peça de inspiração
rosa-cruz, de Villiers de L’Isle Adam. Nunca chegará a terminá-la.
Mallarmé recebia à terça feira.
Apareciam muitas vezes lá por casa Oscar Wilde, Yeats, Stefan George, Valéry,
André Gide e Marcel Proust. Era o tempo do renascimento do oculto francês, que
incluía simbolistas, satânicos, roza-cruzes, cabalistas. Entre eles estava Mac
Gregor Mathers, que não tardaria a fundar em Londres, uma das mais intrigantes
ordens secretas dessa época, a Golden
Dawn.
Nos movimentos esotéricos da
sub-cultura parisiense do fin de siécle
estavam envolvidos inclusive sacerdotes católicos de certa importância. E
também, claro, artistas, os mais atreitos a essas coisas em função dos próprios
imponderáveis materiais com que trabalham. Mas atenção estou a falar de
artistas de primeira grandeza mundial. Olhem, por exemplo, a tal Emma Calvé,
uma célebre cantora de ópera, uma Callas daquele tempo, grande sacerdotiza do
Segredo, grande animadora de rituais eróticos do sagrado feminino, amiguinha de
outras celebridades também envolvidas no assunto, Mallarmé, Debussy,
Maeterlinck, Nerval, Baudelaire…
Em 1875 outra sociedade secreta
poderosa se constituira levando o nome de Hiéron
du Val d’Or. Orientava-se pela geometria sagrada. Poderia considerar-se
teosófica. Interessava-se pelas orígens do Homem, pela orígem das raças, das
línguas, dos códigos, dos símbolos. Anunciava-se como associação secreta
trans-cristã. Estudava o pensamento e a vida dos druidas. Pretendia fundar uma
geopolítica esotérica e uma ordem do mundo a que chamava etnárquica.
Ainda com o século XIX a dar as
últimas e estaria para breve, segundo eles, um novo Sacro Império Romano na
Europa, reformulado, claro está, unificador de todos os povos em princípios
espirituais, em desprezo de coordenadas políticas, sociais ou económicas.
Pretendia
o Hiéron du Val d’Or concretizar um sonho antigo, o reino celestial na Terra. Em baixo assim como em cima, é a
conhecida base do hermetismo. E isso iria ser consumado. O governo da Terra
seguiria por fim a harmonia do cosmos.
Bom, já não era sem tempo…
As nações seriam províncias. O governo
seria mundial. E seria oculto, e desempenhado por uma elite. Na Europa seria o
Vaticano a mandar chover, a produzir todas as determinações espirituais,
determinações a ser executadas pelos Habsburgo, e com os Habsburgos a actuar
como sacerdotes-reis, quais faraós do Egipto.
Ora vamos lá a ver… Habsburgos,igual a
Lorena; Lorena, a querer dizer Priorado, an? E Priorado igual a merovíngios.
Isto é um pouco como a anedota do maluco das fisgas…
Mas estavam aí as profecias de
Nostradamus!
E quando a coisa está mesmo a rebentar…
azar dos azares… - não azar dos Távoras, azar dos Lorenas e dos Habsburgos… - rebenta
outra coisa, a guerra, a I Guerra Mundial. Os Habsburgos são destronados.
Terá sido a guerra e o fim do império
dos Habsburgos o efeito da causa que eram as intenções desta poderosa sociedade
secreta e que não era senão outra das máscaras afiveladas pelo Priorado de
Sião? Priorado de Sião que apesar de todos os seus poderes se via mais uma vez
derrotado nos seus intentos?
Mas o Priorado continuou a existir. Os
seus membros continuaram poderosos e influentes e continuaram no pós-I Guerra,
ao entrar verdadeiramente do século XX,
a persistir nas suas pretensões antigas de nove séculos.
Voltando à questão de Rennes-Le- Chateau e do seu cura, o padre Sauniére… toda a fortuna acumulada pelo padre Sauniére não se sabe como nem porquê fora previamente transferida para o nome da sua governanta e essa governanta continuara, depois da morte dele, a viver muito folgadamente a sua vida.
Em 1944 os nazis ainda não tinham
perdido de vista as questões esotéricas, precisavam cada vez mais das fontes de
verdadeiro poder escondidas do vulgo e procuravam-nas. E por isso enviaram
arqueólogos também a Gisors, aos domínios originais do Priorado. Eles lá
sabiam. Queriam escavar debaixo da fortaleza.
Talvez nem sequer tivessem tido tempo
de dar as primeiras pázadas. A invasão aliada da Normandia frustrou-lhes intento. Mas…
Mas, em 1946, um particular francês
escavou por conta própria nas redondezas de Gisors, descobriu qualquer coisa
fora do vulgar e foi informar o presidente da câmara: encontrara uma cripta
subterrânea; nessa cripta, para seu espanto, deparara com 19 sarcófagos de
pedra e 30 cofres de metal. Pedia ao presidente da Câmara autorização para
continuar as suas buscas pessoais. Mas calma, muita calma. Era preciso uma
autorização oficial, papelada, formalidades, burocracia.
E a burocracia da Câmara de Gisors
demorou até 1962.
Em 1962, o próprio André Malraux,
ministro da Cultura, se interessou pelo caso – ou ele, nos anos 30, não tivesse
dado a uma das personagens do seu mais famoso e genial romance, A Condição Humana, o nome de Gisors…
sabe-se lá porquê…
Em 1962, está bem de ver, não se encontraram nem sombras dos 19
sarcófagos de pedra nem dos 30 cofres de metal. Nada. O assunto até andou pelas
páginas dos jornais – não há melhor para confundir os espíritos e despistar as
almas da opinião pública do que pespegar tudo nos jornais, já se sabe.
Quer dizer, o particular francês dera
de novo com a cripta, isso sim, o conteúdo dela é que tinha desaparecido. E no
entanto, aquela capela subterrânea, em honra de Santa Catarina, aparecia
mencionada em pelo menos dois manuscritos antigos, um de 1375, outro de 1696.
É possível que nos cofres e nos
sarcófagos estivesse guardada a parte mais importante da memória dos nove
séculos de actividade do Priorado de Sião. E quem sabe mesmo se aqueles 19
sarcófagos e aqueles 30 cofres não eram o Santo Graal inteirinho, o Santo Graal
que os próprios nazis tanto tinham procurado?
Em 1946 o governo francês emite nova
moeda, os francos novos.
Claro que, acabada a guerra, muitas
contas haveria que dar a Deus e que regularizar com os homens. Muitas fortunas
colossais foram ilicitamente acumuladas durante os anos de guerra, muitas
fraudes ao fisco houve, muita especulação, muitos conlúios lucrativos com o
ocupante alemão. Havia muita coisa a esclarecer. Donde, a necessidade de, ao
trocar os francos velhos pelos francos novos, cada cidadão ser coagido a
justificar os seus rendimentos e acumulações de dinheiro.
Quando chegou a vez da governanta do
falecido padre Sauniére esta preferiu a pobreza. E nunca por nunca explicou às
autoridades os milhões que tinha de seus e de onde eles lhe tinham vindo.
Viram-na no jardim da Villa Bethânia a
queimar notas, maços de notas, muitos milhares de francos velhos. Viram-na a
empobrecer.
Mas também há quem diga que toda esta
história de Rennes-Le-Château é uma mistificação e que as coisas não se
passaram nada assim, mesmo a dar-se o caso de alguma coisa se ter realmente
passado.
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