O BRITÂNICO
PRÍNCIPE ÁRABE
QUE NÃO CHEGOU A NASCER
E quem me
havia de dizer a mim que o caso da princesa Diana de Gales tornaria a ser
falado e que novas suspeitas se levantariam envolvendo instituições
britânicas de tanto e tão inquestionável prestígio como o exército de Sua
Majestade?
Foi
isso que me fez recuar no tempo e desencantar um texto radiofónico que tanto
quanto me lembro exsudou de umas leituras minhas de época.
Num desses
livros se dizia que em meados de Agosto de 1997, a princesa Diana de
Gales e o seu mais recente namorado Dodi Al Fayed eram esperados no Ritz de
Paris vindos da Sardenha. Estava reservada para eles, no Ritz, a (que deve ser
magnífica) suite imperial. Ritz de Paris que, convirá lembrar, era (não sei se
ainda é) propriedade de Mohamed Al Fayed, pai de Dodi, namorado de Diana.
Henri Paul,
funcionário do hotel e motorista dos hóspedes VIP, é encarregado pelo patrão de
providenciar a segurança do casal e com a específica incumbência de manter bem
afastados os paparazzi. O que
constituiria um problema para esta personagem, uma vez que (alegava-se) recebia
somas nada desprezíveis dos mesmos paparazzi
em troca de informações sobre os vips que
se hospedassem no hotel.
Henri Paul, ao
que posteriormente terá sido apurado (verdade?, mentira?), manteria contactos
com serviços de informações, dada a sua privilegiada posição no hotel. Paul
poderia facilmente escutar conversas e transmiti-las, aceder a ficheiros de
hóspedes, saber de entradas e de saídas, interceptar telefonemas, instalar
aparelhos de escuta.
Será que o
fazia? Ninguém hoje pode afirmá-lo. Mas depois de tudo o que se passou, já se
vê, a sua vida foi espiolhada até à última.
Henri Paul,
vamos lá, bebia o seu copito. Era emocionalmente instável. Gostava de guiar
carros rápidos. Tinha uma moto a meias com outro. Era solteiro. Era ambicioso.
Não ganhava para a ambição que tinha. Estava comprometido com os paparazzi. E negociava com eles quanto à
conveniência de fotografar ou não certas celebridades em certas ocasiões,
sabendo que assim traía a confiança que a direcção do hotel depositava nele.
Às 11.45 da
noite de 29 de Agosto de 1997, um sábado, Henri Paul é chamado para levar a
princesa e o namorado para fora do Ritz. Recebe directivas do próprio patrão
(de quem é homem de confiança). Deveria guiar com o máximo cuidado. Tinha nas
suas mãos a vida da mãe do futuro rei de Inglaterra.
E discute-se o
trajecto a seguir. Os seguranças tem a última palavra. Lá fora, os paparazzi estão de atalaia.
Dois Range Rover saem a toda a pressa para
despistar os paparazzi. O Mercedes da
princesa vai sairía pelas trazeiras.
À meia noite e vinte do dia 30, os Range Rover saíram realmente Place
Vendôme fora, logo seguidos pelos paparazzi.
À meia noite e
vinte e dois um Fiat Uno, branco, passa ao alto da Rua Cambon, nas trazeiras do
hotel.
O Mercedes guiado por Henri Paul, com Diana, Dodi e o
guarda-costas, arranca.
Dois minutos
depois, o Fiat Uno passa o semáforo da Place Concorde, enquanto o Mercedes pára no mesmo semáforo.
À meia noite e
vinte e quatro, o Mercedes avança para o túnel da Place d’Alma. O Fiat
Uno vai na sua frente.
À meia noite e
vinte e cinco, o Mercedes, lançado a
alta velocidade enfia pelo túnel.
Dez segundos
volvidos ouve-se um som de trovão dentro do túnel. Henri Paul está morto. Dodi
está morto. Diana está às portas da morte e o guarda-costas está em estado
crítico.
O Fiat Uno
metera entretanto por uma tansversal à Avenue Montaigne. Um camião de
transporte de caixa fechada esperava-o. A rampa do camião descia. O Fiat Uno
subia a rampa e desaparecia dentro do camião.
Em Fevereiro
de 1998, Mohamed Al Fayed, pai do falecido Dodi, anuncia que não se tratara de
acidente. E quer saber a verdade antes que essa verdade fique oculta para
sempre.
Meses depois,
um documentário televisivo falava das ligações de Henri Paul aos serviços
secretos franceses. Há quem diga que essa tese é falsa. Mas o mesmo programa
mantinha que serviços de informação internacionais estariam ligados ao
desastre. Insinuava-se que a própria coroa britânica pudesse ter a ver com o
caso, dadas as previsíveis implicações políticas associadas à relação amorosa
entre Diana e Dodi.
O poderoso
multimilionário Mohamed Al Fayed inicia a sua cruzada para o esclarecimento do
caso. Não olha a meios. Não olha a despesas. Quer entrar em contacto pessoal
com quem possa ter informações, ou provas, do envolvimento de terceiros na
morte do filho. Envia uma carta aos membros do Parlamento inglês convidando-os
a levantar a questão na Cãmara dos Comuns.
Sustentava então
Al Fayed que estava em curso uma conspiração internacional para abafar o caso e
esconder as provas de que não se tratara de um acidente mas sim de um
homicídio. Os meios políticos entenderam que aquilo eram palavras de um pai
desesperado pela perda do querido filho.
Mas Al Fayed não deixava de teimar.
Havia uma conspiração para eliminar Diana e Dodi. Montada por quem? Era o que o
velho negociante egípcio queria saber. E continuava a fazer perguntas
incómodas.
Depois do
desastre (ou do atentado), porque é que o transporte da princesa para o
hospital da Salpêtriere demorara uma hora e quarenta minutos?
Porque razão
alguns dos fotógrafos não apresentaram todas as fotos que tiraram?
Porque é que
todas as câmaras de vídeo de circuito
fechado dessa zona de Paris não gravaram absolutamente nada?
Porque estavam
sem filme as câmaras de controlo de velocidade?
Porque é que as câmaras de tráfego
estavam desligadas?
Porque é que o
local do desastre foi reaberto à circulação tão rapidamente?
Quem era a
pessoa disfarçada de fotógrafo que estava no exterior do Ritz?
Quem eram os
dois homens que…
Al Fayed
apontava o dedo ao MI5 e ao MI6, os serviços secretos britânicos, em associação
com a secreta francesa. Mas apontava-lhes o dedo porquê?
Não era
difícil de conjecturar. Os mais altos níveis do poder britânico haviam decidido
que a princesa real Diana de Gales, mãe do futuro rei, não podia casar com um muçulmano.
Por uma questão de moral, já se vê, moral política e de Estado monárquico. Se
Diana casasse com um muçulmano, caíria o Carmo e a Trindade, o príncipe
William, futuro soberano, teria um árabe como padrasto e teria que chamar avô a
outro árabe. Seria um princípio de fim para as tradicionais e sagradas
instituições britânicas.
Al Fayed,
sempre rodeado de guarda-costas (sentia-se ameaçado de morte), chamava à sua
suite do 5º andar do Harrods (de que também era dono) quem quer que lhe pudesse
fornecer informações, quem quer que tivesse relações com os serviços secretos
do mundo inteiro, ingleses, franceses, a Mossad, a CIA. Trocaria a informação
decisiva por um milhão de libras, livre de impostos.
Apurava-se que
naquele derradeiro dia de vida de Dodi e Diana em Paris havia presenças
obstinadas e duvidosas por todo o Ritz. Alguém espiava os mínimos gestos de
Diana e Dodi. Quem? Aí estava o enigma que o velho egípcio queria deslindar.
Alguns dos
mais espertos serviços de informação haviam detectado de facto nesses dias, em
Paris, um desusado movimento de agentes secretos. Eventualmente pessoal do MI6,
estacionados primeiro na sua embaixada, depois numa casa segura e por fim um ou
dois deles registados no Ritz, evidentemente, sob falsas identidades.
Al Fayed
chamava corja de assassinos aos serviços secretos de Sua Majestade. Desconfiava
agora do homem em quem tinha confiado, Henri Paul. Afirmava a pés juntos que
tanto a raínha como o príncipe Filipe não podiam admitir nem à lei da bala um Wog nos círculos de Buckingham. Wog – wily oriental gentleman: esperto cavalheiro oriental. E sobretudo
quando…
Oh… e
sobretudo quando, na palavra do velho Al Fayed, Diana estaria grávida de oito
semanas. Grávida de Dodi, um muçulmano.
E mais:
segundo Al Fayed, no hospital parisiense da Salpêtriere, para onde a princesa
foi levada, retiraram-lhe grande parte dos órgãos. Quando o corpo chegou a
Londres era o corpo de uma múmia.
Al Fayed
afirmava aos quatro ventos que Diana e Dodi haviam sido simplesmente
assassinados por agentes britânicos com a ajuda de outros serviços e agências de
informação.
O segurança e
motorista Henri Paul? Bom, estaria sob a pressão de vários serviços secretos
que o queriam recrutar. Mas era um negócio para ele espinhoso. O Ritz gabava-se
da confidencialidade tradicional no tratamento dos seus hóspedes, e havia gente
a querer pagar bom dinheiro a Henri Paul para ele violar essa
confidencialidade. O homem não sabia para onde se virar. Tomava pastilhas para
dormir e pastilhas para acordar. Bebia o seu copo. Andava a ser pressionado
para uma actividade de alto risco…
Terá sido por
isso que perdeu o controlo do Mercedes
e se estampou, tudo não passando afinal de contas de um acidente?
Ou, a ter
havido um atentado, não seria ele e não Diana ou Dodi o alvo desse atentado, e
por razões obscuras?
Entretanto,
alguém bem informado viria dizer que Henri Paul teria instalado aparelhos de
escuta na suite imperial habitada por Diana e Dodi. Instalado para quem?
A apoiar a
tese de atentado mantida por Al Fayed, aparece um ex-agente do MI6 inglês. Sabe
algumas coisas proibidas, alguns segredos inconfessáveis. Sabe de alguns planos
para assassinar individualidades. Sabe dos métodos secretos de eliminação de
gente incómoda. Os acidentes em túneis, onde é mais forte a probabilidade de
desastres fatais era um desses métodos.
E armas? Não.
Nem pistolas, nem espingardas, nem facas, nem bombas. Só um feixe de raios
laser criteriosamente colocado no trajecto de um automóvel e disparado sobre a
cara do condutor a alta velocidade, de modo a encandeá-lo, a cegá-lo
momentaneamente, a fazê-lo perder o controlo da viatura.
O problema
para Al Fayed eram as provas para sustentar esta e outras teses.
Mas a coisa ia
muito mais longe. O NSA, agência de segurança americana (recentemente tornada
famosa pelas piores razões e na sequência de documentos fornecidos à imprensa
britânica pelo ex-espião Snowden), possuía um dossier de 1050 páginas sobre o
casal Diana/Dodi…
Al Fayed envia
homens a Washington para obter cópias desses documentos. Em vão. Obviamente! Eram
documentos adstritos à segurança nacional e altamente reservados.
Diana e Dodi
andavam permanentemente vigiados por satélite. O ECHELON. Um sistema
ultra-sensível e ultra-secreto de vigilância. As informações por ele colhidas
poderiam ser partilhadas pelos serviços americanos com outros serviços secretos
amigos, caso da Grã Bretanha.
Mas cabe na
cabeça de alguém que uma insuspeita princesa que só dava que falar na fútil
imprensa cor de rosa e no jet set
andasse a ser vigiada tão intensamente por uma grande potência?
Cabe. E a
resposta dá-se numa única palavra. Minas. Minas anti-pessoal. por explodir
disseminadas em extintas zonas de guerra por todo o mundo. Angola era uma dessas
zonas. A princesa foi lá. E lançou uma campanha mundial para a abolição dessas
minas, e contou com apoios que se tornaram incómodos e mal vistos pelos
senhores das guerras e pelos poderes institucionais. A indústria de minas dava
lucros e dava empregos, milhões de lucro e milhares de empregos. E se ninguém
ficava contente por saber de minas a explodir e a matar pessoas, mesmo sem
haver guerra, também não era bom que centenas de tubarões do negócio das armas
ficassem privados de lucros e milhares de trabalhadores fossem despedidos, só
porque a uma princesa lhe dera para ali.
A CIA está em força em Paris
naqueles dias de Julho/Agosto de 1997. Seguem Diana. Tomam conhecimento das
invectivas que a princesa lança aos fabricantes de minas. Elaboram relatórios.
Relatórios que integram as 1050 páginas de documentação que Al Fayed quer
copiar e não o deixam.
O sistema de
satélites ECHELON ouvia todas as conversas de Diana e de Dodi, mesmo as mais
íntimas. Para ajudar à festa das minas, o ECHELON sabe do noivado de um nababo
muçulmano com uma princesa real inglesa. Também esse facto pode desequilibrar a
ordem estabelecida do mundo e da vida e as relações entre potências.
Para a coroa
inglesa, aquele futuro príncipe árabe nunca deveria nascer. Todavia, da inconveniência
da família real britânica quanto a provável futura presença de um muçulmano em
Buckingham Palace, até ao planeamento minucioso de um assassinato ia uma enorme
distância. Isto, é bom que se diga, em termos de senso comum. Al Fayed é que se
estava nas tintas para o senso comum e devia saber que nos altos negócios
políticos internacionais nem sempre o senso comum governa, e seguramente sabia
da importância fulcral e inescapável dos serviços de espionagem no quadro das
relações internacionais.
O ex-agente do
MI 6 jurava a Al Fayed que os serviços britânicos estariam implicados no
acidente do Pont d’Alma. Agentes desses serviços teriam estado em Paris dias
antes e teriam recrutado Henri Paul como informador pago.
Mais declarava
o ex-agente que Henri Paul fora realmente encandeado por um feixe de luz de
grande intensidade, uma das técnicas favoritas do MI 6 para os golpes sujos.
Mas… e provas
disso?
As autoridades
continuavam a minimizar as convicções e insinuações do velho Al Fayed. Para as
autoridades, a conspiração destinada a matar-lhe o filho e a princesa sua noiva
continuava a não passar de uma obsessão de pai moralmente ferido.
Mas tinha a
sua lógica, uma lógica moral, além de histórica, sim, essa conjectura do que
seria a família real de Inglaterra a ter que levar com um muçulmano, nas suas
reuniões e festas, e com todas as dignidades de alteza, e com lugar, julgo eu,
embora remoto, na linha sucessória ao trono britânico.
E é claro que
investigação séria, e publicável, nunca ninguém a faria. Se a fizesse, séria,
nunca seria publicável; se fosse publicável, correria sempre o risco de não
parecer suficientemente séria. Mas de que algo de estranho se passou nas mortes
de Diana e de Dodi e de Henri Paul não oferecia demasiadas dúvidas. E houve quem
dissesse ter sido a sanha do velho Mohamed Al Fayed contra o trono inglês e
contra a família real a prejudicar qualquer investigação mais séria e qualquer
apuramento da verdade.
Muito mais
tarde viria a saber-se do destino o Fiat Uno branco e misterioso que andava às
voltas perto do sítio do acidente. Esse Fiat Uno, como já disse, naquela mesma
noite subiu a rampa do camião fechado perto de Avenida Montaigne e seguiu dali
direitinho para uma prensa de sucata que o reduziu a imprestável monte de metal
sem qualquer identificação possível.
Podem ter sido
questões de moral a precipitar os acontecimentos. Uma questão de moral
monárquica, dada a tal inconveniência de poder vir a aparecer em Buckingham um
príncipe real árabe.
Ou uma questão
de moral muito mais abrangente e grave, relacionada com a indústria de
armamento, a desembocar na encruzilhada também muito moral, quando toda a gente
se diz contra a guerra, e quando as armas não deixam de se fabricar em grande
escala, tendo por consequência de ser escoadas para o mercado, para qualquer
guerra, em qualquer lado, nem que seja preciso criá-la artificialmente,
inventá-la, a ela, guerra, sim, qual é a dúvida...
Claro, na
organização do nosso vasto e variegado mundo sempre em mudança, há valores
imutáveis. O lucro, um deles. Imutável e indiscutível e cimeiro valor de uma
nova moral que está a acabar de ser criada e a sobrelevar todos os outros e
doravante desusados (ridícularizados) valores.
O que dá
brutos lucros é fabricar minas e outro armamento. O que dá lucros fabulosos é
fabricar guerras. A paz não enriquece rapidamente assim tanta gente. E para que
a indústria de armamento continue florescente que importância tem a morte de
uma princesa real?
Que
importância tem que um príncipe britânico de sangue árabe não chegue a nascer?
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