OS
ENCENADORES DA HISTÓRIA
Os Documentos Secretos do Priorado, em que se
fundamentaram os autores do Sangue de
Cristo e o Santo Graal, e, por tabela ou por plágio, o autor do Código da Vinci, são obra de uns quantos
geniais pretendentes a encenadores da História. São ficção quanto ao
acontecimental, são ficção quanto à forma – a letra antiga é imitada. São
ficção quanto às genealogias que estabelecem do Priorado. A antiguidade dos
documentos é falsificada.
E também os actuais e reclamados superiores do
Priorado reconhecem a existência de uma fraude. Uma fraude que se destinava a
causar sensação e a desviar de outros assuntos e segredos mais sérios as
atenções do mundo esotérico. Esse segredo de que houve necessidade de distrair
as atenções gerais, sim, seria verdadeiramente importante e será revelado na
hora conveniente.
E é dessa hora e desse segredo que estou aqui a secar há que
tempos à espera. E que já tarda, não?
Mas talvez essa parte seja a menos
substancialmente importante de toda esta embrulhada, de todo este mistério que
envolve uma civilização e quando o poder mistificador do Homem se comprova
infinito.
As questões centrais, e verdadeiramente
relevantes, acho eu, são a declaração da divindade de Jesus Cristo, a condição
da mulher, a fixação dos textos do Novo Testamento. É aí que batem os teólogos
católicos na refutação das teses do Código
Da Vinci bem como do livro que o inspirou – ou que o autor dele plagiou. Um
acontecimento – o Concílio de Niceia no ano 325; e uma personagem histórica – o
imperador Constantino. Está aqui o fulcro da discórdia.
Sustentam os católicos haver provas de que o
cristianismo de antes de Niceia não era muito diferente do consagrado depois de
Niceia. Quais provas? Não sei. Dizem que em Niceia compareceram bispos cristãos
vítimas das perseguições dos romanos, militantes da resistência à consideração
do cristianismo como mais uma das religiões do império.
De resto, se o cristianismo fosse como o pintam os
autores em causa, nunca ele teria sido perseguido, visto que se enquadrava
perfeitamente nas diversas opções religiosas pagãs do tempo. Pois o
cristianismo teria justamente sido perseguido por não aceitar as concepções
religiosas imperiais e por persistir na convicção de que Jesus Cristo era Deus,
integrava a Trindade, tal como o Pai e o Espírito Santo. E talvez eles andem muito enganados, porque os evangelhos canónicos escritos antes do Concílio de Niceia – 250 anos
antes – já se refeririam a Jesus como filho de Deus.
Invoca-se o evangelho de Tomás, na passagem em que
ele chama a Jesus, meu Senhor e meu Deus.
Paulo, no ano de 58 – muito antes de Niceia,
portanto, escrevendo aos Romanos: e como
homem apareceu ele, o Cristo, que é Deus, e reina sobre todas as coisas.
Clemente de Alexandria, em 190: Só Jesus é tanto Deus como Homem
Ou Tertuliano, no ano de 210: Só Deus é sem pecado. O único homem sem pecado é Cristo, porque Cristo
também é Deus.
Orígenes, entre 185 e 204: Porque o Filho era Deus, encarnou e havendo sido feito homem permaneceu
como era: Deus.
E por aí fora.
A controvérsia principal em Niceia terá sido não a
divindade de Cristo nem o papel das mulheres, mas sim a posição e o ministério
de Ário, um sacerdote herético de Alexandria cuja doutrina se baseava no facto
de Jesus não ser Deus, e dando-lhe,
ainda assim, a dignidade de deus menor.
E também, ao contrário do que dizem os autores
contestatários, não teria sido renhida a votação em Niceia quanto às teses de
Ário – que viriam a dar no arianismo, como se sabe. Em 250 bispos só dois
teriam estado a favor da doutrina ariana. Os outros ter-se-iam limitado a
consagrar a doutrina católica e suas liturgias tal como hoje as conhecemos.
As teses que diziam Cristo como filho de Deus
teriam de ser anteriores a Niceia. Niceia seria apenas o conclave que tinha por
missão oficializá-las, universalizá-las, por assim dizer. Falta-nos apreciar as
teses contrárias. Donde, não me custa a crer que, como o congresso de um
partido dos nossos dias, tudo já estaria negociado com antecedência, e em
bastidores, porque restaria saber algo quanto à representatividade dos
delegados ao congresso. E se iam todos na mesma linha e só dois, para amostra,
se manifestaram contrários à posição maioritária, está-se mesmo a ver que as
coisas já tinham sido devidamente – politicamente! - trabalhadas em gabinete, e
como hoje não temos o testemunho dos que ficaram de fora e das suas razões, a
coisa, como argumento arrasador, fica um bocado coxa. A meu ver, claro.
As iconografias.
Mães a amamentar era imagem banal em romanos e em
egípcios. E outros.
Uma das personagens do Código Da Vinci conta-nos um ritual do Priorado. Um ritual sexual.
Mulheres vestidas de branco e calçadas de dourado com esferas douradas nas
mãos: homens totalmente de preto. Alguém diz que aquela era uma cerimónia
secreta e sagrada com 2.000 anos de uso. Todos estavam mascarados, de branco as
mulheres, de preto os homens.
O Hieros
Gamos.
Sacerdotes e sacerdotizas egípcias praticavam a
cerimónia. O ritual comemorava a fêmea e o seu poder e os seus dons de criação
de vida. Hieros Gamos quer dizer
casamento sagrado. Parecia uma cópula, mas desviava-se do erotismo.
Por esse ritual, macho e fêmea tinham a experiência de Deus.
Pode chegar-se ao àcume da experiência pessoal da
comunhão com Deus por meio do orgasmo.
Não há homem completo antes de conhecer
carnalmente a mulher, quer dizer, antes de se comunicar com o sagrado que há no
feminino. É esta a gnose, é este o conhecimento. É esta a exaltante e misteriosa
passagem da terra para o céu. Dura um brevíssimo instante. A mente esvazia-se.
Deus é finalmente avistado. Por acaso é verdade. Experimentem um dia…
No vácuo instantâneo e fulgurante do pensamento, a
experiência vivida só poderia relacionar-nos com o intangível, Deus. E daqui se
geraria a vida, pela união das duas metades da compleição humana original,
masculino e feminino. O sexo seria o caminho para Deus.
Se não for verdade… pelo menos é bonito…
Mas a refutação da Igreja retira uma carga sexual
às iconografias, mesmo pagãs.
Isis já não seria uma deusa popular da
fertilidade, seria já um signo iniciático das elites da Grécia e de Roma, em
cujo culto, segundo os defensores da teologia católica, não figuravam rituais
sexuais. Seguindo-se daqui que os pintores que representaram a Virgem com o
Menino, mais não fizeram do que seguir os modelos estéticos da sociedade em que
viviam.
Nem o altar é de inspiração pagã. É judaico.
A Santa Ceia. O acto de comer Deus. O cardeal Jean
Danielou teorizou sobre isso. Nada, ou pouco a ver com práticas pagãs. A
Eucaristía é instituída por Jesus a partir de uma certa comida sagrada também
dos judeus.
O domingo. Os teóricos católicos refutam a relação
com o paganismo. Os primeiros cristãos já guardavam o primeiro dia da semana e
nesse dia se reuniam. O oitavo dia. Aparece em Inácio de Antioquia e em S.
Justino. S. Justino que parece que é o primeiro a usar para o dia de domingo a
designação dia do sol.
Em 321, Constantino declara o domingo como dia de descanso, o que provaria que o domingo não é nada de inspiração pagã, que o
domingo é uma invenção genuinamente cristã.
O 25 de Dezembro…
Foi invenção, dizem, do imperador Marco Aurélio.
No ano de 274. Mas já antes os primitivos cristãos o celebravam como sendo a
data do nascimento de Cristo.
E quanto ao evangelho de Maria Madalena…Dizem ser um evangelho gnóstico tardio e escrito por gente de fora do cristianismo. É aí que se lê que M. Madalena e Jesus se beijavam na boca e assim despertariam as invejas dos outros apóstolos. Mas já nos atiram com o evangelho de Tomás, que cita Jesus ao dizer que Maria Madalena seria um espírito vivente que se aparentaria com os homens, e porque toda a mulher que se faça a si mesma de homem entrará no reino dos céus…
Bem, cuidado… isto está a descambar um bocado,
não?
Os apóstolos com inveja por Cristo dar beijos na
boca a uma mulher… a mulher a ter se fazer homem para… mas também isto é muito
correcto e natural para os nossos tempos, está até muito na moda dos nossos
dias…
Diz-se que o antigo gnosticismo está no presente a
ser recuperado pelos inimigos da Igreja e do papado. Mas sustenta-se que
precisamente o gnosticismo antigo era na verdade machista e elitista, repudiava
a materialidade e o corpo.
E também é arguido que Clemente V, o papa, quase
nada teve que ver com a destruição da ordem dos Templários. Já então residia em
Avignon. O grande e verdadeiro carrasco dos Templários terá sido unicamente
Filipe, o Belo.
Mona Lisa não é nada anagrama de Amon e Isis, é
Madonna Lisa. Mona Lisa não é nada uma representação andrógina. É apenas aquilo
que está histórica e oficialmente admitido: a mulher do comerciante florentino
Francesco Giocondo. E colocam-se ainda dúvidas quanto à homossexualidade de
Leonardo, mesmo que se saiba que na juventude ele tivesse sido acusado de
sodomia… sim, pode ter mudado de gostos… custa-me a crer…
se fosse o contrário, vá lá, já não me custaria tanto a crer…
Não, a Inquisição não matou tanto como se diz para
aí – pelos vistos, e tal como afirmam os negacionistas, o nazismo também não
terá morto tantos judeus como se diz. Entre 1400 e 1800 foram executadas por
bruxaria de 30.000 a 80.000 pessoas. E nem todas foram queimadas. A maioria nem
morreu às mãos de homens da igreja nem de católicos. A maioria das mortes
ocorreu na Alemanha, por histórico incidente, como resultado das guerras
protestantes dos séculos XVI e XVII. Porque também calvinistas e luteranos
exprobavam as bruxas. E porque também, egípcios, gregos, romanos e até vikings
deram morte a bruxas.
Segundo a Igreja, o que se quer propagandear com
base histórica é que as ditas bruxas outra coisa não seriam do que celebrantes
de uma religião feminista pré-cristã – o que é, o que será… historicamente
falso.
(Conclui no próximo número.)
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