quinta-feira, 29 de agosto de 2013


         
          OS ENCENADORES DA HISTÓRIA

 


Os Documentos Secretos do Priorado, em que se fundamentaram os autores do Sangue de Cristo e o Santo Graal, e, por tabela ou por plágio, o autor do Código da Vinci, são obra de uns quantos geniais pretendentes a encenadores da História. São ficção quanto ao acontecimental, são ficção quanto à forma – a letra antiga é imitada. São ficção quanto às genealogias que estabelecem do Priorado. A antiguidade dos documentos é falsificada.
Aliás, a própria existência histórica do Priorado de Sião poderia  ser outra das falsificações.
E também os actuais e reclamados superiores do Priorado reconhecem a existência de uma fraude. Uma fraude que se destinava a causar sensação e a desviar de outros assuntos e segredos mais sérios as atenções do mundo esotérico. Esse segredo de que houve necessidade de distrair as atenções gerais, sim, seria verdadeiramente importante e será revelado na hora conveniente.
E é dessa hora e desse segredo que estou aqui a secar há que tempos à espera. E que já tarda, não?


Mas talvez essa parte seja a menos substancialmente importante de toda esta embrulhada, de todo este mistério que envolve uma civilização e quando o poder mistificador do Homem se comprova infinito.
As questões centrais, e verdadeiramente relevantes, acho eu, são a declaração da divindade de Jesus Cristo, a condição da mulher, a fixação dos textos do Novo Testamento. É aí que batem os teólogos católicos na refutação das teses do Código Da Vinci bem como do livro que o inspirou – ou que o autor dele plagiou. Um acontecimento – o Concílio de Niceia no ano 325; e uma personagem histórica – o imperador Constantino. Está aqui o fulcro da discórdia.
 

 
Sustentam os católicos haver provas de que o cristianismo de antes de Niceia não era muito diferente do consagrado depois de Niceia. Quais provas? Não sei. Dizem que em Niceia compareceram bispos cristãos vítimas das perseguições dos romanos, militantes da resistência à consideração do cristianismo como mais uma das religiões do império.
De resto, se o cristianismo fosse como o pintam os autores em causa, nunca ele teria sido perseguido, visto que se enquadrava perfeitamente nas diversas opções religiosas pagãs do tempo. Pois o cristianismo teria justamente sido perseguido por não aceitar as concepções religiosas imperiais e por persistir na convicção de que Jesus Cristo era Deus, integrava a Trindade, tal como o Pai e o Espírito Santo. E talvez eles andem muito enganados, porque os evangelhos canónicos escritos antes do Concílio de Niceia – 250 anos antes – já se refeririam a Jesus como filho de Deus.

 
Invoca-se o evangelho de Tomás, na passagem em que ele chama a Jesus, meu Senhor e meu Deus.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Paulo, no ano de 58 – muito antes de Niceia, portanto, escrevendo aos Romanos: e como homem apareceu ele, o Cristo, que é Deus, e reina sobre todas as coisas.
 
                                 
 
       Inácio de Antioquia, entre os anos 35 e 107, escrevendo aos efésios: Pois nosso Deus, Jesus Cristo, foi, segundo o desígnio de Deus, concebido no ventre de Maria, da estirpe de David, mas por intermédio do Espírito Santo.

                      

Clemente de Alexandria, em 190: Só Jesus é tanto Deus como Homem

                                                        

Ou Tertuliano, no ano de 210: Só Deus é sem pecado. O único homem sem pecado é Cristo, porque Cristo também é Deus.

                  

Orígenes, entre 185 e 204: Porque o Filho era Deus, encarnou e havendo sido feito homem permaneceu como era: Deus.

                                                  

E por aí fora.
 


A controvérsia principal em Niceia terá sido não a divindade de Cristo nem o papel das mulheres, mas sim a posição e o ministério de Ário, um sacerdote herético de Alexandria cuja doutrina se baseava no facto de  Jesus não ser Deus, e dando-lhe, ainda assim, a dignidade de deus menor.
E também, ao contrário do que dizem os autores contestatários, não teria sido renhida a votação em Niceia quanto às teses de Ário – que viriam a dar no arianismo, como se sabe. Em 250 bispos só dois teriam estado a favor da doutrina ariana. Os outros ter-se-iam limitado a consagrar a doutrina católica e suas liturgias tal como hoje as conhecemos.
As teses que diziam Cristo como filho de Deus teriam de ser anteriores a Niceia. Niceia seria apenas o conclave que tinha por missão oficializá-las, universalizá-las, por assim dizer. Falta-nos apreciar as teses contrárias. Donde, não me custa a crer que, como o congresso de um partido dos nossos dias, tudo já estaria negociado com antecedência, e em bastidores, porque restaria saber algo quanto à representatividade dos delegados ao congresso. E se iam todos na mesma linha e só dois, para amostra, se manifestaram contrários à posição maioritária, está-se mesmo a ver que as coisas já tinham sido devidamente – politicamente! - trabalhadas em gabinete, e como hoje não temos o testemunho dos que ficaram de fora e das suas razões, a coisa, como argumento arrasador, fica um bocado coxa. A meu ver, claro.
 
 
As iconografias.

 
Mães a amamentar era imagem banal em romanos e em egípcios. E outros. 
Uma das personagens do Código Da Vinci conta-nos um ritual do Priorado. Um ritual sexual. Mulheres vestidas de branco e calçadas de dourado com esferas douradas nas mãos: homens totalmente de preto. Alguém diz que aquela era uma cerimónia secreta e sagrada com 2.000 anos de uso. Todos estavam mascarados, de branco as mulheres, de preto os homens.

 
O Hieros Gamos.

Sacerdotes e sacerdotizas egípcias praticavam a cerimónia. O ritual comemorava a fêmea e o seu poder e os seus dons de criação de vida. Hieros Gamos quer dizer casamento sagrado. Parecia uma cópula, mas desviava-se do erotismo. Por esse ritual, macho e fêmea tinham a experiência de Deus.
Pode chegar-se ao àcume da experiência pessoal da comunhão com Deus por meio do orgasmo.
Não há homem completo antes de conhecer carnalmente a mulher, quer dizer, antes de se comunicar com o sagrado que há no feminino. É esta a gnose, é este o conhecimento. É esta a exaltante e misteriosa passagem da terra para o céu. Dura um brevíssimo instante. A mente esvazia-se. Deus é finalmente avistado. Por acaso é verdade. Experimentem um dia…
No vácuo instantâneo e fulgurante do pensamento, a experiência vivida só poderia relacionar-nos com o intangível, Deus. E daqui se geraria a vida, pela união das duas metades da compleição humana original, masculino e feminino. O sexo seria o caminho para Deus.
Se não for verdade… pelo menos é bonito…
Mas a refutação da Igreja retira uma carga sexual às iconografias, mesmo pagãs.
Isis já não seria uma deusa popular da fertilidade, seria já um signo iniciático das elites da Grécia e de Roma, em cujo culto, segundo os defensores da teologia católica, não figuravam rituais sexuais. Seguindo-se daqui que os pintores que representaram a Virgem com o Menino, mais não fizeram do que seguir os modelos estéticos da sociedade em que viviam.



Nem o altar é de inspiração pagã. É judaico.


A Santa Ceia. O acto de comer Deus. O cardeal Jean Danielou teorizou sobre isso. Nada, ou pouco a ver com práticas pagãs. A Eucaristía é instituída por Jesus a partir de uma certa comida sagrada também dos judeus.
 
 
O domingo. Os teóricos católicos refutam a relação com o paganismo. Os primeiros cristãos já guardavam o primeiro dia da semana e nesse dia se reuniam. O oitavo dia. Aparece em Inácio de Antioquia e em S. Justino. S. Justino que parece que é o primeiro a usar para o dia de domingo a designação dia do sol.
       Em 321, Constantino declara o domingo como dia de  descanso, o que provaria que o domingo não é nada de inspiração pagã, que o domingo é uma invenção genuinamente cristã.
 
 
O 25 de Dezembro…


Foi invenção, dizem, do imperador Marco Aurélio. No ano de 274. Mas já antes os primitivos cristãos o celebravam como sendo a data do nascimento de Cristo.
       E quanto ao evangelho de Maria Madalena…


       Dizem ser um evangelho gnóstico tardio e escrito por gente de fora do cristianismo. É aí que se lê que M. Madalena e Jesus se beijavam na boca e assim despertariam as invejas dos outros apóstolos. Mas já nos atiram com o evangelho de Tomás, que cita Jesus ao dizer que Maria Madalena seria um espírito vivente que se aparentaria com os homens, e porque toda a mulher que se faça a si mesma de homem entrará no reino dos céus…
Bem, cuidado… isto está a descambar um bocado, não?
Os apóstolos com inveja por Cristo dar beijos na boca a uma mulher… a mulher a ter se fazer homem para… mas também isto é muito correcto e natural para os nossos tempos, está até muito na moda dos nossos dias…
Diz-se que o antigo gnosticismo está no presente a ser recuperado pelos inimigos da Igreja e do papado. Mas sustenta-se que precisamente o gnosticismo antigo era na verdade machista e elitista, repudiava a materialidade e o corpo.
E também é arguido que Clemente V, o papa, quase nada teve que ver com a destruição da ordem dos Templários. Já então residia em Avignon. O grande e verdadeiro carrasco dos Templários terá sido unicamente Filipe, o Belo.                                                   
Mona Lisa não é nada anagrama de Amon e Isis, é Madonna Lisa. Mona Lisa não é nada uma representação andrógina. É apenas aquilo que está histórica e oficialmente admitido: a mulher do comerciante florentino Francesco Giocondo. E colocam-se ainda dúvidas quanto à homossexualidade de Leonardo, mesmo que se saiba que na juventude ele tivesse sido acusado de sodomia… sim, pode ter mudado de gostos… custa-me a crer… se fosse o contrário, vá lá, já não me custaria tanto a crer…
Não, a Inquisição não matou tanto como se diz para aí – pelos vistos, e tal como afirmam os negacionistas, o nazismo também não terá morto tantos judeus como se diz. Entre 1400 e 1800 foram executadas por bruxaria de 30.000 a 80.000 pessoas. E nem todas foram queimadas. A maioria nem morreu às mãos de homens da igreja nem de católicos. A maioria das mortes ocorreu na Alemanha, por histórico incidente, como resultado das guerras protestantes dos séculos XVI e XVII. Porque também calvinistas e luteranos exprobavam as bruxas. E porque também, egípcios, gregos, romanos e até vikings deram morte a bruxas.

 
Segundo a Igreja, o que se quer propagandear com base histórica é que as ditas bruxas outra coisa não seriam do que celebrantes de uma religião feminista pré-cristã – o que é, o que será… historicamente falso. 
(Conclui no próximo número.) 

 

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