QUOTIDIANO E MORTE NO PALÁCIO
VENDRAMIN
Quando Wagner chega a
Veneza, em Abril de 1882, tem quase setenta anos. Está velho e cansado. Vem com
a mulher, Cosima, e com os filhos, os
dele e os dela.
Vai para o Palácio Contarini
delle Figure e depois para o Hotel de l’Europe. Por isto ou por aquilo não se
sente bem em nenhum deles e acaba por se instalar no Palácio Vendramin-Calergi,
sobre o Grande Canal – sempre sobre o Grande Canal. Aluga um andar inteiro. Isto
em Setembro desse ano de 1882.
A casa é decorada ao gosto
de Wagner. Damascos. Brocados. Antiguidades. Panos de seda de cores vivas.
Sugestões orientais. Perfumes intensos. Gosta de se rodear de decorações que
lhe lembrem cenários de teatro. Mas também gosta de evocar o ambiente da
residência de Wahnfried. E se não está em Wahnfried não é por mais nada senão
por causa dos rigores do clima.
O palácio Vendramin-Calergi
é hoje o casino de Veneza. Mas dizem-me que é possível ao turista lá ir e recolher-se
uns momentos no quarto onde Wagner morreu, enquanto à sua volta se joga a
roleta ou o baccarat.
Assim como
poderá alugar um quarto no Londra Palace Hotel, na Riva degli Schiavoni, onde
Tchaikovski compôs a sua 4ª sinfonia.
Bom, ser-me-ia possível quando estive em Veneza ir e entrar e
recolher-me entre jogadores no Palácio Vendramin Calergi se não fosse Natal e o
palácio-casino não estivesse fechado ao público.
Fui de volta. Por terra
firme. Aqueles antigos nobres venezianos preocuparam-se principalmente com as
fachadas dos seus palácios. E mais ainda com as fachadas que deitavam para o
Grande Canal. Daí a magnificência, a bebedeira estética que é a subida do dito
Grande Canal, fachadas de uma plástica de cortar a respiração (passe a
vulgaridade), sem sabermos para onde virar os olhos – isso em comparação com a
relativa modéstia das entradas dos palácios por terra firme.
No Vendramin, como disse,
fechado por ser Natal, fui de volta. As trazeiras do majestoso palácio
Vendramin-Calergi dão para uma ruela sem graça. A porta sim, é relativamente sumptuosa,
pintada de um negro brilhante e a lápide a celebrar o mestre é imponente.
Em Veneza naquele ano de
1882, Cosima mantinha fielmente o seu diário. E foi por ele que ousei entrar no
quotidiano e na intimidade veneziana da família Wagner e saber que Wagner vai
ao barbeiro, estranhamente, a um domingo.
Deitara-se tarde, falara
muito de Buda, mas dormira bem. Depois do jantar desse domingo, 24 de Setembro,
rebenta sobre Veneza um temporal.
Vão ao padeiro. Wagner tem-se
queixado do pão. Não era bastante estaladiço para o gosto dele.
E todos os dias, ao fim da
tarde, a família Wagner está caída no café Lavena
e dá uma volta pela Praça de S.Marcos. Às vezes apenas se sentam nos bancos de
pedra entre as colunas do portal da basílica. Os cruzados - os templários? - teriam seguramente pisado
aquele mesmo chão. Wagner pensa nisso. E diz sentir-se sempre mais alegre
quando a mulher está com ele.
Cosima anota no diário a
felicidade daqueles dias em Veneza, passados junto do marido, sem dúvidas nem
sombras entre eles. Sente-se indigna de tanta felicidade. Gostaria de reprimir
em si o acto de respirar… para que ele e
só ele domine… - ele, o marido. E bendiz a potência divina que lhe concedeu
tão magnífico destino.
Visitando igrejas, vendo
pintura, andando de gôndola, apreciando o desenho dos palácios, Wagner exclama
no dia 30 de Setembro: é belo viver-se
perto destas coisas. Tem-se uma contínua sensação de miragem.
Às vezes, o mestre
transgride no seu regime alimentar e não resiste à cerveja.
- Sobre esta a terra todas
as culpas se pagam – está ele a dizer à mulher. - Se bebes cerveja sofrerás as consequências.
Na livraria encomenda Walter
Scott.
Compra queijos numa loja do
Rialto.
Irrita-se com a ausência, a certas horas, de
alguém da casa.
- Nós homens, nunca
conseguiremos adaptar-nos a uma imagem da Eternidade – diz à mulher.
Visita igrejas, palácios.
Vai a Murano, a Torcello, a Modena. Ao Palácio Loredan. Passa horas esquecidas
a ver pintura na Accademia. Vai ver a Virgem Negra da Igreja de S. Jorge dos
Gregos.
Ouve, numa gôndola que passa pelo Canal, um motivo verdiano cantado em
dueto. Canta-o em casa e ri, ri do ritmo sincopado da melodia, reconhecendo a
naturalidade e espontaneidade da linha melódica verdiana. Cosima nota que não
obstante a banalidade dessas melodias era forçoso reconhecer-lhes um efeito
extraordinário e a perfeita consonância delas com aquele ar,com aquele céu.
Vão ao Jardim Público e
ouvem o Lohengrin – nesta época já não
tocado por uma banda militar austríaca, porque os austríacos já se foram embora
de Itália.
No Arsenal insiste na
contemplação dos leões.
E experimenta sempre grande
prazer quando se detém sobre a ponte de Rialto,
reflectindo que cidade alguma poderá alguma vez competir com Veneza.
- Quantas histórias, quantos
acontecimentos nos poderia contar cada um destes palácios?
Vão comer gelados a
S.Marcos. Recebem. O conde Gobineau visita o palácio Vendramin no dia 22 de
Outubro de 1882. É um dos primeiros teóricos do racismo, ou do anti-semitismo.
Wagner estimava-o e admirava-o muito, mas tinha algumas dificuldades com a
língua francesa, achava-a atrozmente
dura.
Recebe a carta de um
dinamarquês a pedir conselhos: quer deixar tudo para se dedicar à música.
Wagner fala-lhe dos aspectos negativos, e até perigosos, da música, a música
pode ser uma forma de ócio - e pode. Digo eu. Conheço casos.
As reflexões acerca do
budismo continuam a acompanhar Wagner. Só um estudo aprofundado do budismo,
segundo ele, nos capacitaria para conhecer efectivamente o Cristianismo e
compreender porquê a renúncia pode ser a mais alta e heróica das forças
humanas. Buda tem, para Wagner, a grande qualidade de não se ter pronunciado a
respeito da orígem e da finalidade das coisas.
Buda não aceitava os doentes
nem os estropiados. E Wagner concorda, por cruel que pudesse parecer tal
posição, porque ela encerrava um profundo significado, uma imensa sabedoria. O
sentido da atitude tem que ver com a vontade de reprimir o desejo. Não podiam
ser aceites aqueles a quem a doença tirara todo o estímulo para desejar.
O budismo significava para
Wagner toda a força juvenil do intelecto humano. Separar-se do que se ama;
viver com o que se odeia – o sentido budista do sofrimento da espécie.
Todas as manhãs Cosima
regista obrigatoriamente no diário como foi a noite do marido, se dormiu bem,
se dormiu mal, quantas vezes se levantou, se adormeceu depressa e em paz, se
fechou os olhos agitado, se acordou bem disposto - e diga-se que na maior parte
das vezes Wagner acordava irritado.
Nos começos de Outubro de
1882 já ele se queixa de intensas e espasmódicas dores no peito. O scirocco deixava-o muito em baixo.
Continuava a pensar que aos animais fora recusada a faculdade de superar a dor,
o dom da resignação e da profunda calma que dela deriva, porque essa superação
da dor e essa resignação nunca pode visar, nos animais, um fim superior.
E quanto ao Homem? O Homem pode recolher a
existência falhada do animal, pode reconhecer o erro que é a própria
existência, e por esse reconhecimento chegar ao poder de redimir o mundo – tudo
isto, afirmava, era musicalmente dito no 3º acto de Parsifal, ao nascer do sol
de Sexta-Feira Santa.
Os serões no palácio
Vendramin-Calergi quando habitado pelos Wagner, sem televisão, sem rádio,
calcula-se como seriam. Wagner hospedou nessa temporada vários músicos, o
pianista e compositor Anton Rubinstein, entre eles – não confundir com Arthur
Rubinstein, que morreu velho mas não tanto.
A certa altura da estadia
chegará o sogro, o grande Franz Liszt.
Havia um piano na casa. Havia livros, os
clássicos, de que os membros da família liam trechos uns para os outros. E acho
eu que não devia ser tão enfadonho assim ter, ao piano, aos serões, Liszt e
Wagner – Wagner que também cantava, e bem, dizem, e com excelente voz, talvez
de tenor, tenor wagneriano, deduz-se.
Wagner pode uma noite
dirigir Rubinstein, que toca ao piano a Heróica
de Beethoven.
Cosima pode ler trechos das Afinidades Electivas, de Goethe.
Wagner pode ler, em voz alta
e comovida, passagens de Wilhelm Meister,
comentando a extravagância do estilo goethiano.
Noutra noite, Wagner pode
cantar com uma das filhas o dueto de Walter e Eva dos Mestres Cantores, depois de Rubinstein ter tocado ao piano a
abertura.
Tudo isto aconteceu mesmo.
Nas noites de 14 e 15 de Outubro de 1882, uma 5ª e uma 6ª feiras.
Leituras: do D. Carlos de
Schiller; da História de Veneza,
dedicadas aos filhos; de Júlio Verne. Leitura dramatizada, e comovida do Romeu e Julieta. Wagner vai às lágrimas
com a cena de Pórcia do Mercador de
Veneza.
Siegfried, o filho, que já
sabe remar uma gôndola, pergunta ao pai o que quer dizer a palavra cólica.
Execuções inúmeras da música
de Beethoven, seguidas de meditações.
E as partidas de whist, quase obrigatórias nos serões do
palácio Vendramin-Calergi. E as discussões sobre o Renascimento: a arte não foi concebida para ser inovadora.
Um raio abate-se sobre a
Giudecca no sábado, 28 de Outubro, e cai sobre Veneza uma chuva quente.
Não se pode pintar Cristo. Mas pode apresentar-se Cristo por
música. Wagner dizia ter renunciado à figura de Cristo numa ópera sua e
por isso criara Parsifal. Seria impensável, terrível, um tenor a representar o
papel de Cristo.
Wagner alarga-se sobre a inutilidade dos conservatórios.
- Aquilo que uma pessoa não
aprende sozinha não aprenderá por certo num lugar desses.
Wagner aumenta de uma para
cinco as doses prescritas das pílulas que o médico lhe receitou para os
espasmos e não dispensa a sua gota de ópio. Com o agravamento das dores irá
submeter-se a um tratamento de massagens.
Delicia-se com o canto dos
gondoleiros e profetiza o próximo e incontestado domínio do mundo pelos EUA.
Cosima é muito precisa e
expressiva a anotar os sonhos, os seus e os do marido. Um sonho de Wagner: ela,
Cosima, abandonara-o e ele segue-a, apanhando um comboio, gritando-lhe pelo
nome.
Wagner tem frequentes
acessos de cólera. Embirra com tudo. Embirra com todos. Constantes mal-estares,
inquietações, ansiedades. Irrita-se muito porque o professor de música do filho
lhe deu como exercício uma melodia da Lucia,
de Donizetti.
Critica o primeiro casamento de Cosima com Hans von Büllow, o
maestro.
Queixa-se de nunca nada lhe ter sido dado directamente pela natureza,
de ter obtido sempre alguma coisa deixada por outros. Critica ainda Cosima por
fazer muita sociabilidade em Veneza – enquanto ele quase não se dá com ninguém.
Critica a Cosima a galantaria que herdara do pai. Encoleriza-se contra o
mau tempo, contra o demasiado aquecimento do palácio, contra os criados, contra
os filhos, contra a vida.
Na noite de 7 de Novembro
Wagner sonhou que chorava e dizia à mulher: eu
sei que te queres livrar de mim, que te queres ir embora. E depois de
contar esse sonho admitira que a imaginação ocupava um lugar excessivo no seu
sofrimento.
Considera Auber superior a
Berlioz. Considera Berlioz competente e inteligente mas artificioso.
Cosima sonha que o marido
lhe diz: se Deus me criou, quem lho terá ordenado? Se
eu sou feito à sua imagem, põe-se a questão de saber se isso me dá alguma
satisfação.
A obsessão dos judeus. Como
fora possível os judeus terem tanta importância no mundo, mesmo admitindo entre
eles algumas estirpes persistentes e inteligentes?
Uma momentânea decadência só
provava a grandeza de uma cultura. A tragédia grega teve vida curta. Idem para a
espanhola de Calderon.
- Vejam que até Shakespeare
foi esquecido depressa e é agora mais apreciado do que no seu tempo.
Projecta a representação de
todas as suas óperas em Bayreuth e pensa colocar o filho, Siegfried, à testa
dessa empresa familiar.
- Mas sim, claro, daqui a
dez anos, com vinte e três, Fidi estará em boa idade de mostrar o que vale, não
achas ? – pergunta à mulher.
Mas lamenta-se de ter
prejudicado com a sua fama a vida e a carreira futuras do filho.
No dia 19 de Novembro, ao
cair da noite, Franz Liszt chega ao palácio Vendramin para passar o Natal com a
filha e o genro.
Desembarcado da aparatosa
gôndola, Liszt é recebido na escadaria nobre do palácio com todas as lâmpadas
de gás acesas – tinham pensado em recebê-lo à luz de archotes, mas não fora
possível.
Liszt chega cansado, todavia
um pouco melhor do que se poderia esperar. Não há grande conversação entre
eles. Há alguma cerimónia. Aliás, Wagner passará a embirrar também com o velho
sogro e a criticá-lo por tudo e por nada. Liszt, à época, estaria de longos e
lisos cabelos brancos a escorrerem-lhe pelos ombros, devia ter uma aparência de
santidade. Devia irritar o genro até por isso.
Escorregando sobre as águas
em gôndola nocturna, Wagner e Cosima discorrem sobre o quanto o amor deles foi
fácil e o quanto, ao invés, a união deles foi difícil. Cosima diz ter vivido
uma vida cheia de maravilhosas experiências e garante poder morrer nessa mesma
noite, 23 de Novembro de 1882, com a sensação de ter vivido plenamente a vida.
Liszt vai ocupar outra
dependência do palácio e, como era de regra, ele e o casal, apesar de tomarem
as refeições juntos, fazem-se visitas quase formais. Mas há um mal estar sempre
latente entre Wagner e o sogro, apesar de terem sido, noutros tempos, grandes
amigos.
Wagner não vê com bons olhos
as visitas que a mulher e o sogro fazem à sociedade veneziana - à princesa
Hatzfeldt, por exemplo. Wagner irrita-se com Liszt por este estar sempre,
depois do jantar, concentrado nas cartas do
whist e não lhe prestar a devida atenção. E diz mal das últimas obras dele,
chama-lhes loucura em estado de germinação.
A ironia e a crítica a Liszt
são cortantes e constantes. Mas Wagner não lhas faz directa e pessoalmente.
Desabafa com Cosima. E se Cosima lhe pede para as dizer directamente ao pai,
Wagner replica que seria demasiado cruel para ele. Mas nos momentos de boa
disposição arrepende-se das más palavras que dedica ao sogro. E acontece, ao
jantar, referir-se na frente de Liszt à sua escandalosa fuga com a filha,
Cosima, e Cosima não pode compreender aquela atitude ostensiva do marido.
Serões. Leituras de Tolstoi
(Guerra e Paz). Wagner toca a sua
música ao piano. Cosima lê ao marido os sonetos de Miguel Angelo.
Liszt, amargamente irónico,
comenta que o mundo nunca mais dirá dele que é o melhor, a não ser a jogar whist. E também se lamenta de ser
sempre nessa fase considerado apenas como pianista.
Discute-se o guarda-roupa da
personagem de Kundry, no Parsifal. O
rei Ludwig quer ver Parsifal representado em Munique.
As despesas com a luxuosa estadia
no palácio Vendramin são elevadíssimas e alarmam Cosima. Fala nisso ao marido.
Wagner não quer saber de economias.
E Liszt cai à cama em
Dezembro. Wagner zanga-se com Cosima por causa de Liszt. Wagner acusa a mulher
de ter a mania de ser a virtude personificada. Cosima argumenta em lágrimas que
nunca na vida se sentiu superior a ninguém.
Vem a saber-se do precário
estado de saúde de Hans von Büllow (que dera uma queda no banho) e Cosima sofre
de acentuados sentimentos de culpa para com o ex-marido - que um dia traiu e abandonou para ir viver
com Wagner. Cosima vê, em sonhos e acordada, o ex-marido, triste e só,
internado num hospício às portas da morte.
O Natal está aí.
Liszt recompõe-se dos achaques.
Ao jantar, Wagner diz que
uma mulher viúva deve ter um negócio e viver com os filhos. Se assim não for,
deve ir para um convento. E voltando-se para Liszt diz:
- E os viúvos também!
Depois, ao deitar, Cosima repreende uma vez
mais o marido pelos modos dele para com o pai. Recorda-lhe que Liszt está
adoentado e muito cansado e que não tem uma consciência muito lúcida do que se
passa à sua volta. Wagner dá-lhe só meia razão.
Wagner começa a ensaiar com
a orquestra do La Fenice a sua velha e esquecida sinfonia em Do maior. Aquela
sinfonia fora composta cinquenta anos antes em intenção de sua mãe. E diz aos
músicos:
- Estejam à vontade comigo,
meus senhores… se preferem tocar alguma coisa de novo, de realmente novo,
escolham uma sinfonia de Beethoven ou de Haydn.
Os ensaios correm muito bem,
independentemente do cansaço e dos espasmos dolorosos que não largam Wagner. Mas
sente-se bem a ensaiar. Vendo bem as coisas, não faz mais do que praticar a sua
verdadeira profissão: dirigir orquestras.
A noite de Natal de 1882
coincide com o aniversário de Cosima e é passada pela família no Teatro La
Fenice.
Wagner dirige a sua
sinfonia. Muita festa, amigos, aplausos, cumprimentos. Em seguida, uma festa
privada nos salões do teatro, oferecida pelos músicos em homenagem a Cosima.
Brindes à filha de Liszt. Wagner fala ao ouvido do sogro:
- Estás a ver… a tua filha… anh?
Que tal? Gostas da tua filha? Então, se gostas da tua filha senta-te ao piano e
toca para eles.
Liszt aceita gostosamente a
sugestão. A noite vai longa e brilham estrelas quando descem a escadaria do
teatro e se metem nas gôndolas de regresso a casa.
O novo ano entrou menos mal
no palácio Vendramin. Depois de um dos seus acessos de mau feitio, Wagner
conclui que, com ele, as pessoas têm a obrigação de ser cautelosas e
indulgentes. Os espasmos no peito são cada vez mais intensos.
No carnaval de 1883, Cosima
divertiu-se com os cortejos de máscaras e calculou em 20.000 os mascarados a
cirandar pela Praça de S.Marcos.
Após um concerto na
Alemanha, em Meysenburg, com o Parsifal,
o empresário Förster declara no banquete que se seguiu a esse concerto que
Wagner não teria muito tempo de vida.
- O homem que criou uma obra
como Parsifal não deve poder viver muito mais tempo.
Na 5ª feira, 13 de Fevereiro
de 1883, premonitoriamente, ao acordar, Wagner cantarolou a frase do Comendador
a D. Giovanni: Don Giovanni, tu
m’invitasti a cenna, rematando para a mulher, e referindo-se às dores:
- Hoje tenho que ter
cuidado.
Também lhe confessa que
todas as mulheres da sua vida lhe apareciam constantemente em sonhos e lhe
desfilavam em silêncio diante dos olhos.
O inverno parece-lhe eterno.
O inverno parece-lhe eterno.
Nesse dia 13 de Fevereiro de
1883, quando todos se preparam para almoçar, o criado, Giorgio, aparece. O
Mestre ainda não descera porque não se sentia bem.
Cosima vai ao quarto ver o
marido. Regressa: Richard teve um dos seus habituais espasmos. Quer estar
sozinho.
A família e o amigo pintor
russo Jukovski, que está de visita, vão começar a almoçar.
Pouco depois, a campainha
toca duas vezes com muita força. A criada Betty, pálida, aparece. Era preciso
mandar um criado chamar o medico.
Às três da tarde entra no
palácio o Dr. Keppler. Vai ao quarto do doente. Regressa minutos depois. Não
havia nada a fazer. Dirige-se aos filhos:
- O senhor vosso pai está
morto.
Cosima vela o corpo do
marido durante 25 horas seguidas. Pede que lhe cortem os longos cabelos. Não
quer receber ninguém.
O anúncio da morte de Wagner
corre depressa pelo mundo. O rei Ludwig exige que as honras fúnebres sejam
feitas em Munique.
O féretro abandona o palácio
Vendramin pela escadaria que deita para o Grande Canal. A gôndola coberta de
crepes e palmas transporta a urna até à estação de caminho de ferro. Estava um
maravilhoso sol de primavera.
Dois meses depois da morte
de Wagner a Tetralogia do Anel do Nibelungo foi levada à cena integralmente, e
pela primeira vez em Itália, em alemão, no Teatro La Fenice.
No Grande Canal, defronte do
palácio Vendramin, realizou-se um grande concerto com obras do mestre, a
orquestra num barco, os coros noutro barco, os solistas chegando em gôndolas…
Que relato fascinante... Obrigado.
ResponderEliminarViva WAGNER!
obrigado Joel, saudades de o ouvir na rádio
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