domingo, 7 de dezembro de 2014

    OS QUE CHEGARAM ANTES DE SÓCRATES

Bem, senhoras e senhores, antes de Sócrates… antes de Sócrates foi quem? Só pode ter sido o Santana Lopes, ou o Durão Barroso, ou o Guterres. O Cavaco no máximo. É o que as senhoras e os senhores quem têm a paciência de ler isto estão a pensar. 

        


Mas porque é que este nos vem agora desinquietar a memória tão boa que temos desses tão estimáveis senhores que não vigarizaram ninguém, que não estragaram nada, que não deram ensejo a qualquer corrupção, que não arruinaram nada, que nunca gastaram um tostão além da conta?
Não foi assim?
Se calhar não…
Se calhar, senhoras e senhores, nem tudo foi assim tão bom antes de Sócrates. Mas também nem tudo foi tão mau como está a ser depois de Sócrates.
É isso. Sócrates é um marco.


Mas não me perguntem o que é que não foi bom e o que é que não foi mau, porque eu, a dizer a verdade, passados estes anos, tantos, de vivência democrática já nem me sinto em condições de saber dessas coisas, o que foi bom e o que foi mau, quem foi e quem não foi, e porquê e porque não. Já nem quero saber!
Vejam lá ao que chegou o meu nível de cidadania, depois de levar 40 anos a perceber que não fomos governados nem por fascistas, nem por comunistas, nem por neo-liberais, nem por sociais-democratas ou socialistas: que fomos governados mais propriamente por uma ideologia que suplantou em Portugal as ideologias mais famosas: os vigaristas.
Pois é. Hoje em dia sabe-me tudo ao mesmo. E claro que é tudo muito mais complexo do que o comum das gentes possa pensar.

O que podemos é pensar noutras coisas, ou noutras pessoas que por acaso também tenham vindo antes de Sócrates e de quem já poucos se lembram, esses que não se chamavam nem cavacos, nem guterres, nem durões, nem barrosos, nem santanas.
Então como diabo se chamavam esses de quem a gente já não se lembra e que vieram antes de Sócrates?
Olhem, um: Tales de Mileto. Diz-vos alguma coisa? 


E Anaximandro, e Anaxímenes? Não vos dizem nada? Pois olhem que esses apareceram neste mundo antes de Sócrates.


E Pitágoras – o famoso Pitá da linha de Cascais lá de Siracusa? Ah, este já diz alguma coisa. É por causa do teorema. Mas o Tales também teve um teorema que fez o seu furor na longa noite da movida de Mileto. A quantidade de boa gente que por cá apareceu antes do Sócrates, senhores! O Parménides, o Heraclito, o Empédocles. Pois é desses que eu quero falar.
Ou julgavam então que eu ia perder o meu rico tempo e o meu rico espaço bloguista a bater no ceguinho, a murmurar contra quem já por cá passou e que se espera nunca mais volte a passar… não.
Sócrates. Porquê Sócrates? Porquê o prisioneiro de Évora, a quem agora, e por causa dos profundos estudos de Filosofia na Sorbonne, chamam o Kant alentejano?
Mas não é esse. É um outro, menos afamado, mas igualmente marcante. E principalmente porque foi ele uma espécie de pedra de esquina do pensamento ocidental, e até com a vantagem de não se saber ao certo se existiu mesmo.


Não, não quero fazer comparações, nem quero pôr em dúvida se qualquer outro Sócrates alguma vez tenha existido realmente, ou exista realmente neste momento; ou até se teve, ou tem, algum Platão que o tenha feito existir, ou ainda continue a fazê-lo existir como o outro teve, e lhe tenha escrito e publicado o pensamento, e lhe tenha andado a tratar da imortalidade.


Vou tratar de moral. Portanto, vê-se logo, não? Moral, pensamento, conhecimento, linguagem, amor, ódio, vida, morte, milagres, natureza, peregrinação, transmigracão, metempsicose, devir, inteligência.
Vou tratar dos princípios fundadores da moral que a gente melhor conhece e vive, a ocidental. Vou tratar dos filosófica e historicamente chamados de pré-socráticos. Até porque, como digo, e se não o disse digo agora, já havia vida e ética e moral e pensamento e conhecimento… e crime, e corrupção, e traficância de dinheiros até antes de Sócrates ter aparecido. Parece que não havia, mas havia. E seja esse Sócrates qual for.
Questão de moral e de pensamento ocidentais formatados, digamos assim, pela tradição dos pré-socráticos, sim, mas também muitos especialistas se inclinam para a forte probabilidade de o pensamento e a tradição pré-socráticos deverem muito precisamente à influência oriental. Tanto é, que todos, ou a maioria dos que pensaram antes de Sócrates, serem provenientes da Ásia Menor.


E quem chegou da Ásia direitinhos à península helénica foram os aqueus. No segundo milénio antes do anterior ao presente. Mas os dórios perseguiram-nos e eles foram à Ásia Menor e lá fundaram cidades gregas, a Fócida, Colofon, Éfeso, Samos, Mileto, Smirna, Naxos, Lesbos. Há guerras com os medos, com os persas, enquanto os gregos da Hélada se defrontam com os cartagineses.


Havendo guerras há trocas. Os povos asiáticos tomaram contacto com a civilização grega. Diz-se que foi dos aqueus que os gregos receberam os fundamentos da sua língua e dos seus mitos; enquanto os gregos que colonizaram a Ásia Menor, em contacto com o Oriente e o Egipto, assimilaram destes a escrita, o cálculo, a astronomia.
É claro que os orientais construíram a ideia civilizacional de que tudo o que os gregos eram, valiam e conheciam lhes era devido.
O Egipto, segundo os seus sacerdotes, propaga a ideia de que o mesmo Egipto é o berço das civilizações ocidentais. Heródoto, o grande viajante, nem vai muito fora disso. Escreve sobre o Egipto e declara que a civilização grega nasceu no Egipto. Mas terá ele dito mesmo isso, ou isso não passará de tradição oral? Heródoto não lia egípcio, não decifrava papiros, apenas reproduzia o que ouvia dizer.


E falando de alguns dos maiores expoentes do pensamento que nesta vida existiu antes de José… ai, perdão, antes de Sócrates, fala-se do tal Tales, o de Mileto, segundo alguns grande viajante pelas ásias, discípulo de sacerdotes egípcios e de origem fenícia.
Outra grande estrela, antes da chegada da grande estrela Sócrates foi, como disse, o divino Pitágoras. O qual, ao que dizem os contemporâneos, muitas férias em turismo de qualidade pelo Egipto também passou. E Heraclito, outro que tal, muito influenciado pelos egípcios e persas e em particular por um moço amigo chamado Zoroastro.


E houve até quem garantisse que o próprio Sócrates, quem havia de dizer, não teria sido ninguém na vida se não tivesse concluído brilhantemente, como se sabe, os cursos ministrados… por um viajante indiano chegado a Atenas e tendo dele recebido os diplomas convenientes; enquanto outros consideram esta tese falsa como Judas, sendo difícil, como se vê, mesmo passado tantos séculos, e mesmo no que respeita a uma figura tão conhecida como Sócrates, apurar a verdade quanto aos estudos e às licenciaturas dele. Tudo em segredo de…


Sobre estas incógnitas quanto à génese filosófica e mística dos que viveram antes de Sócrates decorreram séculos e séculos de silêncio e de segredo. Foi preciso chegar o século XIX e seus influenciáveis românticos para se recomeçar a pensar nas tradições perdidas e a mitificar essa fantástica antiguidade de silêncios e segredos. E também, diga-se para se remitificar o Oriente como espaço espiritual fundador de todo o pensamento.
Os românticos europeus – mais propriamente os idealistas alemães – chegam a pontos de atribuir a Pitágoras uma estreita relação com a China; ou de dizer que os eleatas foram beber à Índia – economias emergentes, claro; ou que Empédocles reproduzia interpretativamente a tradição egípcia nos seus ensinamentos; ou que Heraclito aprendera tudo com os persas (o temível Irão!) e que os judeus (sempre eles) estavam na base das teses de Anaxágoras. Se uns pensavam e escreviam assim, outros, também alemães, refutavam em absoluto tais dizeres. O costume.
Mas, remontando aos textos dos gregos de antes de Sócrates, referem os investigadores que não existe indício algum de influência asiática no corpo das ideias gregas. Nem Marcelo Rebelo de Sousa, nem Pacheco Pereira, nem Aristóteles dizem uma acerca de tais influências. 


Platão, que terá viajado numas férias grandes com a turma dele pelo Egipto, chega a estabelecer divergências substantivas entre as temáticas egípcias e as gregas. Que o espírito dos egípcios e fenícios era orientado pela técnica e voltado para o concreto e para as vantagens materiais (novas tecnologias, investimentos, off-shores, vai-se a ver já lá andava mãozinha de um certo Espírito santificado), ao passo que o edifício mental grego era todo orientado no sentido do conhecimento e o que constitui semelhança de pensamento talvez não possa ser chamado de influência real.
Semelhanças mitológicas podem ser devidas a uma origem indo-europeia comum. O alfabeto grego é de raiz fenícia e aparentado à escrita hebraica, e a medida do tempo é de proveniência caldeia.


                                                                      

O certo será talvez dizer que as fontes do conhecimento dos que chegaram antes de Sócrates estão perdidas – nunca acreditei nisso, mas enfim. A obra desses é uma obra perdida nos séculos (é capaz) e da qual sobrou apenas um conhecimento fragmentado transmitido através dos tempos de certa forma e em tons de carácter iniciático. E são os grandes românticos alemães que tentam reconstituir as problemáticas perdidas. Nietzsche.

                                                                                                 

Dizem alguns entendidos que os que chegaram antes de Sócrates são a tradição perdida do pensar – os mais viciados em política podem perguntar-se “pensar o quê?”, mas não, não é disso que estou a falar. Porque Sócrates, como digo (ou antes: como dizem) marcou uma viragem, um novo tempo. E a tradição perdida, e antiga, do filosofar, era profética, iluminada pela verdade de uma palavra suspensa nas estruturas do tempo – só se foi muito, muito antes de Sócrates, realmente. Mas enfim, uma palavra que invocada tomará o fôlego de uma mensagem. Uma mensagem que, difundida, sugere a imanência de um deus.
Os que chegaram antes de Sócrates eram algo misteriosos homens de missão – só se foi muito antes de Sócrates, realmente. Eram intermediários, meio feiticeiros, meio sacerdotes. A visão do Ser é o que inaugura o Homem. O Ser não É, É pela visão do Homem. Ao Homem não cabe definir nem construir o sentido das coisas pré-existente a ele. Ora aí é que está…
A natureza é uma força em desenvolvimento e dela não poderá o Homem ser o senhor.


E a medida não é uma quantidade. A medida é uma expressão. Expressão de algo. Expressão de quê? Ora ora… da harmonia entre o todo e as partes. Medida é moral, é ética, é Ser.
Nietzsche atribui aos que apareceram antes de Sócrates o pensamento trágico ligado ao problema do Ser. Também estou nessa.
Sócrates seria para Nietzsche o paradigma do pensador optimista? Não. Nietzsche também não foi tão longe. E nem eu queria ir tão longe.
Nietzsche, sempre paradoxal, considera os pré-socráticos os grandes inimigos do saber e ao mesmo tempo os grande adeptos desse saber. Os pré-socráticos terão querido viver no imediato tudo quanto aprendiam. Era a vida que servia o conhecimento e o pensamento e não o contrário.
E até Nietzsche, calcule-se, ataca Sócrates. Só faltava este.
 É verdade. Sócrates seria o responsável pela contestação ao valor dos instintos morais. É capaz de ter razão, o diabo do homem.


Porque Sócrates teria baseado no conhecimento a via da virtude. O mal seria soberano no território onde faltasse o conhecimento. E Nietzsche diz que os pré-socráticos são os verdadeiros filósofos gregos. E quem sou eu para discutir isto?
Quem pôs os problemas do devir? Heraclito. Anaximandro. Quem diz que é a inteligência que determina os fins desse devir? Anaxágoras. Quem definiu o fenómeno e levantou a questão a existência do Ser? Os eleatas.


E eu de facto, não é por nada, mas já tinha reparado que Sócrates nunca tinha falado em tais coisas. Só se começar a falar agora, depois dos estudos filosóficos na Sorbonne e com tempo de sobra para reflectir…


Bom, mas já nos tempos mais recentes, Heidegger também se dedicou aos que chegaram antes de Sócrates. Até esse nazi de uma cana! E Heidegger lá entendeu que esses não se afastavam muito do Ser em função do existir. Lá entendeu terem sido os que chegaram antes de Sócrates a marcar a oposição entre o Ser e o Devir, a estabelecer ligações entre o Ente e o Nada, ou a definir verdade não como relacionamento lógico, mas como abertura e manifestação. Irra!
Houve quem dissesse ser impossível compreender Heraclito sem ter lido e assimilado Heidegger – um dos tais casos, como na música, em que o intérprete reinventa o autor e a ele se sobrepõe. Como se, afinal, os que chegaram antes de Sócrates, fossem discípulos dos filósofos contemporâneos – ou, enfim, como se os que chegaram antes de Sócrates tivessem aprendido alguma coisa com ele, Sócrates, e mais com os da sua corte...


Até os surrealistas meteram o bedelho no caso, apontando Heraclito, entre outras coisas, como o campeão da luta dos contrários. Ou dizendo que os que chegaram antes de Sócrates haviam sido uma espécie de homens-deuses, nem menos, investidos da força transcendental do mundo e no intento de restituir ao Homem um estado primitivo de filho do Sol. Duvido muito. Quem não os conheceu que os compre. Francamente. Fizeram trinta por uma linha, está bem, mas…



Hegel, Nietzsche, Heidegger foram intérpretes do pensamento dos pré-socráticos. Claro que resta saber com que graus de liberdade e de autenticidade os interpretaram, mas isso já não é da minha conta, porque tudo é imensamente discutível, e tudo neles, acerca desse ponto, pode ser flagrantemente original.


Depois de Sócrates... Bem, não falemos de coisas tristes. E ainda não sabemos da missa a metade…
Seja como for, são os que vêm a seguir a Sócrates que vão citar e vivificar a memória dos que vieram antes. Uma grande verdade. 

              



Mas não, não é desses que falo. Falo de Platão e Aristóteles, evidentemente. E Cícero. E Plutarco. E Clemente de Alexandria e seu aluno Orígenes. E o chamado bispo natural da Palestina, Eusébio, é verdade, o Pantera Negra de Cesareia, que já faleceu, coitadito, no ano de 315. Já não falando de Écio, de Estobeu, de Ário Didimo, e de outros nomes de que quem lê os jornais, vê a televisão e toma atenção ao que diz Marcelo Rebelo de Sousa se recorda perfeitíssimamente.
Chamaram aos que vieram antes de Sócrates, calcule-se, os primeiros sábios do Ocidente. Não riam, por favor. E primeira razão para insulto tal foi a singularidade de terem sido os primeiros a separarem-se do mito para descortinar a razão, embora, ainda assim, subsidiários da primitiva mentalidade - deve ter sido isso o que lhes acrescentou o fascínio. Só que nenhuma escola filosófica posterior a Sócrates deriva das que existiram antes de Sócrates. Pois não, a qualidade das coisas desta vida vai-se degradando. Muito diferentemente, neste ponto andou-se de frente para trás. Os pós-socráticos descobrem e identificam-se com os pré-socráticos, e avaliam-nos, inevitavelmente como os pós-socráticos que eram, e apreciaram-lhes o conhecimento em função do seu próprio conhecimento.
Os mais religiosos viram no pensamento dos que chegaram antes de Sócrates uma teologia dita natural, porque decorrente de uma sabedoria da natureza das coisas, sem especulação sobre os mitos, ou sobre a artificial categoria do Estado. Na filosofia deles haveria uma indagação do divino, donde o poderem ser seus herdeiros não os filósofos mas sim os teólogos cristãos. Como de facto parece que de certa maneira foram.


Pois Anaximandro, um pessimista, ao contrário de Sócrates (que apesar de tudo, e segundo as testemunhas que o visitam, anda muito bem disposto) mas, chegado antes de Sócrates, foi o primeiro a sentenciar sobre a natureza. No ano de 547. Parece que foi ontem. Anaximandro desenhou um mapa da Terra e disse que a Terra era esférica e ocupava o centro do mundo – Deus queira que algumas importantes pessoas que eu conheço e que são, elas sim, na verdade, o centro do mundo, nunca saibam disto.
Aquilo de que os seres tiram a sua existência é aquilo a que regressam quando da sua destruição - também disse Anaximandro. E ele lá sabia a sorte que estava reservada ao pobre do Sócrates.
Nietzsche tinha grande simpatia por este Anaximandro. Anaximandro teria tido a originalidade de pensar que o Devir era uma emancipação culposa relativamente a uma eternidade do Ser, era uma iniquidade, o Devir, iniquidade que se pagava com a morte.
Porque as coisas ao desprenderem-se da sua unidade primitiva e divina, ao nascerem, portanto, e em vias de atingirem o seu ser particular, cometeriam uma acção ímpia pela qual estariam condenadas ao supremo castigo da destruição. Este Anaximandro é fogo, cuidado com ele…
       Mas isto não acaba aqui. A era do antes de Sócrates foi muito fecunda.




1 comentário:

  1. Antes de Sócrates foram centenas que jantaram com Soares.

    Devem todos 40 anos ao panteão!!!



    Sócrates não passa de uma vítima desta gente com mais de 40 anos de politiquice da bandalheira.

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