E OUTRAS HISTÓRIAS,
E OUTROS MESTRES
Fala-se de Stefan George, o poeta, o tradutor, o
guru. Quem sabe se o charlatão? O auto investido guardião das doutrinas da
Alemanha arcaica, tradicional. Ou até melhor: da Alemanha secreta.
Stefan George foi o mestre espiritual de boa parte
dos oficiais que perpetraram a chamada Operação Valquíria, ou seja, o
assassínio de Hitler no refúgio hiper-protegido de Rastenburg, em 1944, e entre
os quais avulta a figura do coronel conde Klaus von Stauffenberg.
Figura impressionante e leonina, Stefan George
ensinava uma moral e uma prática de vida ocultas, esotéricas, incluindo nelas a
participação política activa. Queria rodear-se no seu círculo de uma elite da
alma, com vista à restauração dos verdadeiros valores germânicos, os culturais
e os morais. Porque pensava na Alemanha como uma nação que degenerara.
Empédocles e Platão – e eu diria também Pitágoras – estavam-lhe nos horizontes.
Stefan George funda o seu círculo iniciático em
1892.
A doutrina dele, vendo bem, não seria
tão esotérica como isso, posto que, em simultâneo com a criação do seu
cenáculo, publica uma revista, Blätter für die Kunst. Uma revista que ostentava como
logótipo a suástica hindu, símbolo do sol, da luz, da vitalidade. Stefan George
declara então as suas intenções. Quer ser professor e mestre cantor da alma
alemã.
Em 1903, em Munique, Stefan George encontra por fim
um adolescente de 15 anos e consagra-o como encarnação da perfeita beleza
teutónica. O seu Siegfried. Chama-se Maximin. Foi tratado como um ídolo no
circulo de Stefan George.
Morreria um ano depois.
Não sei como nem porquê.
Com ele morria a criatura que em si mesma e por si
mesma seria a maravilhosa estrofe de um hino à nova e jovem elite viril pronta
a renovar a decrépita civilização germânica.
Em 1928, Stefan George profetiza o futuro alemão. É
um futuro ideal, digno de Hölderlin. E o emergente movimento nazi aproveita-lhe
a profecia. Verifica que a mística de Stefan George encaixa bem no arsenal
teórico e ideológico do movimento. Mas o próprio Stefan George nunca verá no
nazismo e no Führer senão caricaturas muito grosseiras das suas concepções,
entre as quais se contava a visão ideal de uma liderança nacional de tipo
apostólico.
Ou talvez Stefan George se visse a si mesmo como o
Führer de que a Alemanha precisava.
Talvez por isso ele se tenha auto exilado na Suíça. E talvez por isso
tenha morrido em fins de 1933, justamente, como se sabe, e sei lá se
profeticamente, na hora da chegada do partido nazi ao poder.
No cenáculo de Stefan George compareciam artistas,
poetas, literatos, historiadores, aristocratas, rapazes destinados à carreira
das armas e à diplomacia – caso flagrante dos irmãos von Stauffenberg.
Os judeus também eram admitidos. Por estranho que
pareça.
Organizavam-se cerimónias. Os rituais eram
interpretações, mais ou menos realistas do Banquete, de Platão,
incluindo os fiéis vestidos à maneira helénica.
Stefan George assumia uma autoridade de tipo
profético e intervinha até nos assuntos particulares dos seus discípulos.
Estava absolutamente fora de questão um discípulo abandonar o mestre e o respectivo
círculo iniciático. Mas aconteciam as traições – acto clássico da atitude
mental do discípulo para com o mestre. Aconteciam expulsões que, não sei se
alguma vez tomadas à letra, equivaliam a sentenças de morte.
Um dos nomes sonantes que se emancipou da tutela
espiritual e magistral de Stefan George foi o poeta Hugo von Hoffmansthal, que
viria a ser – se não o fosse já – o celebrado libretista de algumas das
principais obras-primas de Richard Strauss.
O contacto com o mestre mudava vidas. Mas também
criava as mais ferozes inimizades.
Estes círculos mágicos, esotéricos, proliferavam pela
Europa em fins do século XIX. Eram emanações da estranheza das almas pelo
enfrentamento dos valores enigmáticos do novo século, dos novos tempos, dos
novos poderes.
Na velha Inglaterra não faltavam os círculos
esotéricos e místicos das mais variadas orientações e obediências, incluindo, e
muito, nos meios universitários.
Havia os apóstolos de Cambridge; o culto
rosa-cruciano. Havia os seguidores de Madame Blavatski – entre os quais o poeta
Yeats. Havia a irmandade dos pré-rafaelitas. Havia a confraria da energia
sexual, a sociedade do vril, ou a Golden Dawn, a que pertenciam notáveis vultos
da aristocracia e da intelectualidade. Havia a seita de Gurdiev. Havia o grupo
de Bloomsbury, com a escritora Katherine Mansfield.
Perante as incógnitas do novo século e a vulgaridade
da sociedade tecnocrática e industrial, reagia-se pelo esteticismo. Procurava-se
fugir ao vulgo, ao profano, à arregimentação dos espíritos pela sociedade
massificada e de consumo que se anunciava.
Estava-se convencido de que a revelação que
presidiria à resistência ao novo e à renovação do antigo se achava numa atitude
de discipulado, de iniciação nas verdades ocultas.
O magistério iniciático respondia às músicas do
tempo e profetizava-se a chegada dos governantes providenciais iluminados. Esperava-se
a revelação pela palavra do duce, do führer. Esperava-se tudo das
ideologias autocráticas e ditatoriais.
E é de facto o que acontece, o leninismo, o fascismo,
o nacional-socialismo.
E no verão de 44, bom número de discípulos do guru
Stefan George é massacrado depois de descoberta a conspiração contra Hitler. E
é esse facto que vem de alguma forma a redimir o que aos ouvidos de hoje soaria
a banalidade no ensinamento de Stefan George.
E tudo isto
também ilustrando o princípio de traição e de dissidência na relação
mestre-discípulo.
E outras histórias, e outros mestres.
Freud, que nos pareceu sempre tão seriozinho (ou
seriozão), pois olhem, oferecia anéis com motivos míticos, esfinges e assim.
Ofereceu anéis desses a seis dos seus discípulos, os que elegera como seus
delfins – e também Stefan George oferecia anéis no mesmo sentido.
A obrigação dos discípulos de Freud possuidores dos
anéis era perpetuar pelos tempos, desaparecido o mestre, o ensinamento do credo
psicanalítico e respectivas ortodoxias.
Bom, mas perguntava-se: qual deles seria o
primogénito, chamemos-lhe assim, do mestre?
Naturalmente, desencadearam-se as rivalidades no
círculo de Freud. Decidiram-se as cisões. Wilhelm Reich, Jung, Adler e Rank
declararam hostilidade ao mestre e criaram as próprias escolas. Freud
confrontou-se com as suas próprias teorias. Édipo o parricida...
O acto inaugural da civilização é o assassínio do
próprio pai.
O mestre pode personificar o mal. Assim o entende o
discípulo. E o mal é o mal da obediência cega e incondicional; é o que há de
totalitário na disponibilidade. E tudo isso resultará em breve insuportável para
o discípulo que se preze. E então esse discípulo não terá alternativa senão a
fuga ao carisma do mestre. Não há outro modo de salvar a própria identidade.
Pitágoras visava dominar a cidade por meio da
filosofia. Platão, mais tarde, como se sabe, viria a abraçar o mesmo ideal. Diz
a tradição que Pitágoras teria sido forçado a fugir para o Metaponto. Onde
morreria, depois de consumado um jejum de 40 dias.
No destino de um mestre está consignada a morte às
mãos dos seus concidadãos. Era tradicional essa condenação à chacina dos que
eram profetas ou mestres iniciáticos.
Por falar em ensino e em mestres, Empédocles, outro.
Já anteriormente aqui mencionado. Empédocles que, das duas uma, ou é desterrado
para o Peloponeso, onde vem a morrer; ou é enxotado pela canalha, despede-se do
seu favorito, Pausânias, sobe ao monte Etna e precipita-se na cratera, deixando
para trás uma sandália de bronze.
Nietzsche, a pensar em Empédocles, escreve uma
tragédia quando escreve o seu Zarathustra. O mestre trabalhava para a
desgraça do seu povo preguiçoso e medíocre.
A história das vocações. O ensino é um dom, uma
vocação. E irresistível, quer-me parecer. E é invasivo. Torna-se perigoso. O
mestre invade a alma do discípulo. Pode purificá-la. Pode destruí-la. O mau
ensino é crime, é pecado.
Outras histórias. Outros mestres.
(Agora que tanto se fala das provas dos
professores.)
Segundo mestre George Steiner, o mau ensino diminui
o aluno. O mau ensino reduz a uma inanidade cinzenta a matéria apresentada. Derrama
sobre a sensibilidade da criança ou do adulto o mais corrosivo dos ácidos, o
tédio, diz ele textualmente.
E, bem, deve ter sido o que me aconteceu. Sim, a mim
mesmo. Deve ter sido essa a minha história de aluno, dado o eu ter sido sempre
um mau, por vezes péssimo, aluno, completamente desinteressado fosse por que
matéria fosse.
A tal história do ensino salazarista, o único sistema
de ensino que conheci, hélas! E que hoje penso que devia seu mau e bom. Bom
porque me incutiu disciplina e sentido do dever: exagerado, talvez, mas ainda
assim disciplina e dever. E mau porque me condenava ao tédio e ao desinteresse
que me prejudicaria (ou talvez não) mais tarde no capítulo curricular.
Enfim, não sei…
Sei o que diz mestre Steiner, que para milhões de
cidadãos a matemática, a poesia, a gramática, a lógica, foram-lhes destruídos
no espirito pela mediocridade do ensino de pedagogos frustrados – certamente
chumbados nas provas do doutor Crato.
E estou tentado a acreditar, e por conseguinte a
amaldiçoá-las, nessas infecundas jornadas estudantis do meu passado. Só não sei
se os novos sistemas de ensino, e os novos mestres, tudo somado, serão melhores
do que os ditos salazaristas. Não sei. Não é ironia minha. Confesso. Se por um
lado, e tal… por outro… não sei. Sou incompetente para ajuizar.
Passo a palavra directamente a mestre Steiner: a
maioria daqueles a quem entregamos os nossos filhos nas escolas secundárias
pouco mais são do que amigáveis coveiros e trabalham para reduzir os alunos ao
nível de fatigada indiferença que é o deles próprios.
E não se pense que a ideia do grande mestre é utopia. Houve quem conhecesse desses mestres, fossem eles Sócrates,
Emerson, Nadia Boulanger, e muito outros, creio, poucos, decerto, que Steiner
não cita. E não falando nos grandes mestres anónimos – não, não me refiro aos
tais superiores desconhecidos.
Os grandes mestres anónimos podem ser os de todos os
dias, os que emprestam livros, os que atendem qualquer aluno depois da hora da
aula, os que, sim, esses, os que dão fogo a uma obsessão.
Outras histórias…
A história da remuneração do mestre.
Mestre Steiner pergunta-se: por que razão aceito pagamento por um trabalho de professor que é o meu
oxigénio, a minha raison d’être?
Pois era, pagavam-lhe o próprio privilégio.
Pagavam-lhe os momentos de graça que vivia a ensinar, a cumprir a sua vocação.
Alguém lhe deveria pagar só pelo facto de ele ser
quem era, e para ele poder ser quem realmente era?
Sócrates, se não erro (não, o outro), ironicamente
entendia que a sociedade não devia remunerar as grandes vocações. A sociedade
devia pagar apenas aos medíocres, aos que dão de barato a vocação em favor do
negócio. Para os grandes mestres somente o mínimo indispensável, semelhante aos
frades mendicantes. Ou então que o grande mestre ganhasse a sua vida em
actividades estranhas ao magistério, como mais tarde aconteceu com muitos.
Jakob Boheme era sapateiro.
Spinoza era polidor de lentes.
Mais modernamente,
Kafka era profissional de seguros.
E devo dizer que gosto pessoalmente desta
ideia.
Nas oficinas medievais e nos estúdios da pintura
renascentista, os grandes mestres rodeavam-se de grandes quantidades de jovens
aprendizes onde as invejas eram o pão-nosso-de-cada-dia, a competição, o
plágio, a disputa dos favores do grande mestre. Enfim, embirrações e querelas
que poderiam acabar em sangue vertido na esquina escura de uma viela de
Florença.
Na investigação científica, o mesmo, os espíritos
científicos nem sempre serão tão superiores, e as invejas campeiam, o divismo,
os egoísmos, a concorrência. Quem é, por direito, o pai de uma descoberta, o
patrão do laboratório, o mestre, que para o resultado final pouco prego e pouca estopa meteu e só
forneceu os meios para os assistentes poderem chegar a conclusões?
Outra histórias, outros mestres.
A de Flaubert e Maupassant.
No campo das letras o exemplo de mestrado e
discipulado é mais esparso. E se emerge com clareza especial será no caso de
Flaubert e do seu brilhante discípulo Guy de Maupassant.
Maupassant larga de mão a poesia, por influência de
Flaubert, e passa para a prosa. Isto em 1870.
Flaubert lia tudo o que o jovem Maupassant lhe
apresentava. Criticava os trabalhos atendendo aos mais pequenos detalhes tanto
quanto às grandes linhas de força do conto. Deixava uma mensagem: mesmo a
mais pequena coisa contém um pouco de desconhecido. Temos de o encontrar. Para
descrever um incêndio ou uma árvore numa planície teremos de observar esse fogo
e essa árvore até que não se pareçam com nenhum outro fogo, como nenhuma outra
árvore.
E mais: não há dois
grãos de areia idênticos. Seja o que for que pretendas dizer só há uma palavra
para o exprimir, um verbo para o fazer mover, um adjectivo para o qualificar. O
estilo é especificidade infinita. E um homem que decidiu ser artista perde o
direito de viver como os demais.
Mas também, em Bouvard et Pécuchet, o mestre
Flaubert recorreu à colaboração do
discípulo Maupassant.
Maupassant manda a Flaubert o original de Boule
de Suif, e Flaubert, acabado de ler o conto, exclama: cela c’est d’un
maître!
Claro que sim, digo eu, cabe ao mestre, também, a
capacidade excelsa de reconhecer a capacidade a mestria oculta, quiçá
irresoluta, do discípulo.
Amas-me?, pergunta
Flaubert a Maupassant, se me amas fazes muito bem em amar-me pois este velho
que aqui vês adora-te.
E outras histórias, e outros mestres.
Ezra Pound instruiu T.S. Eliot.
Gertude Stein foi muito mestra de Hemingway.
Tinham descoberto que era possível ensinar a
inspiração
E à proliferação – também a meu ver suspeita – dos
cursos de escrita criativa, Steiner pergunta o que será uma escrita não
criativa. E a palavra tolerante de mestre Steiner quanto à utilidade destes
cursos é que eles servirão para, ouvindo outras vozes, suavizar a solidão
daquele que escreve.
Outra história, a do sucesso de um aluno.
Já todos sabemos que a vida de hoje, tão
mediatizada, tão materialista, tão superficial, exige do jovem cidadão, mais do
que da vida do jovem de qualquer outra época, uma coisa essencial: o sucesso.
Ele são sucessos atrás de sucessos, carreiras de
sucesso, empresários de sucesso, jogador de sucesso, treinador de sucesso, sei
lá mais o quê de sucesso - mendigo de
sucesso, sem-abrigo de sucesso, qualquer dia.
Consequentemente, quem procura para si uma educação,
para si, para os filhos, para os netos, aconselha os cursos que abram mais
depressa as portas do tal sucesso. E constando esse sucesso - mil vezes mais do
que a realização espiritual, a satisfação pessoal ou a felicidade íntima e
individual de um vocação – de uma vitória de ordem material, financeira. Ganhar
dinheiro. Ganhar todo o dinheiro possível, todo o dinheiro que houver. Assim se
explica, parece-me, o actual declínio dos estudos de artes, letras ou de
filosofias, em favor das matérias económico-financeiras, de gestão, de
engenharia, de informática – do Direito, de certo modo.
E posto isto, talvez seja interessante saber que do
ensinamento de um dos mais notáveis mestres do pensar francês, Alain, constava
uma estranha regra moral: ne pas réussir. Evitar ter sucesso.
O sucesso implicaria o compromisso com o que
impediria a realização pessoal e completa do indivíduo, com o que se desviava
da vocação, exagerando-a, ou distraindo-a do caminho natural.
Alain também entendia que o ensinamento a transmitir
deveria estar acima do alcance do aluno. Só para lhe estimular o gosto de
aprender. Só para o obrigar ao esforço, à vontade, à disciplina, etc.
Havia de ser hoje… hoje, quando o gosto e a vontade
de aprender são escassos e até estimulam alguma aversão por quem sabe. Hoje! Hoje,
quando a vontade de ter sucesso é imperiosa, obsessiva, compulsiva.
Outros mestres. Outras histórias.
De judeus. Mestres judeus.
Todo o Velho Testamento, e mais a Tora, constituem programas de estudo e
manuais para uso quotidiano, e quando é dito que o judeu está permanentemente a
ser examinado.
O judaísmo teve os seus mestres lendários.
Sem forçar a paciência do eventual leitor, referirei
um ou dois deles. Um, Maggid de Mezritch, para quem o universo só era
entendível a partir dos métodos educativos de Deus.
Maggid ensinava, mas nunca revelava quais dos seus
discípulos interpretara correctamente o que dele ouvira. A missão dele era tão
só acender velas na consciência do discípulo.
A pedagogia de Maggid era marcada pelo êxtase
ascético. E, como é da tradição dos maiores mestres, não escreveu nenhum livro.
Só autorizou que alguém lhe fosse anotando as palavras. A obra deste mestre
reside não em livros e manuais mas no material humano vivo que foram os
discípulos que o ouviram.
Maggid teve um filho, o rabino Abraham, outro grande
mestre cabalista que ultrapassou o pai no elitismo pedagógico. Teve apenas um
discípulo. No entender dele, a revelação de uma experiência interna pelo ensino
era o mais indigno, era descer ao nível mais baixo para um mestre cabalista.
O rabino Nachmann ensinou na Palestina em 1798. Na
opinião dele, cabia ao mestre escutar do discípulo as mais secretas intuições.
Acreditava no milagre da ressonância. Uma frase: a alegria fornece ao
espírito uma morada fixa; a tristeza leva-a ao exílio.
Ah, o Oriente dá cartas de pedagogia. A luz. As
revelações ocultas. As técnicas de purificação, de meditação, que elevam ao
transcendente. Ah… os gurus (aliás, inventados por hindus e sikh’s). As
passagens para a India dos grandes espíritos do Ocidente (e segundo alguns do
próprio Jesus Cristo).
Zen. Taoismo. Confucionismo. Budismo. Nirvanas.
Yogas. Acumpuncturas. Ascetismos …
O mestre murmurara apenas
duas palavras quando o discípulo adormeceu e começou a ressonar. O mestre ficou
encantado – “o corpo do meu discípulo parece madeira morta, o
coração ele é como cinza fria. Agora atingiu o conhecimento verdadeiro. Agora
sim, libertou-se de todo o conhecimento adquirido. Não tem mais pensamentos. Já
não preciso discutir com ele” – crónica de um mestre confucionista.
Outras histórias e outros mestres.
Koun Ejo, mestre zen, fala ao discípulo, depois de
lhe aperfeiçoar algumas técnicas de auto aniquilação: mesmo que dentro de ti
surjam e desapareçam 84.000 pensamentos ilusórios, se não lhes deres importância
e os deixares estar poderá nascer em cada um deles o maravilhoso prodígio da
luz da grande sabedoria.
E ainda: aprender e
pensar é ficar à porta. Assumir a posição do lótus é voltar para casa e
sentar-se em paz.
Despertar – ensinamento chave do zen: a criança
dorme ao lado dos pais; sonha que foi espancada; seja qual for a angústia da
criança os pais não lhe podem valer, porque ninguém pode entrar nos sonhos de
outra pessoa. Mas se a criança acordar sozinha ficará livre do seu sofrimento.
Ikkyu Sojun disse: a caminho com as minhas
sandálias e o meu bastão procuro os burros cegos que podem andar em busca da
verdade.
Não sente o caro eventual leitor o fascínio estranho
e musical de cada uma destas frases orientais?
Pois é. Na mística japonesa o discípulo terá de
passar por desconsiderações, humilhações e rejeições primeiro que um mestre o
aceite. Seguirá o mestre aos mais distantes ermitérios, às mais altas
montanhas, e esperará anos, antes que o mestre lhe reconheça a
presença.
É só depois
de ascender ao abstracto, ao Nada profundo, que o discípulo inicia o caminho de
uma solidão de vários anos, preparando-se para transmitir os próprios
ensinamentos.
O vazio
perfeito.
ResponderEliminarEste texto de grande fôlego, por uma questão basilar de respeito, exige tempo. Terei de aqui voltar mais tarde, para o ler como merece...