O VOTO INÚTIL
Reflectimos por 24 horas, não compreendemos porque é que eles
apelam tão encarniçadamente ao voto, e tornamos a cair no mesmo, sem
percebermos que pela nossa presença de quatro em quatro anos antes do almoço
numa assembleia de eleitoral estamos a embarcar na ficção democrática que se
vive.
Cairmos no mesmo é sermos recidivos na inesgotável mania de
facilitarmos a vida a quem tem por verdadeira missão dificultar a nossa.
Se eles tanto apelam a nosso voto é porque o nosso voto é de
facto útil. Para eles.
O meu voto é útil? Útil a quem? Que fazem eles, quaisquer que
eles sejam, do meu voto útil?
O meu voto é muitíssimo útil, isso sim, aos sujeitos que se
sentam num hemiciclo e por unanimidade votam o aumento substancial do seu próprio
salário e correlativas alcavalas e mordomias. E enquanto aumentam o salário
deles, votam de forma a que o meu salário seja, de uma maneira ou de outra,
reduzido.
O meu voto é útil aos sujeitos que ganhando eleições em que o
meu voto foi útil dão início à gostosa tarefa de distribuir pelos deles, pela
família deles, empregos chorudamente pagos. Enquanto o meu próprio emprego,
pelo voto deles no hemiciclo, passou a estar constantemente em perigo.
O meu voto é útil para os sujeitos que passada uma dúzia (ou
menos) de anos sentados num hemiciclo têm direito a uma boa quantidade de
subsídios de reintegração na vida, na vida real. Ao mesmo tempo que o meu
subsídio, se tenho a infelicidade de cair no desemprego, vai minguando até ser
eliminado.
O meu voto é útil para os sujeitos que passada a tal dúzia (ou
menos) de anos sentados num hemiciclo se reformam e por se reformarem têm direito
a confortável pensão. Enquanto eu, que passei quarenta anos a dar o litro e a
oferecer mais-valias ao meu patrão (seja ele qual for), se quiser reformar-me,
terei de andar mais um, mais dois, mais três anos a vergar a mola – para me
irem escortanhando aos poucos a modesta reforma a que tiver direito.
O meu voto é útil aos que votam no hemiciclo para aumentar os impostos
sobre o meu trabalho e o meu reduzido consumo.
O meu voto é útil aos partidos que recebem fartos subsídios por
eu votar neles, e que se por obra e graça do meu voto ascenderem ao poder
absoluto me diminuem os subsídios a que eu tiver direito.
O meu voto é útil aos que votam no hemiciclo a diminuição progressiva
da minha qualidade de vida e melhoram significativamente a vida deles.
O meu voto é útil aos que me condicionam ou dificultam o acesso
à saúde.
O meu voto é útil aos banqueiros e aos CEO indicados pelas
respectivas famílias partidárias, a quem se minimizam sempre as culpas pela incompetência,
ou a quem se podem perdoar as falcatruas. Enquanto eu sou sistematicamente
escrutinado nas minhas competências profissionais e castigado ao mais pequeno
deslize inobservante de uma qualquer lei.
O meu voto é útil aos que me fazem pagar e não bufar os erros
políticos, os esbanjamentos, as megalomanias e as arbitrariedades deles.
Porque a mim e aos meus insignificantes interesses o meu voto
não serve para nada. É inútil.
Demagogia a minha? Sem dúvida. Sou um simples. E a simplicidade
é demagógica.
E que outra atitude se pode esperar de mim enquanto as coisas
continuarem a ser aquilo que são?
Demagogikós – preponderância dos interesses do povo, esse povo que pela
servidão de um voto de quatro em quatro anos se julga a viver a democracia e
melhor não faz do que perpetuar o bem-estar dos seus senhores. Esse povo que
desgraçadamente unido ou desunido será sempre vencido, enquanto as coisas
continuarem a ser aquilo que são.
E que propõe como alternativa a este estado de coisas?
ResponderEliminarEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarGrande Joel Costa
ResponderEliminarNão é a política que faz o político virar ladrão.
ResponderEliminarÉ o nosso voto que faz o ladrão virar político.