BATACLAN – SER E PARECER
A burocracia europeia e os contabilistas de
Bruxelas talvez na noite de ontem se tenham apercebido de que há vida e morte
para lá dos orçamentos e das austeridades.
1.500 homens armados até aos cabelos de
reforço nas ruas de Paris, anuncia Hollande na noite da tragédia.
E depois?
O militante jihadista acorda no seu apartamento
dos Buttes-Chaumont, levanta-se, toma banho, aplica uma cinta de explosivos em
volta do corpo, veste-se normalmente, sai de casa, entra num café sem precisar
de pequeno-almoço, acciona os explosivos, mata vinte ou trinta e faz-se esmagar
a ele próprio. Onde estão e o que podem fazer os 1.500 homens em armas?
O militante jihadista levanta-se, toma o
seu banho, amarra ao corpo uma metralhadora ligeira (para o efeito não precisa
de ser uma Kalashnikov), veste um gibão, mete uma granada defensiva no bolso,
sai para a rua a assobiar a última moda musical arábica, compra bilhete para o
cinema, e ainda antes da segunda bobina do filme levanta-se do lugar, saca da
arma, dispara à toa em redor, mata cinquenta, arranca a patilha da granada que
tem no bolso e fica feito em fanicos. Onde estão e o que podem fazer os 1.500
soldados?
Que sucesso pode ter uma policia ou um
exército em guerra contra inimigos que além de se combaterem também entre si não
se importam de morrer – ou que procuram mesmo a morte?
Quando do atentado do Charlie Hebdo ficou a
saber-se que os terroristas já estavam referenciados há muito pelos serviços
secretos. Pois muito bem, para que serviram essas referências?
Ou como obter inteligência sobre as procedências
e as ligações dos autores de atentados se eles se fazem explodir e deles só
resta uma massa ensanguentada e dispersa?
No corpo de um dos assaltantes do Bataclan
descobriu-se um passaporte sírio. Parabéns à prima. Que é que adianta? Fosse o
passaporte sírio, islandês, argentino ou canadiano. Será que também esse estava
referenciado pelos serviços secretos? Se estava…
Como obter a melhor inteligência sobre
redes terroristas islâmicas se já quase meia França é muçulmana, ou simpatiza
com a causa muçulmana?
(Leiam o romance Submissão, de Michel Houellebecq, recentemente editado em Portugal, e depois falamos.)
Sexta-feira, 13, com o nome da banda que
tocava no Bataclan também a não prenunciar já de si nada de bom, Eagles Death Metal.
Schengen vai ao ar? Qualquer dia vai de vez.
É o mais certo. E com o fecho das fronteiras outras medidas extremas serão de
prever.
E o sonho europeu e comunitário, que poderá
vir a ser feito dele?
Uma interrupção da plena democracia na
Europa? Os burocratas de Bruxelas podem até nem ir muito fora disso. E não que,
por cá, em Portugal, não andem alguns a tratar disso, mas por pindéricos
argumentos estrictamente partidários…
E depois, é isto: a Europa não pode parecer
racista – ainda que o seja; a Europa não pode parecer xenófoba – ainda que o
seja; a Europa não pode parecer discriminatória – ainda que gostasse de o ser;
a Europa não pode parecer totalitária – ainda que disfarçadamente o possa ser;
a Europa não pode entrar numa guerra com o Islão – ainda que o possa querer.
O ser e o parecer. Parecer que se combate o
terrorismo; ou fazer parecer às populações que se combate o terrorismo,
referenciando uns quantos suspeitos e mais nada; e esperar que eles façam
alguma para depois se dizer que as forças de segurança são eficazes como o
caraças porque eles já estavam referenciados?
O ser e o parecer. O que é que a Europa é,
na verdade, e o que é que a Europa pretende parecer que é?
Para combater o terrorismo islâmico talvez
a Europa tenha que deixar de parecer tolerante, compassiva, humanitária,
hospitaleira, e sobretudo politicamente correcta. Para combater o terrorismo
jihadista mais desapiedado e sangrento talvez a Europa tenha que ser. Isto é,
ser tão incorrecta de processos como aqueles que a atacam e que ela quer
combater. Se quiser. Não sei.
As migrações são uma miragem celestial para
o grande capital europeu e ocidental que sonha todas as noites com uma força de
trabalho cada vez mais barata – se for rés-vés a um modelo semelhante à
escravatura ainda melhor. É muito por isso que existem e são toleradas
(qualquer dia, se não já hoje, apaparicadas), as migrações, sim, não nos
iludamos.
Tem-se pudicamente evitado tocar no assunto
da escalada das migrações na relação possível com o terrorismo islâmico – é o parecer
na sua magnificência maior; é o politicamente correcto debaixo da capa do
humanitário, do tolerante. Muito embora salte ao entendimento mais básico que
entre tantos milhares de migrantes vindos daquele lado do mundo não venham
dissimuladas novas células terroristas para ocupar o posto das que já estão
queimadas pelos serviços secretos, ou para inaugurar novos focos terroristas onde
eles ainda não se façam sentir mais agudamente, Austria, Hungria, Balcãs, Itália,
Grécia. Alemanha!
As migrações têm-se intensificado na medida
da permeabilidade e da indefesa da Europa que se limita a bolsar orçamentos,
austeridades e hipocrisias politicamente correctas.
E ainda a respeito de uma interrupção da democracia
na Europa, não sei o que me pode convencer de que as forças da extrema direita
europeia – de que também pudicamente, correctamente, mal se fala – não tenham
culpas no cartório deste terrorismo aparentemente (o parecer!) apenas islâmico,
jihadista, o que se lhe quiser chamar. Culpas no cartório, digo, da informação, da planificação, da
logística.
Que pensará Marine Le Pen de tudo isto? Ah, que a França deixou de ter segurança. Ora bem...
Que pensará Marine Le Pen de tudo isto? Ah, que a França deixou de ter segurança. Ora bem...
A extrema violência
dos atentados encoraja os extremos, pode fazer descambar os valores europeus e ocidentais da
liberdade e da democracia, e mais todos os equilíbrios até aqui tão
laboriosamente arquitectados, e ser um pretexto para a tomada de medidas
securitárias, restritivas, punitivas, xenófobas. Totalitárias, pois então! E quando cada vez
menos se distingue, na Europa e no Ocidente, o que é o ser, o que é a
realidade, do que é o parecer, a propaganda para adormecer a opinião pública, o
politicamente correcto, o silêncio embrutecedor da consciência das populações.
Não sei, não, o que
será política e socialmente mais perigoso, se o ser, se o parecer.
Esta guerra sórdida
deve estar para durar, e uma vez interrompida a democracia e os seus valores,
delimitando as liberdades tão ferozmente quanto esta guerra venha a impor, não
sei quantos anos serão precisos para os reconstruir. Muitos. Parece-me.
Cada vez mais se torna evidente que tudo isto é resultado de muitos erros passados...
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