A CONVERGÊNCIA,
A CONVIVÊNCIA
E OS FANTASMAS
Fantasmas, sim, a política portuguesa gosta
de criar fantasmas, já que experimenta tantas dificuldades em criar realidades felizes.
E convergência, sim, e convivência, e o
portuguesíssimo “logo se vê”.
A esquerda ainda não perdeu o vício de
acreditar na política como uma instância moral que foi criada para mandar no
dinheiro e determinar as prioridades de cada gasto. É a sua superioridade moral
porque é o toque romântico da sua inferioridade perante certos problemas.
A direita só acredita no dinheiro como a
instância mais capaz de mandar na política e estabelecer prioridades, sempre as
mesmas, maximização de lucros, tudo pelo capital, nada contra o capital. E nas
tintas para a moral social, a ideologia, a solidariedade, tudo balelas, uma
treta, como há anos o Jorge Jesus chamava ao fair play no futebol.
E todas as diferenças se têm cavado ainda
mais fundo nestes últimos dias de barroquismo político. Quase como nos tempos
do PREC.
Tem-se estado nestes últimos dias a forçar
os limites da moral democrática, a querer arrombar a porta do parlamentarismo, e
com base na última fantasmagoria que a direita criativa inventou, o arco da
governabilidade. Toma que já almoçaste. Só este, aquele e aqueloutro podem ser
mandados pelo dinheiro para actuar na política. E às malvas a vontade popular,
outra treta que a gente inventou para os entreter de quatro em quatro anos, o
que eles dizem não se escreve, ao que eles votam não se liga.
Aos pés da esquerda solidária e ainda devota
da politique d’abord levanta-se o
estupor da realidade, um destino que nos marca a fogo e nos intimida, sermos
devedores dos mais vorazes e desapiedados dos credores internacionais, os
investidores, os accionistas, o mercado. E perante isso batatas, a esquerda das
solidariedades e das razões morais não pode marchar enfeitada com os arcos, os
balões e os manjericos da governabilidade.
Se de convergência e convivência se fala
neste exercício barroco, como é que um partido, PCP, para quem a política terá
de viver sempre o inelutável destino de mandar no dinheiro, poderá, a la longue, depois da convergência,
conviver com um PS que já deu o pontapé de saída na execução dos mandamentos
neo-liberais de pôr o dinheiro a mandar na política – sim, no consulado daquele
estranho ex-prisioneiro de Évora, um dos mais barrocos fantasmas dos últimos
tempos da nossa vida pública?
Outra coisa – que vem a dar no mesmo. O PCP está
a readquirir estatuto, o estatuto de fantasma que congrega tanto os mais amenos
afectos como os mais cortantes ódios ideológicos; o estatuto que teve faz
quarenta e tal anos. O PCP torna ao estatuto de referencial do que se diz e do
que se faz em política. O que se diz e se faz em política volta a ser aferido
pela posição do PCP, pela condição de ser em benefício ou em prejuízo do PCP e
da sua aberrante e fantasmática mania de pôr a política a mandar no dinheiro.
E a surpresa rebentou nas mãos da direita. A direita do tempo do
PREC ficou menos ideológica e na sua cegueira neo-liberal já não vê política,
só vê dinheiro. A direita dos interesses, continuando ideologicamente
trauliteira, descobre em 2015 que o fantasma do comunismo (do proletariado, das
criancinhas, da reforma agrária) não foi exorcizado de vez e ainda arrasta
tenebrosas correntes pelos corredores de S. Bento, ainda dissimula o seu manto
branco nas roupas dos manifestantes da Intersindical e dos grevistas do Metro.
A presente questão política da direita é a
mesma de há 40 anos, e não é o PS, é o PCP, é o comunismo. Ainda!
A consolação que me resta destes dias é saber que o último acto
político dessa praga da política portuguesa que tem sido o ditador de água doce
que mora lá para Belém será o de dar posse a um governo de esquerda – apadrinhado por
comunistas!
Se der.
Pois, são os tais sapos…
Sem comentários:
Enviar um comentário