shakespeare 400 – charles dullin
Dullin, o grande actor francês dos anos 30 e 40, perguntou um
dia a um director de teatro se recebia muitos manuscritos.
- Sim, recebo, muitos manuscritos e poucas peças.
Dullin pensava parecido quanto às personagens. Havia um
grande, incontável número de papéis para fazer, mas se se falasse de
personagens autênticas essas seriam as excepções à regra geral dos muitos
papéis e raríssimas personagens com alguma autenticidade.
Grandes personagens, para Dullin, eram as que sobreviviam ao
seu autor. As que continuavam a lutar em nome do autor. As que recebiam os
impiedosos golpes da crítica. As que entusiasmavam alguns e permaneciam
incompreendidas por outros.
As grandes personagens eram semi-deuses. As grandes
personagens desafiavam a eternidade sem acederem jamais ao Olimpo.
Porque Hamlet continuaria a arrastar o seu manto negro sobre
a poeira das tábuas do palco. Porque Ricardo III continuaria coxeando sobre
ódios e terrores, morreria sempre a mesma morte, renasceria amanhã à noite e
amanhã à noite tornaria a morrer.
Porque o demoníaco Don Juan, porque Lear, o velho louco,
porque Brutus, o pensativo, continuariam a gravitar no círculo onde o seu
destino os encarcerara.
Algumas dessas personagens incitariam revoluções, seriam os
porta-estandarte das causas nobres de cada geração, provocariam a juventude,
receberiam o desprezo dos velhos.
Já no tempo de Dullin (e que dizer neste nosso tempo) as
grandes personagens eram raras. O teatro fora despojado do carácter sagrado, da
cerimónia, do espectáculo, e ao actor passou a exigir-se um comportamento de
homem da rua.
Passaria a haver mais probabilidades de encontrar o herói na
plateia do que na cena.
A epítome mais completa do actor actual é a telenovela...Que fazer? Os actores têm de comer (rima e é verdade...), mas, no entanto...
ResponderEliminarUm abraço e obrigada sempre por estes belos textos da saga shakespeareana.
A epítome mais completa do actor actual é a telenovela...Que fazer? Os actores têm de comer (rima e é verdade...), mas, no entanto...
ResponderEliminarUm abraço e obrigada sempre por estes belos textos da saga shakespeareana.