sábado, 1 de outubro de 2016


shakespeare 400 – charles dullin

                                                                                             
       
         Dullin, o grande actor francês dos anos 30 e 40, perguntou um dia a um director de teatro se recebia muitos manuscritos.
        - Sim, recebo, muitos manuscritos e poucas peças.
        Dullin pensava parecido quanto às personagens. Havia um grande, incontável número de papéis para fazer, mas se se falasse de personagens autênticas essas seriam as excepções à regra geral dos muitos papéis e raríssimas personagens com alguma autenticidade.
 
                                                                                          
 
        Grandes personagens, para Dullin, eram as que sobreviviam ao seu autor. As que continuavam a lutar em nome do autor. As que recebiam os impiedosos golpes da crítica. As que entusiasmavam alguns e permaneciam incompreendidas por outros.
        As grandes personagens eram semi-deuses. As grandes personagens desafiavam a eternidade sem acederem jamais ao Olimpo.
 
                                                                          
 
        Porque Hamlet continuaria a arrastar o seu manto negro sobre a poeira das tábuas do palco. Porque Ricardo III continuaria coxeando sobre ódios e terrores, morreria sempre a mesma morte, renasceria amanhã à noite e amanhã à noite tornaria a morrer.
 
                                                                                       
 
        Porque o demoníaco Don Juan, porque Lear, o velho louco, porque Brutus, o pensativo, continuariam a gravitar no círculo onde o seu destino os encarcerara.
 
                                                                                   
 
        Algumas dessas personagens incitariam revoluções, seriam os porta-estandarte das causas nobres de cada geração, provocariam a juventude, receberiam o desprezo dos velhos.
        Já no tempo de Dullin (e que dizer neste nosso tempo) as grandes personagens eram raras. O teatro fora despojado do carácter sagrado, da cerimónia, do espectáculo, e ao actor passou a exigir-se um comportamento de homem da rua.
 
                                                                              
 
        Passaria a haver mais probabilidades de encontrar o herói na plateia do que na cena.
 
                                                                                           
 

2 comentários:

  1. A epítome mais completa do actor actual é a telenovela...Que fazer? Os actores têm de comer (rima e é verdade...), mas, no entanto...
    Um abraço e obrigada sempre por estes belos textos da saga shakespeareana.

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  2. A epítome mais completa do actor actual é a telenovela...Que fazer? Os actores têm de comer (rima e é verdade...), mas, no entanto...
    Um abraço e obrigada sempre por estes belos textos da saga shakespeareana.

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