A DEMOCRACIA
QUANTITATIVA
Segundo
relatórios de organizações internacionais (li isto já não sei onde e não me
recordo quais), a Líbia foi o país que mais progressos democráticos registou em
2012.
Não custa a acreditar, tendo em conta os níveis de democracia
existentes em 2011.
E é
claro, deve ter havido eleições. Não sei para quê, para que instâncias, mas
deve ter havido. E dessas eleições deve ter saído um resultado expresso em
números, em quantidades. E assim, salvaguardadas as quantidades, está garantida
a democracia.
A maravilhosa flor da democracia ocidental pode, como se vê,
desabrochar com toda a legitimidade nem que seja no meio da
carnificina e do horror. A única formalidade a cumprir para que tal
aconteça é atender não só aos números como, neste caso exemplar da Líbia, e principalmente,
às legítimas aspirações e conveniências dos negócios do petróleo.
Ao
que a idade (a duração) me constrange neste lance da História é a admirar a
inimaginável capacidade da democracia, e dos respectivos agentes
democraticamente eleitos, em actuar caprichosa, teimosa e ironicamente contra a
vontade e o espírito de quem os elegeu. O que dá mais uma prova das incomensuráveis
vantagens e virtudes do sistema parlamentar – representativo!
A
máquina da democracia trabalha sobre a quantidade, quer dizer, anda ao gasóleo
dos votos expressos a cada quatro anos, e segundo uma vontade nacional que está
obrigada a durar quatro anos.
A
máquina da democracia quantitativa, da qual divisamos dia a dia na televisão os
rostos-símbolos, tem em consideração (a mais alta) somente o que se passa nas
urnas eleitorais de quatro em quatro anos. E por isso me deu para “teorizar” e
classificar as democracias ocidentais
como democracias quantitativas. Porque são máquinas vigilantes quanto ao
perigo do populismo, quando ele se passeia irado pelas ruas da polis, e que é
quando o quantitativo dos resultados expressos nas urnas começa a descambar
para o qualitativo, quando o parecer maioritário dois ou três anos antes
expresso nas urnas por uma grande quantidade de eleitores começa a mudar,
qualitativamente a mudar.
Posso
admirar a calma apostólica de uma democracia quantitativa, fruto de números,
percentagens, maiorias, minorias, ao não tomar conhecimento operacional do que de
qualitativo se passa nas ruas da polis. A democracia quantitativa ri-se dos espontâneos que
saem à rua em desagrados, como os espontâneos que nas praças de touros saltam à
arena a querer lidar o animal e inevitavelmente são expulsos sob a troça quantitativa
dos espectadores soberanos, ou sob o insulto dos matadores encartados,
legitimados, a quem exclusivamente cabe concluir a faena, liquidar o touro, recolher
o aplauso, cortar orelhas e rabos, sair em ombros pela porta grande.
Uma
democracia quantitativa até pode explicar, ou mesmo legitimar, ou ainda
racionalizar, a indecência inexplicável do caso Miguel Relvas
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