NADA
EXISTE MAIS DO QUE AQUILO
QUE NÃO EXISTE
O Dan Brown anda por aí outra vez. Com o
seu último, Inferno. Que eu não li.
Como não li os que se seguiram ao Código
Da Vinci.
Mas agora lembrei-me desse mesmo, do Código Da Vinci.
Os códigos e as mensagens e os sinais e
os signos ocultos que manuseamos ou frequentamos na nossa vida de todos os
dias, que alguns pretendem estar disfarçados de outras coisas nas grandes obras
de arte, os subtextos poéticos ou arquitectónicos que significariam mais (e
maior) do que o próprio texto e ao qual só poucos iniciados têm acesso pleno…
tudo isso… existe?, não existe? Oh, já houve evidências de tanta coisa que
existia e que nós supúnhamos não existir. Será que não estamos preparados para
identificar muita coisa de maior na nossa pequena vida menor de todos os dias?
Será? Não sei. Mas às tantas, vai-se a
ver e nada existe mais do que aquilo que não existe…
Que códigos podem estar ocultos nas
simples quatro notas em tonalidade de Dó menor da Quinta de Beethoven? Que quis
Beethoven realmente dizer-nos com aquelas quatro imperativas notas logo à cabeça da sua
obra. Um aviso? Uma premonição? Talvez revelar-nos o valor de PHI, a proporção
divina…
Uma coisa que há anos começou a acontecer
e que muito me satisfaz pessoalmente foi o êxito de vendas de certos livros
cujos conteúdos erudito-esotéricos, vamos lá, são literariamente vertidos em
forma de romance de acção e mistério. Lembremo-nos do Nome da Rosa, do Prof. Umberto Eco, o primeiro, ou o mais
celebrizado, achado técnico-narrativo do género, e até por acaso adaptado menos
mal ao cinema. E mais O Pêndulo de
Foucault, do mesmo Eco. Para não falar de outros de menos elaboração
intelectual ou de inferior qualidade literária.
E, mais recentemente, à entrada do
milénio, na esteira do pioneirismo de Umberto Eco, eis que nos aparece o Código Da Vinci, da autoria de um certo
Dan Brown de quem eu nunca tinha tido notícia até O Código Da Vinci ser um sensacional best seller internacional. E a impressão que então me ficou foi de
que TODA A GENTE tinha lido o Código Da
Vinci.
O que é que cada um tirou dele, e porque
é que gostou, ou não, dele… isso já é outro assunto…
Toda a gente leu o Código Da Vinci e seus derivados,
visto que a espécie de boom editorial
quanto aos tais assuntos esotéricos não deixou de estar em moda, e esses
produtos vendem, dão bom dinheiro a ganhar.
E entre os derivados do Código Da Vinci (que, como digo, já era
um derivado das coisas sérias do Eco) estão alguns livros que só foram dele
derivados por uma questão de oportunismo editorial, posto que foi de alguns
deles que Dan Brown retirou grande parte do material para o romance.
(A Flauta Mágica. O que é que Mozart quis
dizer ao mundo e às Idades com esta obra? Que mistérios Mozart terá desvendado
na armação dos acordes maçónicos da Flauta
Mágica? Terá ele morrido por revelar por música segredos maçónicos
impronunciáveis?)
Gosto que estes êxitos literários
aconteçam, estava eu a dizer. Tal significa que grande número de pessoas pode
começar a espiritualizar-se. O que não é mau.
As pessoas podem, por estes livros, ter
ideia de alguma realidade eventualmente oculta, ou vislumbrar que a realidade absoluta
nem sempre (ou até raras vezes) está ao nosso alcance, e de que essa realidade
(verdade) não nos será nunca revelada nas histórias que nos são impingidas pela
televisão, e que outras realidades poderão existir menos evidentes… porque nada existe mais do que aquilo que não
existe, e porque às vezes parece que o que não existe na televisão não
existe mesmo… quando afinal existe.
Grande parte do público talvez se tenha
começado a desinteressar da política tal como ela é feita nestes nossos dias. E
tal pode estar a acontecer, em boa medida, pela intuição dos públicos de que
muita coisa importante lhe passa por debaixo do nariz, que nem tudo vem no
jornal – nem sequer o mais importante -, e os sinais dessa intuição dos
públicos pode ser o crescendo universal de interesse por este tipo de best sellers onde se acena ao público
com a probabilidade de que a realidade mais real possa andar por paragens com
que o respeitável público nem sonha.
Sim, o grande público pode estar a
aperceber-se de que o suco da verdade da organização do mundo é oculto, está
codificado e só é perceptível por signos.
O público que leu o Código da Vinci ficou a
pensar o quê do que leu?
Bom, na maioria dos casos, entreteve-se
com a intriga a atirar para o policial, gostou da estória. Quanto ao mais,
deixou-se estar indiferente. Ou não? Um livro que deixa o público indiferente quanto
à sua intenção não dará com certeza um êxito colossal de vendas. E eu diria
que, na maioria dos casos, o público leu e aderiu. Que é como quem diz,
acreditou, mesmo que fosse tudo apenas imaginação. Ou se não acreditou passou a
pôr uma quantidade de coisas em causa. Ou pensou que, se não acreditou poderia
mais tarde vir a acreditar. E assim o livro passou – terá passado – a
constituir um perigo. Um perigo para quem?
Também houve quem o tivesse lido e não
tivesse gostado nada. E tanto assim que em sites
e blogs da Internet começaram a aparecer as contestações. E algumas delas
quase violentas, e até, a meu ver, despropositadas, que diabo, O Código da Vinci é apenas um romance, uma obra de
imaginação. A menos que haja alguma verdade concreta nele, e por detrás dele
esbracejem alguns interesses pouco claros…
E cuidado com as teorias da conspiração,
nem seria preciso dizê-lo …
Mas pertence à Opus Dei o mais brutal e
estúpido assassino que figura no romance, é verdade…
Mas vamos lá a a ver… o livro onde Dan
Brown bebeu (quase diria que copiou) para romancear a questão do Graal e do
Priorado de Sião foi começado a escrever pelos anos 70 e foi dado à estampa em
1982. Chama-se The Holy Blood and The
Holy Grail - que ficou, na versão
portuguesa da editora Livros do Brasil, como O Sangue de Cristo e o Santo Graal – da autoria de três investigadores,
dois dos quais eu, por deles ter lido outros trabalhos, muito aprecio, Michael
Baigent e Richard Leigh, aqui associados a Henry Lincoln. Um livro sem ficção
que acho incomparavelmente mais empolgante do que o Código Da Vinci.
Acentua-se no Código da Vinci a força política e financeira de uma confraria, a
Opus Dei, a organização católica com a mais elevada taxa de crescimento em todo
o mundo e a que mais suspeições concita sobre si.
Votos de castidade na Opus Dei? Sim, e
depois? Pagamento de dízimos e duras penitências, auto-mortificações, cilícios?
Evidentemente. Que temos nós com isso? Já não nos chega a nossa vidinha?
Corriam boatos desagradáveis sobre a Opus
Dei. Alguns poderiam mesmo ousar chamar-lhe a Máfia de Deus. Constou até que um
grupo drogara alguns noviços com mescalina,de forma a induzir-lhe estados
eufóricos que se pudessem confundir com transes religiosos; um homem do FBI,
preso por ser agente duplo e membro da congregação, filmava em vídeo as suas
práticas sexuais e mais umas quantas coisas estranhas…
A impressão que me deu, que me dá, é de que
o escopo fundamental das contestações aparecidas entretanto não pretendem mais
do que limpar a histórica folha da Opus
Dei.
Por exemplo, quanto a equilíbrios de
masculino/feminino no interior da Opus Dei: as mulheres seriam compelidas a
limpar as residências dos homens, enquanto estes se entregavam a tarefas da
ordem do superior ou do espiritual; as mulheres poderiam dormir em tarimbas de
pau, enquanto os homens, vá lá, pelo menos ainda poderiam deitar o cadáver em
enxergas de palha. Mas estes seriam os numerários, os profissionais a tempo
inteiro da confraria, por assim dizer, porque os havia supra-numerários,
gestores, banqueiros, gente importante com vidas normalíssimas de mulher e
filhos e alto conforto de vida e altos negócios de finança.
O autor do Código da Vinci apresenta-nos muito
evidentemente um antagonismo: Opus Dei versus uma organização multi,
multi secular que teve vários nomes, que foi a Ordem de Sião e que nos chegou
sob o nome de Priorado de Sião, ordem ultra secreta que supostamente teve como
grão mestres algumas das maiores figuras universais da política, da
aristocracia, das artes, das ciências e das letras de todos os tempos.
Uma ordem ultra secreta, o Priorado de
Sião, que teria em seu poder um segredo arrepiante de gravíssimas e profundas
consequências mundiais se fosse revelado.
Digam-me lá: quem acreditaria num maduro
– ou grupo secreto de maduros - que viesse a público com meia dúzia de papiros
ou velinos na mão a dizer que afinal Jesus Cristo era um homem, um simples
mortal (excepcional, mas humano), um pai de família, casado com uma senhora
chamada D. Maria Madalena que no momento em que lhe crucificaram o marido
estava grávida de uma menina que haveria de se chamar Sara?
Ninguém acreditaria. Tal verdade nunca
poderia existir.
Se o povo acreditasse seria o colapso de
uma civilização, o fim da nossa consciência histórica, que é uma das poucas
coisas que cada um tem de verdadeiramente seu nesta vida.
E no entanto, pode ser verdade. Mesmo que
os detractores do Código da Vinci não queiram que seja verdade.
A verdade? Qual verdade? A verdade da
política? A verdade da economia e dos negócios? A verdade da própria vida? A
verdade da alma? Será que a verdade existe mesmo? Cada vez tenho mais dúvidas…é
verdade…
E porque hei-de eu acreditar piamente que
Cristo era filho de Deus, solteiro, bom rapaz,
místico, taumaturgo, mártir, ressuscitado dos mortos... e sem nunca ter tido contactos carnais?
Porque não hei-de acreditar, se me apetecer,
que ele foi um homem normal, embora de intelecto e poderes superiores, casado e
pai de filhos?
É isso. Tantas provas me podem apresentar
de uma coisa como de outra. Ou seja: ninguém me pode apresentar provas
absolutamente indesmentíveis seja de uma coisa seja de outra.
Ah, e desconfiem sempre que nalguma obra
musical ou literária lhes apareça uma rosa, a flor mais esotérica que existe,
um dos códigos que pode encerrar mais sentidos ocultos. É na rosa que se
esconde o Segredo… qual segredo? Não sei, juro…
Não, senhores, não sou um defensor do Código da Vinci. Literariamente achei-o
uma boa merda. Mas… mas quanto à substância mística, faço como no Totobola e
jogo numa tripla (ou quádrupla, ou quíntupla), pobre de mim, que sei eu, quem
sou eu para poder palpitar para um lado ou para o outro? Sim, sim, acho-o, como
romance e do ponto de vista estrictamente literário, com reduzido valor, sem
valorizar excepcionalmente o tom e o ritmo policial da prosa, mesmo a pedir
adaptação cinematográfica, e que lhe explica muito do sucesso comercial. É bem
certo que o Código da Vinci não vive só disso, vive, e muito, da
originalidade romanesca do assunto e da mitologia marginal que lhe está
implícita, eu sei. Mas pisca demasiado o olho ao comercial…
E reparemos que foi no virar de milénio
que o Código da Vinci apareceu, e com o retumbante sucesso que teve
– e com ele outros livros, como disse, que de uma forma ou de outra lhe
desenvolvem a temática - além de serem já banalidades os programas inteiros de
televisão sobre a mesma coisa, priorados, ordens secretas, maçonarias, o Graal,
os cátaros, os Templários, o neo-paganismo, os nazis…
Precisamente: o centro histórico da
questão são os Templários. Sempre os Templários. Mas da existência histórica
real e do destino dos Templários decorrem muitos mistérios. O Priorado de Sião,
um; o papel de Maria Madalena, outro; a sobrevivência de Cristo ao martírio da
cruz, outro; as razões reais da extinção de ordem tão poderosa, outro. E todos
interligados.
É a partir da personagem de Jesus Cristo
que se desenvolvem os mistérios iniciáticos mais em voga neste ainda começo de
milénio.
A Bíblia, e em particular o Novo
Testamento, são reavaliados à luz da ciência, da arqueologia, da História e da
conjuntura política dos tempos, e o que é essencial com respeito à fé e aos
valores cristãos começa a ser posto em causa.
A vida de Cristo entre os seus 14 e 29
anos, a aprendizagem, a trajectória pessoal, o estado civil, a crucificação, a
ressurreição… o cristianismo, em suma, e seus ensinamentos e princípios morais,
enfim, tudo isso pode ser desacreditado, e com ele, cristianismo, por
consequência, todo o poder e toda a força das infalibilidades da Igreja de
Roma.
Os procedimentos de ordem
histórico-política, militar, e até económica, deste início de milénio também
poderiam significar qualquer coisa. A mundialização, a crise financeira e a barbárie
capitalista que se lhe vai seguir, a confusão e o imoralismo que se instituem
como quem não quer a coisa na vida comunitária, o terrorismo, as novas crises
no Médio Oriente, a guerra religiosa declarada, indesmentível e sem fim à vista,
entre o Islão e o Ocidente. Por exemplo.
Por exemplo, a urgência de fazer incluir
a matriz cristã no preâmbulo da constituição europeia. Aparências de alguma
coisa que a gente não sabe se se passou, se se está a passar, se estará para se
passar…
Com o descrédito da mitologia de Cristo
muita coisa - senão tudo – da nossa moral fundamental está a descredibilizar-se,
a desmoronar-se mesmo. A favor de quê? De quem?
Se estamos no limiar da queda dos valores
cristãos, que outra moral e que outra civilização se preparam em seu lugar?
Porque nem sempre as coisas são o que
parecem ser.
Há homens iluminados que ao longo dos
séculos pareceram querer dizer algo de perturbante ao mundo, que insistiram em
avisar o mundo, cuidado, as coisas
raramente são aquilo que parecem, cuidado porque a vida mais aparentemente
simples e todas as coisas mais corriqueiras são sempre passíveis de várias
leituras…
Em Shakespeare (que sabia muito mais dos
mistérios da verdade do que parecia saber) estamos com Macbeth, no título deste texto: nada
existe mais do que aquilo que não existe. Isto é de quem sabe qualquer coisita
a mais do que o normal dos viventes…
O livro que efectivamente me interessa
não é o Código da Vinci. É
precisamente o The Holy Blood and The
Holy Grail - em português O Sangue de Cristo e o Santo Graal - onde Dan Brown foi buscar o material para
romancear. Mas os contestatários ferozes do Código
também o são – naturalmente - desse O Sangue
de Cristo e o Santo Graal, e consideram-no falso como Judas. O Priorado de
Sião nunca terá de facto existido ao largo dos séculos. O Priorado de Sião não
seria nada o pai secreto da Ordem dos Templários.
E que terá feito esse senhor Pierre
Plantard em cuja honestidade e boa fé os autores do O Sangue de Cristo e o Santo Graal acreditaram?
Esse senhor, e mais dois ou três outros
terão depositado na Biblioteca Nacional de Paris um acervo documental, os
chamados Documentos Secretos, que
supostamente provariam a existência e actividades do Priorado de Sião desde
cerca do ano de 1088 até aos dias de hoje. Documentos esses que os detractores
do Código da Vinci e do O
Sangue de Cristo e o Santo Graal consideram falsificações.
E quero que se perceba uma coisa: não
tenho a mais pequena intenção de intervir parvamente na contenda esotérica –
quem sou eu, ignaro agnóstico? -, só, quando muito, estaria interessado em estimular, como
Leonardo (e passe a descarada imodéstia), algumas pessoas a abrir os olhos para
certos assuntos que não figuram nos telejornais nem se lêem nas primeiras
páginas da imprensa. É essa a principal questão de moral, para mim.
A mulher. Um caso. Houve – sobretudo
feministas – quem tivesse lido e relido o Código
da Vinci e tivesse passado um pouco por alto as terrificantes perspectivas
mundiais que nele se contêm e se tivesse fixado numa única das questões
levantadas. A condição feminina. A condição de Maria Madalena. Prostituta. Ou
santa. Ou mãe. E mãe de quem? Aí está: mãe da descendência de Jesus Cristo nem
menos. E é aqui que entra Leonardo da Vinci, e daqui decorre o título do livro.
Quem olha para o famoso quadro da Mona
Lisa poderá alguma vez dizer que uma montagem subliminar está para além dos
significados óbvios do imediatamente visível e que pode explicar 2000 anos de
organização do mundo?
Mas quem poderá ler essas mensagens senão
os eruditos – desde que iluminados?
Claro que é preciso cuidado, porque os
eruditos muito se divertem com a Razão, com a Cultura, com a História. E com o
silêncio dos objectos.
Mona Lisa: dizia-se que era o retrato de
uma senhora, uma dama florentina (Mona) chamada Lisa, mulher de um abastado
comerciante. Mas o dito Código Da Vinci
avança outras variantes interpretativas…
A Mona Lisa, além de, admissivelmente,
poder ser um auto-retrato do próprio Leonardo vestido de mulher, também, sem
deixar de o ser, pode ser um informe sobre a própria condição feminina.
As mulheres estariam em dívida eterna
para com o mundo dos homens. O pecado original ninguém o limparia do corpo
delas. O pecado original eram elas. A Opus Dei, fundamentalista, esforçar-se-ia
por regressar à suposta pureza arcaica dos princípios…
Mas… e se os princípios do cristianismo
não tivessem sido rigorosamente esses, nomeadamente quanto à subalternização –
para não dizer humilhação – da mulher?
Um dos objectos simbólicos de que se fala
no livro é um pentáculo. Um instrumento que era usado já 4.000 anos antes de
Cristo. É a natureza que está em associação estreita com o pentáculo num
universo de antigos saberes em que se concebia o mundo dividido em duas partes,
masculino e feminino, Yin e Yang. Não
há bicho careta hoje em dia que não saiba disto. E só na condição de masculino
e feminino se acharem equilibrados é que haveria harmonia no mundo.
Logo no início do romance apresentam-nos
uma personagem que acaba de ser atingida com um tiro e que tem um segredo da
máxima importância mundial a transmitir – ou a falsificar conforme o
interlocutor que lhe apareça. De qualquer das maneiras um segredo cifrado,
codificado, de que essa personagem era guardiã. O homem que mata a personagem é
um monge da Opus Dei e, nas vascas da agonia, a personagem moribunda
transmite-lhe o segredo de um lugar onde se esconde um outro e importante
segredo. Mas dá-lhe uma pista falsa. Há de facto um segredo importantíssimo
escondido, mas para lhe chegar haverá que decifrar códigos culturais que são
charadas complicadíssimas. O que quer dizer que, por alguma razão, os homens da
Opus Dei não têm o direito de saber a verdade do segredo.
Leonardo. Visionário. Genial. Homossexual
– coisas que no seu tempo não significavam exactamente o que hoje possam
significar de orgulho gay. Muito pelo
contrário. Adorador da ordem da natureza. Tipo altamente enigmático,
problemático, duvidoso para a ordem
vigente. Excêntrico. Um pecador contra o status a vários e desgraçados carrinhos.
Pode
dizer-se, conforme no-lo vinca o autor, que Leonardo trazia com ele uma espécie
de aura demoníaca. Exumava cadáveres, calculem, para os estudar. Escrevia os
seus diários ao contrário, ou seja, uma escrita invertida, indecifrável.
Desenhava e produzia instrumentos de tortura e máquinas militares de grande poder
mortífero. Era um marginal, e no entanto, um marginal tolerado e protegido
pelos poderosos do tempo. Talvez porque sabia uma verdade crucial.
Leonardo venerava a sua própria obra - o
quadro de Mona Lisa em concreto. Só
por ver nela o ácume da sua mestria artística? Talvez não. Da Vinci levava
consigo o pequeno quadro de Mona Lisa
para onde quer que se deslocasse mas por uma razão não imediatamente estética,
por uma razão secreta. Mona Lisa
arrecadava nas suas simbologias e nas técnicas do sfumato com que a executara o incomensurável segredo de que
alguém, ou algum grupo, eram
depositários.
A linha do horizonte do fundo do quadro é
desigual. A linha do lado esquerdo ficava mais baixa que a do lado direito e
isso continha uma mensagem, era uma ponta do segredo. Mas para aceder nem que
fosse à pontinha mais básica do segredo, o vulgo teria de saber o que de certeza não sabia e que era
o seguinte: tradicionalmente, aos conceitos de masculino e feminino são
atribuídos lados opostos, o direito ao masculino, o esquerdo ao feminino. Da
Vinci, sei lá se pelas suas ditas tendências sexuais, privilegiava o feminino,
o lado esquerdo, e pela organização do espaço pictórico, ao rebaixar o fundo
esquerdo faria a figura parecer mais importante, justamente do lado esquerdo,
do lado feminino.
Todavia, o essencial era o equilíbrio, a
proporção, a harmonia, não já aqui em termos artísticos mas humanos, históricos
e filosóficos. Não existiria alma humana que se pudesse dizer iluminada se não
possuísse e activasse em si as duas forças contrárias, embora concomitantes e
equilibradoras, o masculino e o feminino. A linha interpretativa iniciática de Mona Lisa entroncaria então na
androgenia, na fusão de elementos opostos.
E outro dos muitos aspectos crípticos
contido no romance vem dos lados da mitologia mais arcaica. Há o deus egípcio
da fertilidade masculina que se chama Amon, um corpo de homem e uma cabeça de
carneiro; e há Isis, a deusa, a mulher modelo dos egípcios. Amon. Isis. Isis
que no antigamente das vidas era grafado L’Isa. Dá Amon L’Isa. Eis o anagrama, a técnica primeira de todos os
códigos. Amon L’Isa, por anagrama, igual a Mona Lisa: união de duas forças
mitológicas opostas, masculino, feminino.
Nada
existe mais do que aquilo que não existe.
Gershwin, sim, um caso: dizem que também ele era
um iniciado nestas coisas do Segredo, ele e, entre muitos outros, Walt Disney –
que nunca terá feito outra coisa nos seus desenhos animados senão contar de
várias maneiras a história do impressionante segredo de Maria Madalena. Dizem.
Mas entretanto ficámos a saber que um dos
maiores especialistas mundiais sobre as questões do Priorado de Sião é um jovem
português. É um dos que desmascara o senhor Pierre Plantard, o dito inventor do
Priorado de Sião, o que registou num cartório de província o Priorado, mas só
em 1957; o mesmo que, efabulando a partir de uma história que atravessava a
própria História europeia, se reclamou como última vergôntea da desaparecida
linhagem merovíngia, ou seja: legítimo pretendente ao trono de França.
E como nada existe mais do que aquilo que
não existe, a experiência ensina-nos que é sempre de esperar que o que hoje é
considerado falso pode muito bem, amanhã, vir a revelar-se verdadeiro. E
vice-versa… mas, tanto para o vice como para o versa, há mistificações que
podem render muito dinheiro… e poder… e é isso que nestes tempos nos pode fazer
desconfiar até da própria sombra…
Não li o tal código. A euforia dos leitores do livro colocou-o no meu index librorum logo se lerá. Aconteceu o mesmo com a Rosa do Eco que provocou uma euforia semelhante, mas esse acabou por ser lido.
ResponderEliminarAquilo que não existe, existe mais do que aquilo que existe porque não tendo existência manifesta-se no que existe. Assim se materializam as linhas de fronteira territorial, o medo, a fé... a própria existência.