ESTÁS NA MINHA LISTA NEGRA, DIZ A ZEBRA
PARA O MOSQUITO
(PARTE II)
Tempos de
desassossego no cinematográfico pós-guerra americano.
Se por um lado
havia o Comité para a Primeira Emenda, que
se desdobrava em contactos, comícios, conferências, páginas de
publicidade paga nos mais importantes jornais, tudo em defesa dos direitos dos
Dez de Hollywood, por outro havia os anti-comunistas mais ferozes, os racistas
declarados, os para-fascistas e tudo isso integrado na Legião Americana, sempre
à espreita para boicotar as salas onde passassem filmes em que participasse
algum dos identificados como comunistas, e contando com o inestimável apoio da
cadeia jornalistica de William Randolph Hearst.
O próprio
Hearst escrevia artigos a propósito: se está mais que visto que no meio disto tudo
os produtores de Hollywood não parecem dispostos a mexer uma palha para correr
com os vermelhos da indústria, então o governo federal que se meta no assunto e
que imponha censura aos filmes dos comunistas. Seria uma medida útil, visto que
a indústria está infestada de comunistas.
E enfim, era um
ambiente que já preparava uma nova fase de perseguições e interrogatórios.
O Hollywood Reporter abria um título a
seis colunas: a questão comunista está a
dividir a Screen Writers Guild (o
sindicato dos argumentistas), enquanto na
Screen Actors Guild se aprova uma
resolução que obriga todo o actor a assinar uma declaração de não-comunismo.
Frank Sinatra
fala na rádio e atira-se à Comissão. Quando
essa Comissão tiver depurado Hollywood qual será o próximo sector? Querem
assustar-nos? O meu medo é que esta Comissão venha a obter hoje o consenso dos
americanos, porque então, para o ano, já não me será possível falar livremente
nesta rádio. E ao lado dele estavam Judy Garland, Humphrey Bogart, Gene
Kelly, Burt Lancaster, Lucille Ball e muitos outros.
Mas os Dez
continuavam activos. Ring Lardner Jr. lá recebia os seus 2.000 dólares por
semana – depois das audiências até chegou a ser aumentado – Lester Cole e
Dalton Trumbo continuavam nos seus postos de trabalho na MGM, e Edward Dmytryk
e Adrian Scott tinham a garantia de que a casa a que pertenciam, a RKO, não
lhes ia ao ordenado.
A quem não
importava - em primeira instância, pelo menos - saber se os Dez eram ou não
eram comunistas era aos produtores e aos distribuidores. Importava-lhes mais, e
preocupava-os muito, verificar que esses se pareciam demasiado com comunistas.
Já dizia um director geral da MGM, não
vou andar por aí a querer descobrir e castigar comunistas, o que digo é que
esta história dos Dez foi um violento golpe para a indústria. Mas que sejam
vermelhos ou não não me faz a mais pequena diferença. Porque não era um
problema político-ideológico, o que era era um problema de public relations – aparências. E foi por essa causa que os
produtores se reuniram em comité - mais
um comité. À cabeça ficou Louis B. Mayer. Entre os membros estavam Dore Schary,
Walter Wanger, Joseph Schenk. Entendemos
promover uma publicidade favorável à indústria do cinema para temperar o mau
clima instalado.
Naqueles dias todos me exigiam uma posição a favor ou
contra os Dez, e quando eu tinha resolvido não fazer nem dizer nada – viria a dizer Louis B. Mayer mais tarde.
A 24 de
Novembro, ainda de 47, a Câmara dos Representantes deliberou por larga maioria
a citação dos Dez de Hollywood para responderem pela culpa de ultraje ao
Congresso dos EUA. Nesse mesmo dia, no Hotel Waldorf Astoria, em Nova York,
cinquenta personalidades gradas do mundo do cinema estavam reunidas para tomar
decisões, no que constituíu um dos mais marcantes momentos da História de
Hollywood.´
A indústria do
cinema era uma muito peculiar indústria no universo das actividades económicas
americanas, e um dos pontos dessa peculiaridade era que dependia estreita e
directamente da opinião pública. Trabalhava para a opinião pública, logo, era
julgada pela opinião pública. E a opinião publicada na imprensa, por esses
dias, tinha dado uma reviravolta e já se levantavam vozes críticas do comportamento dos Dez. Mas também vozes críticas contra a paranóia da auto-protecção
reclamada pela indústria de Hollywood. E no quadro dessa, digamos, paranóia,
exigia-se regulamentação e até censura. Quanto ao crucial e sensível mercado
estrangeiro dos produtos hollywoodescos, os danos eram apreciáveis, em função
(dizia-se) da propaganda vermelha veiculada pelas produções americanas - muitos
países da América Latina tinham por via disso fechado os écrans à produção de
Hollywood.
Aos produtores
e senhores dos estúdios, os capitães da indústria, cabia uma decisão sem
ambiguidades: ou bem que decidiam em conjunto defender o seu direito de
continuar a dar trabalho aos Dez; ou bem que, todos de acordo, despediam os
elementos dos Dez que tinham na sua
folha de pagamentos – esta última medida seria o bastante para convencer o
público da culpabilidade deles.
Louis B. Mayer
foi a favor do despedimento – colectivo, digamos, comum a todas as casas
produtoras. Eddie Mannix, da MGM, duvidava que privar aqueles homens do seu posto
de trabalho fosse legal segundo as normas vigentes na Califórnia, mas um dos
colaboradores das empresas, que no passado fora juíz do Supremo, diz que a
coisa se pode fazer, embora correndo riscos.
Contra o
despedimento geral dos Dez de Hollywood levantavam-se as vozes de Dore Schary,
Samuel Goldwyn e Walter Wanger. Eram pelo diálogo. Todos se deveriam sentar a
uma mesa e encontrar uma solução equitativa – aviso de Goldwyn, que todavia
sentiu a disposição geral favorável ao despedimento e não teve vontade de se
opor ao que era a opinião mais geral. Ficou Dore Schary numa posição isolada,
contrária aos despedimentos, e sustentando que
o despedimento dos Dez hostis à Comissão não traria nada de novo à
indústria para além de uma nova estratégia de relações públicas.
(Muito mais
tarde, em 1965, Dore Schary disse numa entrevista ter ficado muito amargurado
por ter sido o único naquela reunião do Waldorf Astoria a declarar que um
trabalhador deveria ser contratado na base das suas capacidades profissionais e
não levando em conta as suas ideias políticas. Pensou então em demitir-se, mas
adorava o seu trabalho de produtor de cinema e não gostaria de se ver fora da
indústria. Fora por isso, e só por isso, que subscrevera a Declaração do
Waldorf.)
Na reunião do Waldorf
Astoria não houve votação final e decisiva. No entanto, feitas bem as contas, a
opinião que na verdade prevalecia era a dos maiores chefões, e esta era a favor
dos despedimentos. As vozes contrárias, como Goldwyn, Schary, Mannix ou Wanger
eram vozes de produtores ou independentes, ou demasiado e absolutamente
dependentes das vontades dos patrões das
majors.
O que saiu foi
uma declaração, a Declaração do Waldorf. Alguns passos dela:
Não queremos prejudicar os direitos legais
dos dez cineastas de Hollywood, mas, pelas as acções praticadas, estas pessoas
prejudicaram seriamente os seus empregadores e comprometeram o interesse que a
indústria cinematográfica tinha nas suas colaborações. De hoje em diante
procederemos ao despedimento sem direito a indemnização dos dez incriminados
que trabalham na nossa dependência e não os voltaremos a contratar até que
sejam absolvidos da acusação de ultraje e até que possam declarar sob juramento
que não são comunistas. Que fique claro: não contrataremos pessoa alguma que
seja comunista ou membro de algum grupo ou partido que se proponha derrubar
pela força ou por qualquer outro método ilegal e inconstitucional o governo dos
Estados Unidos. A este propósito, apelamos às organizações sindicais de
Hollywood para que colaborem connosco a fim de eliminar os subversivos que se
acoitam entre nós. Etc.
Daí para a
frente os estúdios exigiam a cada seu contratado uma carta em que jurasse não
ser comunista, não frequentar extremistas, e arrepender-se e jurar não tornar a
cometer semelhantes erros se no passado tivesse colaborado com alguma destas organizações – ajudas aos
refugiados espanhóis, aos comités anti-fascistas e coisas assim.
Depois da
Declaração do Waldorf, a lista negra , que se restringia àqueles dez, foi sendo
alargada a muitos mais artistas.
A chamada lista negra de Hollywood era a
lista de artistas a excluir da indústria cinematográfica devido às suas ideias
políticas. Algo que, elaborado pelas maiores produtoras cinematográficas, nunca
existiu. Por ser ilegal a elaboração de qualquer lista negra.
Algo que nunca existiu, dizia, mas que
existiu – porque, lá está aquilo que eu (plagiando o camarada Will Shakespeare)
costumo dizer: nada existe mais do que aquilo que não existe.
Na verdade, nenhuma das majors alguma vez admitiu a existência
de listas negras discriminatórias com base nas ideias políticas, nem nenhum
tribunal alguma vez as reconheceu. E no entanto, os resultados delas foram
evidentes.
No seu pleno direito, as grandes
companhias cinematográficas recusaram trabalho a certos argumentistas,
realizadores e actores. Pura e simplesmente. Mas tal não poderia interpretar-se
como uma sistemática segregação por razões ideológicas.
Haveria doravante duas razões imediatas,
oficialmente instituídas, para o despedimento de um artista. Uma era o ter-se
recusado a responder cordatamente às perguntas da Comissão para as Actividades
Anti-Americanas; e outra era ter sido apontado por testemunhas como estando, ou
tendo estado, filiado no Partido Comunista Americano.
Mas também será preciso ver as coisas mais
de perto. E o certo é que a indústria hollywoodesca do espectáculo sempre
tivera as suas listas negras. Podiam mudar os tempos, as motivações e as
dimensões do fenómeno, mas o espírito segregacionista sempre existiu contra
pessoas de grande talento ou de elevada qualidade profissional que de um dia
para o outro eram postas à margem da nata da indústria, e nalguns casos para
sempre. Bastava uma vingança pessoal, uma inveja, um caso de sexo. Por isso
mesmo, McCarthy, e a Comissão para as Actividades Anti-Americanas que ele
inspirou, não inventaram nada quanto a princípios subreptícios de repressão e
segregação no meio cinematográfico. Só que, se nos anos 20 os proscritos de
Hollywood podiam sê-lo devido a comportamentos de moralidade inaceitável, nos
anos 40 e 50 a tonalidade da música repressiva mudava da moral sexual e dos
costumes para quesitos de moral política.
Os Dez não esperaram muito pelas
consequências práticas da Declaração do Waldorf. Quem tinha um contrato foi
prontamente despedido sem levar um tusto, e com base num artigo do respectivo
contrato… o artista comportar-se-á com o
devido respeito pelas convenções sociais e pela moral comum e não se envolverá
em acções que o degradem ou exponham publicamente ao descrédito ou ao ridículo,
que escandalizem, ofendam ou irritem a comunidade ou a moralidade e a decência
comuns, ou ainda que possam causar dano à empresa ou à indústria
cinematográfica no seu conjunto.
E os dez listados de negro levam a
tribunal os seus ex-patrões produtores. Por ruptura injustificada de contrato,
por despedimento ilegal, pela criação de uma verdadeira lista negra. Cinco
tiveram ganho de causa – ruptura injustificada de contrato. Os outros perderam
todas as causas.
E entra o ano de 1948. Tribunal de
Washington. Ultraje e vilipêndio à Comissão, ou não? Sim. Lawson declarado
culpado. Trumbo declarado culpado. Recursos para o Supremo. Acordo entre os
advogados destes dois com o governo: a sentença sobre estes dois casos valeria
para todos os outros acusados.
E entra o ano de 1950. Em Abril, o
Supremo Tribunal rejeita os recursos. Um ano de prisão efectiva para Lawson e
Trumbo. Os outros iriam a seguir. Para a Prisão Federal de Dunbury, no
Connecticut.
A lista negra fica em banho-Maria. A Comissão, se bem que
moralizada com a condenação de quem a tinha ultrajado e vilipendiado, sossegou
por um tempo. Até Março de 1951. E regressou em 51 mais ameaçadora do que
nunca.
Nesse interim, John Wayne é elevado a
presidente da Associação para a Defesa dos Ideais Americanos. Nenhum comunista deve se tolerado na
sociedade americana nem na nossa indústria. Não queremos ser confundidos com
traidores. Queremos patriotismo e justiça. Não odiamos ninguém, só esperamos
que aqueles que mudaram de ideias cooperem ao máximo com as autoridades. Quero eu
dizer, que denunciem pessoas e locais de que tenham conhecimento e assim tornem
a fazer parte da grande família americana.
O falhanço do recurso de Lawson e Trumbo
alterou o quadro de defesa de quem viesse a ser interrogado e inculpado. A
invocação da Primeira Emenda Constitucional perdera eficácia depois da decisão
do Supremo. Desafiar a Comissão na firmeza de um argumento constitucional já
não era táctica. Quem se sentasse no banco das testemunhas arcava à partida com
o labéu de “culpado” de qualquer coisa. Era a exemplar democracia americana
liberal a funcionar em registo fascistóide. Não é impossível para uma
democracia liberal, nem pode ser olhado como contra-natura numa democracia
liberal. Como de resto por aqui passámos a saber…
O ambiente em torno das audiências de
1951 foi muitíssimo mais tenso e crispado do que em 47. E muito mais hostil
para aqueles que compareceram acusados de comunismo.
A circunstâncias políticas americanas e
mundiais haviam mudado. Tinha sido descoberto e preso como espião soviético um
alto funcionário do governo, Julius e Ethel Rosenberg tinham sido executados na
cadeira eléctrica por espionagem a favor da União Soviética, o comunismo estava
definitivamente instalado na China, os soviéticos tinham realizado uma primeira
experiência nuclear, começava a guerra da Coreia, o senador McCarthy entrava de
rompante na cena política interna com a sua cruzada de histeria anti-comunista.
A coisa estava feia. A América estava com medo. E inaugura-se na exemplar
democracia americana um período de forte e activa repressão política.
O cómico Don Camillo, em 1952, um dos filmes da popular saga protagonizada
por Fernandel e Gino Cervi, chama as atenções do chefe da censura da Paramount, um ítalo-americano, que de
imediato denuncia o filme à CIA como um daqueles filmes comunistas, ou de certa
forma favoráveis ao comunismo, que mostram (como se isso fosse possível) a
convivência com os vermelhos num clima de amizade. O filme registara um
enorme sucesso de público na Europa, prémios em Veneza e na Alemanha, e fora
oficialmente reconhecido como um filme fundamental
para o desenvolvimento do pensamento democrático. O problema para o chefe
da censura da Paramount era que o
filme pudesse ganhar o Óscar para o melhor filme estrangeiro desse ano. Não
ganhou.
E no meio disto tudo havia 48 testemunhas
a recusar responder à Comissão no item relativo ao seu credo político, enquanto
35 cederiam e a tudo responderiam e ficariam para a História deste período como
odiosos delatores dos colegas.
- Já disse que não
sou comunista – repisava o actor Larry Parks. - E se estive inscrito no Partido
Comunista foi por ser muito jovem, muito liberal e muito idealista. E muito
sensível às necessidades dos oprimidos, dos não privilegiados. Ser comunista respondia aos meus ideais e à
minha sede de justiça e de igualdade. Julgo que ter sido comunista em 1941 e
sê-lo em 1951 são assuntos distintos. Hoje sabemos que a URSS quer dominar o
mundo.
- Muito bem,
senhor Parks… conhece o seu colega actor Lionel Stander?
- Conheço, sim…
- Encontrou-o…
alguma vez… numa dessas reuniões comunistas?
- Não, não me
recordo dele em nenhuma.
- Sabe se era
filiado no Partido?
- Não. Mas, por
favor, penso não ter feito nada de mal…acho que vou responder apenas a perguntas que me façam
sobre mim mesmo. Gostaria de não ter que envolver outras pessoas…
- Então,
diga-nos… onde é que se reuniam? Em locais públicos ou nas vossas casas?
- Em casas,
sim.
- Houve alguma
reunião em sua casa?
- Não.
- As reuniões
eram em casa de quem?
- De pessoas
como eu, gente respeitável, pequenos burgueses em nada diferentes de mim…
- Em casa de
quem?
- Em várias
casas de Hollywood.
- Queremos os
nomes dos proprietários dessas casas…
- Bem, senhor
presidente, como lhe disse há pouco, preferia…
- Então o
senhor acredita que essas pessoas de quem não nos quer dizer os nomes não são
culpadas de nada?
- Acredito,
sim.
- Então, senhor
Parks, se não têm culpa de nada porque é que julga causar-lhes danos dando-nos
os nomes delas… se elas não fizeram nada de mal…
- Meus
senhores, a minha carreira de actor depende do favor do público. Ser aqui
chamado influencia negativamente o público, que começa a suspeitar de
deslealdades para com o seu país… e não podeis constranger-me a escolher entre
o ultraje ao Congresso ou arrastar-me na lama como um delator… não, não podeis
obrigar-me a essa escolha… as pessoas de quem os senhores exigem os nomes são
pessoas de bem, como eu…
- Enfim, senhor
Parks, faça-nos o favor de nos dizer simplesmente quem estava inscrito na célula
do Partido Comunista a que o senhor pertencia entre 1941 e 1945…
Parks deve ter
respirado muito fundo, deve ter tido a visão do que seria a sua vida sem os
estúdios, as câmaras, as luzes, a fama, a visão da sua carreira de actor
provavelmente ainda muito em princípio a ir-se por água abaixo…
- Morris
Carnovsky… Joe Bromberg… Sam Rossen… Lee J. Cobb…
- James Cagney
também estava inscrito?
- Que eu saiba,
não.
- Sam Jaffe?
- Não, que eu
saiba…
- John
Garfield…
- Não me
recordo de ter estado em nenhuma reunião com ele.
- Karen Morley…
- Sim.
- Robert
Rossen…
- Não.
- Richard
Collins…
- Sim.
Está visto que
o presidente da Comissão – que já não era Parnell Thomas, era um tal Taverner –
conhecia de ginjeira os nomes da célula do Partido Comunista a que Parks
pertencera, conhecia-os muito melhor do que o próprio Parks.
No fim, o
presidente Taverner, movido por uma íntima compaixão misturada com alguma
sádica crueldade, consolou o inconsolável Larry Parks:
- Talvez lhe
sirva de consolo saber que todas as pessoas de que o senhor fez os nomes já
eram conhecidas desta Comissão, já cá foram chamadas, e se algum prejuízo lhes
sobrevier não será devido ao seu testemunho…
- Não me serve
de nenhum consolo, senhor presidente – murmurou o pobre Parks.
Porque, vamos
lá a ver, a delação não era brincadeira nenhuma. Um artista admitia perante a
Comissão que sim senhor, que era culpado de simpatias comunistas, ou de ter de
alguma maneira apoiado associações ou grupos suspeitos de simpatias
pró-soviéticas. Nesse caso, a Comissão exortava-o ao arrependimento. O artista
podia bater à vontade com a mão no peito e declarar estar realmente
arrependido. Não bastava. O caso não ficaria assim, a Comissão não ia lá com
conversa. Para provar o seu genuíno arrependimento o artista tinha a obrigação
de fornecer uma lista de nomes daqueles que com ele um dia haviam compartilhado
de ideias ou simpatias comunistas, ou que, como ele, apoiavam ou tinham em
tempos apoiado, associações cúmplices do comunismo internacional, nomes e não
só nomes, como se viu, também os locais de reunião.
A humilhação
era muita. O objectivo da Comissão nem seria tanto (ou não seria mesmo nada) o
de conhecer os nomes que eles estavam carecas de conhecer. O objectivo seria
mesmo o de humilhar os delatores perante
a opinião pública, de os comprometer e de os queimar definitivamente perante os
companheiros de profissão e de ideal político. E nem por ter bufado alguns
nomes Larry Parks se viu riscado da lista negra pelos patrões da indústria – e
a verdade é que, razoavelmente informado que sou, nunca ouvi falar deste actor
Larry Parks. Os patrões não quiseram arriscar-se por ele, e não o tiraram da
lista negra dada a teimosia dele em querer preservar os “vermelhos”, sendo por
isso de considerar personagem pouco confiável pela indústria.
Dois anos
passados de pobreza, sem alternativas de trabalho na profissão, carreira
destruída, desesperado, e cá está Larry Parks a escrever uma carta à Comissão,
a oferecer-se para prestar novo testemunho, desta vez com espírito mais
colaborante. Não sei se deu resultado. Não deve ter dado. Nunca ouvi falar
deste actor Larry Parks.
Uma nova
táctica viria a ser seguida pelas testemunhas de 1951. Uma invocação à Quinta
Emenda Constitucional, a reforçar à já antes accionada Primeira Emenda, e uma e
outra para evitar responder a perguntas sobre as opiniões políticas de cada um.
A Quinta Emenda
dizia mais ou menos… Ninguém será
obrigado a responder por um delito que implique a pena capital ou de qualquer
modo infamante, a não ser por denúncia ou acusação proferida por um grande júri
(…) Ninguém pode ser processado duas vezes pelo mesmo delito (…) Ninguém pode
ser obrigado, seja qual for a causa penal, a depor contra si mesmo (…) Ninguém
pode ser privado da vida, da liberdade ou da propriedade a não ser por um
regular processo legal.
Mas cuidado,
era arriscado. O Supremo não criara ainda doutrina sobre a validade desse tipo
de recurso, embora garantisse que quem se acobertava à sombra da Quinta Emenda
não seria pelo menos incriminado por ultraje, e desde o momento em que essa
cobertura não implicava uma consideração
de ilegitimidade para a Comissão.
Invocar a
Quinta Emenda na sua plenitude poderia significar que a testemunha apenas
abrisse a boca para declarar o nome e a morada. A Quinta Emenda “atenuada” foi
invocada por Carl Foreman e Robert Rossen, disponíveis para revelar à Comissão
que actualmente não pertenciam ao Partido Comunista, mas sem por isso se
obrigarem a depor sobre eventuais militâncias pretéritas, ou a responder a
qualquer demanda sobre as actividades do Partido. Um recurso à Quinta Emenda
“muito atenuado” queria dizer que a testemunha se prontificava a uma deposição
ampla sobre si mesma e sobre as suas actividades, recusando porém falar de
casos terceiros. A dramaturga Lillian Hellman recorreu a este estratagema.
A Quinta Emenda tem armadilhas. Se me
perguntassem se conhecia o presidente Roosevelt devia responder que sim, porque
o facto de o conhecer não me poderia prejudicar. Se me perguntassem se conhecia
Charlie Chaplin ou Dashiell Hamett (que a Comissão via como comunistas) deveria recusar responder, porque esses
nomes acabariam por me incriminar. Complicado.
Quem teve a
brilhante carreira de ídolo cinematográfico de ressonância mundial destruída e passou
os últimos tempos de vida na amargura, até morrer com uma trombose aos 39 anos,
foi o actor John Garfield.
Sentado no banco das testemunhas, Garfield não se mostrou nem
hostil nem delator. Fez-de de lucas. Comunismo?, que é isso? Subversivos?, expliquem-me
lá. Representou. De ingénuo. De simplório. “A minha vida é um livro aberto. Não
tenho nada a esconder nem nada de que me envergonhar. Não sou vermelho. E
também não sou pink. Sou um leal
cidadão deste país.” Ignaro absoluto em matéria política, e por outro lado, e
noutro lance, democrata e liberal, e admitindo o comunismo como a causa de
todos os males do mundo.
John Garfield
levou três horas de interrogatório no dia 23 de Abril de 1951.
Não conhecia, nunca conhecera, nenhum
comunista em Hollywood. Nem ao menos ouvira algum zum-zum sobre nenhum dos seus
colegas. Apoiara a candidatura presidencial de Henry Wallace, apoiara, sim,
enquanto convicto liberal, e nunca pela cabeça lhe passara que os comunistas
apoiavam o mesmo candidato que ele. Não, não se lembrava de ter apresentado o
cantor (negro e comunista) Paul Robeson num espectáculo a favor dos refugiados
anti-fascistas unidos. E sim, concordava, então não haveria de concordar, com a
ilegalização do Partido Comunista. Do que não se recordava era de ter estado
num cocktail a bordo de um navio
russo fundeado no porto de Los Angeles acompanhado por Charlie Chaplin, Lewis
Millestone e pelo escritor russo Constantin Simonov…
Em resumo, John Garfield parecia estar a
ser vítima de um surto de amnésia. O que levou o presidente da Comissão a
perder a paciência.
-
E o senhor Garfield pretende que nós acreditemos que em sete anos e meio
a trabalhar nos estúdios de Hollywood, num ambiente em que os grupos comunistas
organizados em células desenvolviam as suas actividades subversivas, a
contactar dia após dia, semana após semana, com electricistas, maquinistas,
operadores, actores e realizadores…nunca conheceu nem ouviu falar de um único
activista comunista… sete anos e meio, senhor Garfield…
- Exactamente, senhor presidente.
- E se o senhor
viesse a ser abordado, ou mesmo aliciado, por qualquer membro do Partido
Comunista… que faria, que diria?
- Oh, senhor
presidente… se isso acontecesse eu fugiria a sete pés como se tivesse visto o
diabo em pessoa!
Num primeiro
momento a táctica de John Garfield deu resultado. Não o consideraram testemunha
hostil. Meses depois o caso mudaria de figura e o nome do célebre John
Garfield, o parceiro de Lana Turner no mítico filme O Carteiro Toca Sempre Duas Vezes, aparecia escritinho e escarrado
na lista negra. Ou antes, apareceria escritinho e escarrado na lista negra se
houvesse uma concreta lista negra. Que não havia, como já vimos antes. Que não
havia, havendo. Nada existe mais do que aquilo que não existe. Assim como a filiação
comunista de Garfield parece que não existia mesmo, de verdade; a que existia
era a da sua primeira mulher, Roberta Seidman. E Garfield, já afastado dos
grandes écrans, vai a enterrar em Nova York acompanhado por mais de dez mil
pessoas, a afluência a um funeral só ultrapassada pela do enterro de Rudolfo
Valentino.
Das cobras e
dos lagartos que Edward Dmytryk dissera, em 1947, da Comissão, pedia ele, em 1949
e 1951, muitas desculpas, desunhando-se a escrever cartas, pondo-se às ordens
para o que fosse preciso, isto é, para responder, em 1951, ao que não
respondera em 1947, para falar, em 1951, o que calara em 1947. Também ele
ultrajara o Congresso. Tambem ele experimentara as agruras do cárcere federal.
Mas quebrara psicologicamente. E queria esclarecer as coisas a respeito de
comunismo. Que fizessem o favor de o chamar. Estaria disposto a responder a
todas as perguntas, a fornecer todos os nomes. Estará mesmo disposto a
responder a todas as perguntas, senhor Dmytryk? – perguntava-lhe um tal Roy Brewer
numa conversa preliminar antes que lhe fosse concedida pela Comissão a segunda
oportunidade – a todas, senhor Brewer. Estará pronto a dizer-nos o que o levou
a aderir a uma organização subversiva? Oh, sim, estarei com certeza.
Novamente
sentado no banco das testemunhas, Edward Dmytryk vomitou os nomes dos
comunistas que conhecia (e talvez dos que não conhecia) e atraiu sobre si o
desprezo dos antigos camaradas. Que lhe importava? Limpava assim o seu nome da ominosa lista e reabilitava-se como artista de Hollywood.
25 de Abril de
1951.
- Então porque
se recusou a testemunhar amigavelmente perante esta Comissão em 47?
- A situação
mudou entretanto.
- Que quer
dizer com isso?
- Há uma grande
diferença entre o ano de 47 e este de…
- Uma grande
diferença?
- Claro que
sim, e mesmo em relação ao Partido Comunista. Em 47 ainda a guerra fria não se
manifestara por completo e eu acreditava que a Rússia estivesse sinceramente
interessada na paz mundial. E nem via o Partido Comunista como uma ameaça. Além
de me parecer que a Comissão que me intimou a testemunhar estivesse a invadir
um terreno que não lhe era permitido invadir, o da liberdade de pensamento.
- Então e
agora, o que lhe parece?
- Houve
importantes desenvolvimentos desde então. Ouvi entretanto dizer que em caso de
guerra os militantes comunistas
americanos se recusariam a combater pela sua pátria mas que estariam prontos a
pegar em armas pela Rússia soviética. A guerra da Coreia mostrou-me muitas
realidades, sabe, senhor presidente. É fácil de compreender que a Coreia do
Norte nunca teria invadido a Coreia do Sul se não contasse com apoios muito
poderosos… quero eu dizer, da China comunista e da Rússia comunista. Tudo isso
me perturbou. Tudo isso me fez compreender o que significa de facto a ameaça
comunista e a parte que o Partido Comunista Americano pode ter nessa ameaça.
A espionagem.
Outro tema que o perturbara. Uma série de casos de espionagem, com nomes que
hoje nada nos dizem, a não ser um, o de Klaus Fuchs, cientista alemão a
trabalhar na América, que entre 1945 e 1947 passara segredos nucleares para a
União Soviética. O que mais incomodava Dmytryk era o caso de haver espiões que
não eram vulgares mercenários, muito ao contrário, era gente que espiava por
motivações ideológicas, para o Partido, por amor do Partido e de uma potência
estrangeira…
- E isso para
mim… sim, vejo isso como traição…
A imprensa de
esquerda, e comunista, tinha elevado Dmytryk aos cornos da lua como artista
enquanto fora testemunha hostil e estivera preso, mas no momento em que Dmytryk
passava a testemunha amigável e denunciava o Partido, o Partido passava a
denegri-lo o mais que podia. Já se sabe como é na política, os piores inimigos
a abater para um qualquer partido são sempre
os ex-membros desse partido.
- O que
esta Comissão gostaria também de saber
era a razão por que o Partido Comunista se esforça tanto para se infiltrar em
Hollywood…
- Sobre isso,
compreenderá… nada posso dizer de concreto. Nunca tive acesso à direcção do
Partido. Na minha ideia haverá três fundamentais razões… obter dinheiro, porque
a comunidade de Hollywood é rica. Obter prestígio. Também. E, mais importante,
controlando os sindicatos poder
controlar o conteúdo dos filmes. E era uma oportunidade para organizar grandes
festas, jantares, reuniões sociais, onde se poderiam… não directamente para o
Partido, bem entendido… mas onde se poderiam recolher donativos consideráveis.
Quando a União Soviética e a América estavam alinhadas e de perfeito acordo,
então sim, muito dinheiro foi angariado em Hollywood para o Partido Comunista…
- O senhor
contribuiu?
- Não. Naquele
tempo eu ganhava pouco. 25 dólares por semana era o que me disponibilizava o
meu agente. Posso ter contribuído, digamos…com quê?, cinco, dez dólares…a minha
carreira era controlada pelo meu agente, e os agentes artísticos são
capitalistas, e eu não podia pedir-lhe que transferisse dinheiro para o Partido
Comunista. E ademais…uma coisa… havia associações que eram frentes comunistas,
as pessoas eram liberais mas eram efectivamente controladas por um ou dois
comunistas infiltrados. E essas organizações não se metem, evidentemente, em
actividades que possam parecer anti-democráticas… ou anti-patrióticas… e é
assim que eles atraem muita gente incauta. Por cada comunista que lá estivesse
estariam lá cem que não eram comunistas e ninguém se apercebia de que estava a ser
controlado por comunistas.
- Eram muito
ingénuos!
- Não! Não eram
parvos. Os comunistas é que são suficientemente espertos para dissimular muito
bem este género de operações.
- Mas o senhor
pertencia ao Sindicato dos Realizadores,correcto?
- Sim. Desde
1939.
- Quantos
realizadores estavam no sindicato?
- 225. Ou 230.
- E entre eles
havia quem o senhor sabia ser filiado no Partido Comunista…
- Pelo que eu
podia saber eram sete. Talvez seis…
- Pode dar-nos
os nomes desses?
- Frank Tuttle.
Herbert Bieberman. Jack Berry… aquele que mora em King’s Road e que organizava
reuniões na própria casa…
- E sabe de
quem possa ter abandonado o Partido?
- Não. Mas é
fácil pensar que muitos o tenham feito.
(E agora vai
uma insidiosa das minhas: porque não ter sido o próprio Partido a denunciá-los
indirectamente à Comissão quando eles desertaram, para os desacreditar
profissionalmente? Seria caso virgem? As vinganças em política são impiedosas.)
- Disse três…
- Bernard Vorhaus.
- Quatro…
- Jules Dassin.
E eu.
- E pode
dizer-nos o que sabe acerca das penetrações comunistas no Sindicato dos
Argumentistas?
- Não sei muito. Alguns eram meus amigos…
- Mas sabe
alguns nomes…
- Sei de John
Howard Lawson. E de Lester Cole, que era o chefe do grupo. Gordon Kahn…
- Mas como é
que o Partido infiltrava os sindicatos?
- Não
conseguiram o que queriam. É a minha opinião.
- E o que
queriam?
- Já o disse.
Controlar os conteúdos dos filmes. Sabiam muito bem a importância de um meio de
comunicação tão poderoso para usar na propaganda, como instrumento doutrinário.
Lenine tinha dito que o cinema iria ser o mais importante dos meios de
propaganda…
- O senhor
falou de John Howard Lawson…
- Era o Dalai
Lama do Partido Comunista nessa época.
- Porquê?
- Era ele que
arbitrava todas as questões, tomava as decisões. E Adrian Scott. E Albert
Maltz, o mais liberal do grupo. Mas tenho quase a certeza que neste momento o
Partido Comunista não conta para nada em Hollywood…
É muito longo o
testemunho de Edward Dmytryk, e muito pormenorizado. Perguntaram-lhe pelo
fascínio que o Partido Comunista exercia, nomeadamente sobre os escritores
cinematográficos, e a resposta até foi um tanto didáctica. Os escritores, ou
argumentistas, são a base do trabalho no cinema, e para compreenderem as
pessoas (que transformarão em personagens de ficção) os argumentistas têm que
estudar a sociedade em que vivem e em que condições económicas vivem. Dmytryk
pensava que quem se torna escritor seja alguém com sentimentos humanitários,
idealistas e e altruístas muito vivos. Por ser assim é que os escritores
entravam em contacto com os comunistas mais do que o normal das pessoas. E o
Partido Comunista montava muitas armadilhas e elas funcionavam em geral
bastante bem.
- Em Hollywood,
se se pergunta a uma pessoa como e porquê teve sucesso, ela não dirá que foi
devido à sua personalidade e porque trabalhou muito para ter sucesso. Ela dirá
que foi por um golpe de sorte, e que se limitou a aproveitar uma ocasião
favorável que a sorte lhe apresentou. E é claro que o trabalho e a
personalidade contam muito, mas a sorte, o golpe de sorte, também. Quando eu
era um anónimo projeccionista, o chefe de montagem da RKO propôs-me, a mim e a
outro velho projeccionista, uma oportunidade de fazer montagem, de me tornar
montador. O meu velho colega não quis. Eu quis. E ele hoje continua a ser um
obscuro projeccionista e eu ganho um alto salário. A oportunidade é isto. O
golpe. A sorte. E sabem os senhores uma coisa? O Partido tem uma explicação
para tudo. Se alguém disser que no Partido, ou no comunismo, não há liberdade,
respondem-lhe que sim, que há a liberdade de dizer a verdade. O que se passa é
que o comunismo descobriu a verdade última de todas as coisas e é essa e só
essa a verdade que há a dizer. Porque cada coisa que fique fora da linha
ideológica e programática do Partido… é mentira. Tudo o que venha do lado do
capitalismo é uma óbvia mentira, porque vem de um sistema que consideram uma mentira já na sua
raiz. Seja o que for que aconteça na União Soviética é necessária para atingir
um objectivo mais elevado. Inclusive o Pacto Germano-Soviético…
- E como
explicam o trabalho escravo na Rússia?
- Negam-no. É
mentira. É a imprensa capitalista que mente.
- Quando e´que
entrou para o Partido, senhor Dmytryk?
- Em 1944.
- E quando
saiu?
- Em…no outono
de 45. Mas estive ainda ligado ao People’s Education Center, controlado pelo
Partido, até 1947. Eu era um dos Dez de Hollywood, é bom não esquecer. E por
ser isso decidi não cortar de todo com eles e correr os riscos até ao fim, até
que o processo fosse julgado no Supremo Tribunal. Queria saber se tínhamos ou
não razão, e se tínhamos mesmo que ir presos. Podia ter dito que tinha sido
membro do Partido, mas não quis fazê-lo antes de cumprir pena de prisão. Ainda
assim, fiz uma declaração nesse sentido enquanto estive preso. E porque a
guerra da Coreia, como disse, me perturbou muito.
- O seu
testemunho foi ditado exclusivamente pela sua consciência, senhor Dmytryk?
-
Exclusivamente pela minha consciência, senhor presidente.
- Muito bem.
Creio que o senhor, hoje, deu um grande contributo para a luta mundial contra o
comunismo.
- Muito
obrigado, senhor presidente.
O dia seguinte
do pobre Edward Dmytryk foi um inferno. A começar pelo desdém directa ou
indirectamente manifestado pelos Dez de Hollywood (ou seja, pelos Nove de
Hollywood, depois da defecção de Dmytryk), seus ex-colegas de prisão. E jornais
e revistas, o New York Daily Worker a
dizer que o realizador Edward Dmytryk, ex-membro do grupo dos Dez de Hollywood,
se transformara num informador do FBI, que era um homem de mão do grande
capital, e agora também era unha com carne com o seu arqui-inimigo, o actor
Adolphe Menjou, e como ele caçador de bruxas. A isto Dmytryk repontou que nunca
na vida tinha falado com alguém do FBI, que trabalhar num filme com Menjou era
diferente de ser unha com carne com Menjou, além de que não esperava quaisquer
favores vindos do lado do grande capital. Menjou também levou dos seus amigos
anti-comunistas por ter ajudado um comunista como Dmytryk (entrara num filme
dirigido por ele, The Sniper), apesar de
arrependido. “Então Adolphe, meu velho, como é isso de trabalhares com um
ex-comunista?” E resposta pronta de Menjou: “é porque sou uma grande puta”.
E
se Dmytryk reentrava pela porta grande de Hollywood era caso raro, ou mesmo
único, entre os Dez, quando os nove que sobraram, depois de cumprido o seu ano
de prisão, mantiveram a folha manchada e ninguém (pelo menos nos primeiros
tempos e às claras) lhe deu trabalho.
Dmytryk
vem a realizar The Caine Mutiny e The Young Lions, os mais conhecidos dos
seus filmes daquela época (Os Revoltados do Caine e Os Jovens Leões), filmes que ele sublinhou
serem comerciais como mandava a lei, e sem nada que ver com experimentalismos
ou preocupações sociais - deliberadas, pelo menos.
Houve
gente a dizer que depois desta vaga anti-comunista, dos impedimentos de alguns dos
melhores e da elaboração da lista negra as capacidades criativas da indústria
americana do cinema andavam pelas
ruas da amargura.
Ronald
Reagan voltava à carga. Julho de 51. Amadurecera. E, maduro, endurecera as
posições políticas e a sanha anti-c0munista, relativamente ao depoimento feito
em 1947.
-
Ah, senhores, no passado deixei-me levar de forma desprevenida por pessoas e
actividades que se revelaram conotadas com células comunistas. E comecei a
pouco e pouco a repensar certas coisas com maior discernimento e até com algum
desencanto. Despertei, senhor presidente. Pois foi. Despertei, se me é
permitido dizer assim. Abri os olhos à regeneração do mundo.
E
nesse pé ficou Reagan até aos anos 80, em que acabou por ser um vencedor, é
preciso dizê-lo, e vencedor pelo papel determinante que foi o dele para a
fragorosa queda da URSS.
E quem está a seguir na cadeira para ser
interrogado pela Comissão? Uma das mais importantes personalidades
hollywoodescas da época, Elia Kazan, provavelmente o mais mundialmente
celebrizado dos delatores do cinema.
Kazan
não experimentara a prisão, embora numa primeira audiência, Janeiro de 52, à
porta fechada, se tenha recusado firmemente a fornecer nomes. Mas nem por isso
foi acusado de ultraje fosse a quem fosse. Admitiu, sim senhor, ter estado no
Partido entre 1934 e 1936. Só isso. Nada de nomes. Mesmo assim, podia ter caído
na culpa de vilipêndio. Não caiu. Mas posteriormente a lista negra esvoaçou-lhe
em volta da cabeça, a ele, o mais célebre e genial dos directores, e então sim,
não precisou de ser intimado a aparecer e apresentou-se voluntariamente. Em
Abril desse mesmo ano de 1952. Alguém
lhe segredara que tivesse juizinho, que tirasse
da cabeça a triste ilusão de poder fazer mais algum filme em Hollywood
se não se chegasse à frente, quer dizer, ao banco da testemunhas, e não
cantasse os nomes dos seus antigos compinchas do Partido.
-
Como disse?
-
Sim, cheguei à conclusão de que errei.
-
Errou?
-
Errei por não ter fornecido os nomes que a Comissão me solicitou.
-
E desta vez?
- Bem…
- E porque mudou de
ideias?
- Pensei que o segredo
é útil aos comunistas. O secretismo é mesmo tudo o que desejam antes de mais.
Mas o povo americano tem o direito de saber, de ter conhecimento dos factos,
todos os factos, e sobre todos os aspectos do comunismo, e depois que se tomem
as providências devidas, as providências eficazes.
- O senhor Kazan, está
portanto na disposição…
- É o meu dever de
cidadão dizer tudo o que sei.
E disse. Os nomes de
oito comunistas do Group Theatre a que pertencera nos anos 30, artistas e trabalhadores
do teatro. E disse que nos filmes que fizera nunca tivera a mínima intenção de
fazer crítica social ou oferecer histórias de que se pudesse fazer uma segunda
leitura.
Os comissários
agradeceram-lhe muito e mandaram-no em paz. E Kazan nem esperava pelo assentar
das poeiras e nesse mesmo ano começava a filmar o seu ajuste de contas com a
ideologia e a praxis comunistas, num filme que, como hoje se diz, se tornou
icónico de uma época, de um conflito, de uma questão de moral, On the Waterfront (ou, em português, Há Lodo no Cais), e no qual o herói, o
rapaz, o bom da fita, é o informador, o bufo. E logo no dia seguinte ao
testemunho Kazan envia para o New York
Times um longo texto a justificar a sua atitude.
(…) Se há alguma histeria em volta desta questão – e há,
especialmente em Hollywood – ela é alimentada pelo mistério, pela suspeita e
pelo secretismo. Mas os factos concretos podem esfriar essa histeria. (…) Há
dezassete anos eu era um jovem director de cena de 24 anos que fazia umas
figurações como actor e ganhava 40 dólares por semana quando trabalhava.
Naquele tempo sentiamo-nos ameaçados por duas coisas: a depressão económica e o
crescente poder de Hitler. E fiquei muito impressionado pelo filme Modern Times (Os
Tempos Modernos - Chaplin) que representava
muito bem a técnica de recrutamento e propaganda dos comunistas. Havia soluções
para a crise, eles tinham-nas, tanto para a
grande depressão económica quanto para o nazismo e o fascismo.
E a seguir (o texto é
interessante mas demasiado grande):
(…) Ser membro de um partido comunista significava ter gosto em
viver num Estado policial. Mas pode-se deixar o Partido. E eu deixei-o. Na
primavera de 36. E perguntar-me-ão porque não contei tudo isto há mais tempo.
Porque me preocupei com a reputação e com o posto de trabalho de pessoas que,
como eu, tivessem deixado o Partido há muitos anos. E pensei para comigo que
podia odiar os comunistas mas que não devia atacá-los, ou denunciá-los, porque
se o fizesse estaria a atacar os direitos de se terem opiniões impopulares e
ficava ideologicamente inscrito no número daqueles que atacavam as liberdades
cívicas.
Até ao dia de hoje a
acrimónia contra Elia Kazan (aliás um realizador de facto, e na minha opinião, realmente genial) permanece viva. E a Academia de Hollywood foi altamente criticada
quando, há anos, resolveu entregar-lhe um Óscar como prémio de carreira.
Kazan era a
personalidade mais famosa e mais rica de todos os suspeitos que estavam debaixo
do olho da Comissão para as Actividades Anti-Americanas. Kazan era o único que
pelo prestígio alcançado podia ter desafiado a Comissão e posto em causa a
instituição da lista negra. Mas também conviria dizer que Kazan se aguentara em
silêncio por quatro anos, só concordando em depor em 1952, e por entender que a
sua recusa em depor passaria a ser suspeita passado tanto tempo. Mas também já
lá disse na altura Orson Welles: as
testemunhas amigáveis e os denunciantes falam
para defender as suas piscinas.
Kazan nunca deu
entrevistas (que eu saiba) a respeito daquele tempo da sua vida e daqueles
problemas. Uma vez escreveu, ou disse, não sei bem, agi pelo melhor, ou por aquilo que as minhas convicções me fizeram crer
que era melhor.
A seguir foi chamado a
depor um dos denunciados por Kazan, um ex-membro daquele Group Theatre a que
Kazan pertencera nos anos 30, um fulano chamado Tony Kraber.
-
E então faça favor de nos dizer, senhor Kraber… conhece o senhor Elia Kazan?
-
Como? Não percebi, desculpe.
-
Pergunto-lhe se conhece Elia Kazan…
-
Kazan… ah… quem? Aquele Kazan que assinou um contrato de 500.000 dólares logo
no dia a seguir a ter denunciado colegas diante desta Comissão?
(A
tal história das piscinas…)
Lillian
Hellman, por seu turno, era uma rapariga liberal, burguesa, de boas famílias,
considerada mulher de classe e, dramaturga com êxito, um paradigma da
intelectual, ainda que militasse contra ela, no plano politico, o facto de
viver das portas para dentro com um notório e perigoso comunista, qual era o
escritor Dashiell Hammett – autor de O
Falcão de Malta, O Homem Transparente, A Colheita Sangrenta, etc.. Quando à
Hellman tocou a vez de lá ir a juízo já muitos dos seus mais próximos tinham
passado pela experiência de abjurar dos velhos idealismos e das éticas
ultrapassadas e tinham apontado outros a dedo, incluindo o seu particular amigo
Elia Kazan. Os que não tinham feito nada disso tinham pago com a prisão a sua
ousadia e a sua inteireza moral, e entre esses estava o próprio companheiro da
sua vida, Hammett, preso numa penitenciária da Virginia por ser comunista e a
quem fora destribuída a tarefa de limpar as retretes.
Mas Lillian Hellman nunca
tinha pertencido ao Partido Comunista nem nada que se parecesse – ou talvez
alguma coisa que se parecesse, veremos. O não pertencer ao Partido não
contendia de modo nenhum com a sua qualidade de inimiga jurada daquela
Comissão.
Lillian Hellman vai a
um advogado. O advogado acha que está na hora de tomar uma posição moral
perante a Comissão do Congresso e invocar a Quinta Emenda. A tal coisa:
testemunharei sobre mim própria e sobre a minha própria vida, mas não direi uma
palavra acerca de terceiros, sejam eles amigos ou inimigos, conhecidos ou
estranhos. E porque não escrever-lhes primeiro uma carta? Tentemos. E a carta
foi escrita. Dirigida ao então presidente da Comissão, John S. Wood. No dia 19
de Maio de 1952. A dizer precisamente, e em substância, o que ficou escrito
atrás, e a expor os dilemas constitucionais daí decorrentes.
O meu advogado diz-me que
se respondo às perguntas que me tocam pessoalmente também deverei responder às
que respeitem a outras pessoas, e que se me recuso a responder serei acusada de
vilipêndio. E o meu advogado diz ainda mais, diz que se respondo às perguntas
sobre mim própria estarei automaticamente a renunciar aos direitos que me são
facultados pela Quinta Emenda e que por conseguinte estarei obrigada a
responder a perguntas sobre outras pessoas. Compreenda que para um profano isto
são matérias muito difíceis de compreender.
E em suma, se a Comissão
não lhe assegurasse que podia responder só ao que pessoalmente lhe tocava sem
falar de outras pessoas, sentir-se-ia coagida a apelar mesmo à Quinta Emenda.
A resposta do
presidente da Comissão pouco adiantou e nada garantiu à senhora Hellman. Queira considerar, Senhora Hellman, que esta
Comissão não pode permitir às testemunhas que sejam elas a estabelecer as
regras e as condições sob as quais serão chamadas a depor.
E a mais famosa escritora da América lá está vestidinha
e calçada e sentadinha no banco das testemunhas logo pela fresquinha do dia 21
de Maio de 1952.
Frequentou muito pouco
Hollywood. Quatro ou cinco meses em 1936. O argumento para um filme de William
Wyler? Sim. Nada de especial a
dizer.
- Mas durante a
estadia em Hollywood certamente conheceu Martin Berkeley.
E
pronto, estava o caldo entornado…
-
Recuso responder a uma pergunta que me poderá incriminar…
O
diabo é que o tal Martin Berkeley já tinha dito à Comissão… “nesse encontro
estavam Donald Ogden Stewart, Dorothy Parker e o marido, Allen Campbell… estava
o meu velho amigo Dashiell Hammett, neste momento preso… e estava aquela
excelente escritora de teatro, Lillian Hellman…”.
-
Pois é, gostaria imenso de discutir esse assunto consigo, senhor presidente –
responde a Hellman quando o outro acaba de lhe ler o depoimento do Berkeley -,
mas nesse ponto peço-lhe o favor de se reportar à carta que escrevi a esta
Comissão.
Cópias
dessa carta haviam entretanto chegado às redacções dos grandes jornais e
estavam a ser publicadas. Quem distribuíra essas cópias? – é o que pergunta com
severidade o presidente. O advogado da Hellman chega-se à frente e assume as
culpas. Nunca pensara que o seu gesto fosse considerado despropositado. O caso
é que era a primeira vez que a imprensa tinha acesso a uma declaração que
fixava nos seus precisos termos o tipo de perguntas e respostas em uso naquelas
audiências.
Cópias
da carta de Lillian Hellman estavam agora a ser passadas de mão em mão pelos
membros da Comissão e pelos jornalistas que cobriam a sessão. Ouve-se uma voz:
-
Graças a Deus que finalmente alguém teve coragem de escrever isto!
O
presidente John S. Wood vai aos arames. Grita por silêncio. Vozeia que não seriam
admitidos comentários. Ameaça: se ouvisse mais nem que fosse o zumbido de uma
mosca mandaria a imprensa evacuar a sala. E a mesma descarada voz grita:
-
Então mande!
(Não
sei se mandou.)
-
Conheceu o senhor J. Jerome?
-
Recuso responder pelos mesmos motivos que anteriormente recusei…
-
Conheceu John Howard Lawson?
-
Recuso responder pelos mesmos motivos…
-
É, presentemente, membro do Partido Comunista?
-
Não.
-
Alguma vez esteve filiada no Partido Comunista?
-
Recuso responder pelos mesmos motivos…
-
A senhora diz apenas que não está inscrita no Partido Comunista neste momento…
o que eu gostaria de saber é se pode estabelecer uma data, uma época do
passado…
-
Recuso responder pelos mesmos motivos…
-
E ontem, era membro do Partido Comunista?
-
Não.
-
No ano passado…
-
Não.
-
Há cinco anos…
-
Recuso responder pelos mesmos motivos…
-
Há dois anos…
-
Não.
-
Era membro do Partido em meados de Julho de 1937?
-
Recuso responder pelos mesmos motivos…
Mas
é claro que Lillian Hellman podia ter dito a verdade. E a verdade é que nunca
fora militante do Partido Comunista. Porém, por uma questão de moral,
evidentemente, e pela força das suas convicções liberais, preferiu ser fiel aos
próprios princípios.
-
E agora diga-nos, senhora Hellmam… recusa-se a responder a esta Comissão com base
no privilégio constitucional, e em particular no que se refere à Quinta Emenda?
-
Sim, senhor presidente.
E a audiência era dada como terminada.
O
New York Times publicou um editorial
sobre a audiência de Lillian Hellman festejando-lhe a coragem e a classe. Uma
coragem e uma classe que lhe trouxeram dramáticas consequências e não lhe
evitaram o nome cravado a fogo na lista negra; não evitaram que se sujeitasse
(a maior escritora teatral da América) a ter de vender tudo o que tinha de seu,
incluindo uma propriedade de família, e a ir trabalhar como caixeira para uns
armazéns.
A
exemplar e perfeita democracia liberal tem destas coisas, pff, nada de
especial, nem polícia política, nem torturas, nem censura, ou se diz o que é
conveniente e correcto para o sistema, ou se vende tudo quanto se tem e se é
obrigado a aceitar, se for caso disso, os trabalhos mais humilhantes.
E ainda a propósito de
piscinas. A verdadeira razão que levou muitos famosos a dobrar a cerviz perante
a Comissão, a nem sequer se defenderem invocando a Quinta Emenda, e a denunciar
velhos amigos, foi uma razão meramente de tipo económico-financeiro. E foram os
mais famosos e ricos, Kazan, Clifford Odets, José Ferrer, Budd Schulberg e
outros, nessa altura no ápice das suas carreiras, a ter medo do poder que a
Comissão tinha de lhes arruinar para sempre a vidinha e assim lhes secar as
piscinas. Porque, por outro lado, entre as 48 novas testemunhas que se
declararam hostis não havia um único famoso, era tudo personalidades de segundo
e terceiro plano na indústria, os que arriscavam menos em fama e dinheiro.
-
Em 1935 trabalhava eu como pintor, como artista. Só me tornei actor cómico
em 1942. Desde então trabalhei sempre no
mundo do espectáculo – declarou Zero Mostel no dia 14 de Outubro de 1955,
quando, a partir de 1953, as atenções da Comissão se haviam concentrado na
rádio, no teatro e na televisão.
-
De 35 a 42, então, o senhor era artista…
-
Intitulava-me como tal. Se calhar era o único…
-
Estava na Califórnia em 42?
-
Oh, sim, e fiz diversos filmes. Trabalhei para a Columbia, para a Warner, e
assinei um contrato com a 20th Century Fox…ou era a 18th Century Fox…
Cuidadinho,
Zero Mostel, deixa-te de ironias finas, estás a gozar com o facto de a Fox, a
20th Century Fox, ser das majors a
mais conservadora a tratar com a questão dos Dez de Hollywood…
-
O senhor também é conhecido como Zero. Certo?
-
Certíssimo. E isso deve-se à minha permanente situação financeira…
-
Quando trabalhou para aquela casa… Café Society, ou coisa parecida… sabia, claro, que Ivan Black era
militante do Partido Comunista…
Zero
Mostel pediu permissão para conferenciar com o seu advogado.
-
Temos aqui um problema – disse, dois minutos depois. – É que estou muito
indeciso em como responder a certas perguntas que afinal pretendem saber
opiniões pessoais, Há assuntos, e pessoas, que não são questões muito claras
para mim… por isso agradecia muito que me fizessem perguntas que não me obrigassem
a falar de outras pessoas.
-
Essa sua resposta não nos satisfaz. Pedia-lhe que respondesse à pergunta que
lhe fizemos…
-
Nesse caso recuso. Não respondo. E recuso com base nos meus direitos
constitucionais… por força da Quinta Emenda…
-
Conhece um tal Martin Berkeley?
-
Cá está. Devo recusar a resposta com base naquilo que acabei de dizer…
-
O senhor era membro do Partido Comunista em 1942?
-
Recuso responder nos mesmos pressupostos. Meus senhores, há liberdades e
direitos constitucionais que neste país são garantidos a todos…
-
E os quais esta Comissão não discute.
-
Espero bem que não…
-
Mas, senhor Mostel, esta Comissão reuniu provas do auxílio oferecido por muitas
pessoas do espectáculo ao Partido Comunista, intervindo em espectáculos patrocinados
pelo Partido, emprestando a própria fama a encontros e festas que se destinavam
a financiar o Partido…
-
Sim, sim, sem dúvida, e festas organizadas a favor da luta contra o cancro, também…
contra as doenças cardíacas, contra os excessos de frio, etc., etc….
-
Sim, mas temos o testemunho de George Hall, por exemplo, a informar-nos de que
a sua missão em Nova York era fazer espectáculos a favor do Partido Comunista…
-
O que é um conceito bem diferente da acusação que diz que a única finalidade
dos comunistas é a de derrubar o governo…
-
Participou num programa da Juventude Americana… Youth Rally…e entre os nomes
dos artistas cá temos…Zero Mostel – o comissário agita uma folha de jornal que
passa à testemunha.
-
Não me recordo, mas deixe ver… esta organização não está na lista dos grupos
subversivos?
-
Está.
-
Então recuso responder… mas um momento… leio que neste anúncio do comité
anti-fascista não estou só eu… aparecem aqui grandes nomes do showbizz… Jimmy Durante, Milton Berle…
Claro
que esses artistas eram dos que aplaudiam o trabalho anti-comunista da
Comissão, artistas que nada tinham sido prejudicados ou incomodados, ainda que
tivessem participado em espectáculos ditos subversivos.
Como
Lillian Hellman, Zero Mostel insistiu em se reclamar da Quinta Emenda, fez
isto, aquilo e aqueloutro?, recuso responder, conheceu A, B, ou C?, recuso
responder, era membro do Partido em 1948?, recuso responder…
-
Era membro do Partido Comunista quando aqui entrou esta manhã?
-
Não.
-
Senhor Mostel, o senhor é um grande homem do espectáculo…
-
Às vezes…
-
Porque não se liberta dessas recordações culposas e de ter alinhado tantas
vezes com subversivos…
-
Peço muita desculpa, meus senhores, mas eu acredito na ideia antiquada de que
um homem deve ser avaliado pelo seu trabalho e pelo seu talento profissional e
não pelas opiniões políticas que tenha ou não tenha. E eu não tenho muito
fortes convicções políticas, mas das que tenho não falaria delas a ninguém, a
menos que fosse um bom amigo e estivéssemos lá em minha casa à conversa e a
petiscar qualquer coisa…
-
Não lhe estamos a pedir…
-
E tenha cuidado, senhor presidente, eu faço um detestável café solúvel… estou a
avisá-lo…
A
História do macarthismo registou o que se chamou de “defesa da borboleta” feito
por Zero Mostel na audiência. Acusavam-no de ter participado em manifestações
junto com outros nomes de intelectuais e artistas subversivos, e, no entender
da Comissão, se participou foi porque acalentava ideias comunistas…
-
E se eu tivesse aparecido nessas manifestações e tivesse imitado uma borboleta?
Uma borboleta já cansada de tanto voar que resolve descansar por uns minutos?
Oh, meus caros senhores, não creio que seja crime fazer rir as pessoas. E nem
me incomoda que os senhores se riam de mim…
-
Mas se a sua imitação da borboleta que descansa levou dinheiro aos cofres do
Partido Comunista, o senhor contribuiu para a propaganda desse partido…
-
E suponhamos que eu imite uma borboleta que resolva descansar onde calha, onde
lhe der na cabeça?
-
Pois faça-a descansar onde ela quiser, mas, por favor, não em nenhum sítio que
permita fazer entrar dinheiro nos cofres do Partido Comunista. Da próxima ponha
a borboleta a descansar em qualquer outro sítio. Mas, muito bem, a testemunha
está dispensada. Obrigado, senhor Mostel. E lembre-se daquilo que eu lhe disse…
Nem
é preciso dizer que Zero Mostel foi parar à lista negra.
Fechava-se
uma outra fase de audiências. E bem dissera o presidente Eisenhower quando os procedimentos da Comissão suscitaram críticas. O insuspeito e
republicaníssimo presidente Eisenhower afrontou McCarthy, é certo, mas só o fez
quando a carreira e o poder do senador se aproximavam do fim. De qualquer modo,
foi ousada a intervenção do presidente da República ao dizer: Se os processos utilizados contra os
comunistas são os mesmos que são imputados aos comunistas, a nação começará a
não saber quem são efectivamente os comunistas.
O actor Lionel Stander apresentou-se de
cabeça baixa perante a Comissão no dia 6 de Maio de 1953, e teve o desplante
de, cabeça baixa, olhos no chão, acusar a própria Comissão: eram eles os
verdadeiros subversivos da vida americana. Quinze anos de lista negra ninguém
lhe tirou.
CONTINUA
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