WAGNER, O ANTI-SEMITA
Não, não me esqueci do Wagner. Como não me esqueci do Verdi.
Mas agora por falar em anti-semitismo…é
universalmente sabido que o homem Wagner não era flor que se cheirasse. Sabe-se
que isto custa a engolir a muita gente romântica que entende o génio como um
qualidade total de personalidade. Mas não se trata de má língua. Não era mesmo.
Pois não, flor que se cheirasse, não. As
sublimidades que a personalidade artística dele ofereceram ao mundo não acharam
em tempo nenhum correspondência no homem privado, segundo os cânones da moral
comum e romântica da convivência, bem entendido.
O homem era de antipatias persistentes e de
embirrações e de ódios, e uma das mais aceradas dessas antipatias (ou mesmo
desses ódios) votava-a ele aos judeus. E até escreveu um pequeno ensaio sobre a
matéria, e versando mais aquilo que respeitava à profissão dele, à música, O Judaísmo em Música, que se publicou em
Leipzig dividido em duas partes (Leipziger
Musikzeitung), a 3 e 6 de Setembro de 1850, assinado por K. Freidedank,
pouco tempo depois da estreia de Lohengrin
(dirigido por Lizst), estreia a que, por interessante acaso, assistiu
Meyerbeer, um dos compositores que ele mais castigou pela pena por ser judeu. E
o ensaio deu celeuma, pois claro, e por causa dele o editor da publicação foi
obrigado a demitir-se da Sociedade dos Professores de Música do Conservatório
de Leipzig.
É que se falava por
esse tempo de um certo gosto artístico exótico, hebreu, e tal coisa irritava
Wagner, desencadeava-lhe os mecanismos psíquicos de defesa – e por consequência
de ataque. La´entendia que uma inconsciente impressão se manifestava desde
sempre no público contra o espírito judeu e que essa vaga impressão era de
repulsa. Era essa a realidade que ele lia no alemão médio – e possivelmente com
razão – e portanto conviria não conceder uma vida e uma valia artificiais a
alguma coisa de irreal que na verdade não passava do produto da imaginação de
alguns. Gosto artístico judeu? Que diabo significaria isso?
Tinha-se lutado,
sim, pela emancipação dos judeus, e nessa altura tinha-se combatido por um
princípio abstracto. Mais isso do que por um objectivo concreto. Defendeu-se um
povo sem o conhecer. Ou mais: evitando até algum contacto físico com ele. A
igualdade que se reclamava para os
judeus era uma exaltação pontual. Não era a bem dizer uma simpatia real e
sincera. Discursava-se e escrevia-se a favor dos judeus e continuava-se a
experimentar por eles, no contacto pessoal e na vida prática, uma involuntária
repulsa.
Tivemos que lamentar que o Sr.
Rotschild fosse demasiado inteligente para se tornar o rei dos judeus, tendo
preferido , como se sabe, assumir-se como o judeu dos reis.
Diz Wagner que os alemães estavam a criar-se ilusões quanto à
questão judaica ao declararem ilícito, e até imoral, o facto de poderem dar
livre curso a uma aversão natural ao elemento
israelita. Seria com certeza melhor que os alemães examinassem a frio o
objecto dessa sua suposta (e súbita) simpatia étnica.
A crer em Wagner, o
judeu estaria já mais do que emancipado
naquela época (1850). O judeu prevaleceria enquanto o dinheiro fosse a potência
reguladora das actividades nacionais e a finalidade de todos os esforços. E um
dos males nacionais era ter-se entregue até a vocação artística natural do
público alemão nas mãos (industriosas)
dos judeus.O tributo que no antigamente o servo pagava, entre miséria e
torturas, aos senhores do mundo romano e da Idade Média transformou-o naqueles
tempos o judeu em dinheiro.
Não faltavam provas de que a arte moderna
se havia judaizado. E a máxima urgência ia para a emancipação do povo alemão da
opressão judaica, reunindo forças para a sua luta de libertação de tal jugo.
O
Judeu, como se sabe, tem um deus muito particular; e o judeu surpreende-nos
antes de mais, na vida comum, pelo aspecto exterior; seja qual for a nossa
nacionalidade, o judeu acrescenta alguma coisa de desagradável e estranho a
essa nacionalidade. E, sem
querer, o alemão desejava não ter nada em comum com um homem que se
apresentasse com uma aparência judaica – e diria eu que talvez em 1850 se
pudesse reconhecer um judeu à légua (é o que Wagner dá a entender), o nariz
adunco, o cabelo crêspo, a baixa estatura, a pele, os olhos escuros e
brilhantes, não sei, a roupa, também não sei, pode ser que se passeassem com
barbáricos enfeites orientalizantes no vestuário pelos jardins de Leipzig,
pelas ruas de Berlim ou de Munique, entre elegantes arianos altos, loiros e de
olhos azuis, e tudo isso, hoje, século XXI, não nos faz sentido algum e nos
parece absurdo, porque conhecemos elegantes israelitas que vestem bem, que são
altos, loiros e têm olhos azuis…
Mas essas diferenças notórias de aparência
pareciam não ralar muito, ou absolutamente nada, os próprios judeus - e segundo
Wagner muito pelo contrário, eles fariam gala nisso, e ostentavam essa
aparência exótica como distintivo de superioridade sobre o alemão normal.
O judeu falava a língua do país onde vivia,
certo, do país em que tivessem vivido as várias gerações que o precederam.
Certo. Mas se o judeu falava a língua do país onde vivia, não seria menos
verdade que, a despeito de todas as gerações anteriores, falava sempre essa
língua como a falaria um estrangeiro.
Esse caso de o judeu só falar as línguas
europeias modernas como línguas aprendidas e não como se falasse uma língua
materna, roubar-lhe-ia a faculdade de se exprimir artisticamente com originalidade e personalidade em qualquer
dessas línguas aprendidas. Porque uma língua,
como uma dada capacidade de expressão, não é obra de indivíduos isolados,
senão de uma comunidade histórica, e só quem cresceu no seio dessa comunidade
poderá tomar parte nas criações dela. Mas o judeu manter-se-ia sempre do lado
de fora da comunidade em que vivesse, sempre ligado à sua própria comunidade
rácica de costumes e ideias, sempre devoto do seu Jehová, elemento de uma tríbu
que de dispersou e que por isso, por assim dizer, se desarreigou, donde, a sua
língua natural, o hebraico ter ganhado entretanto o estatuto de língua morta.
Toda a civilização alemã, ou europeia, ou
cristã, como toda a arte delas resultante, era para o judeu estranha,
estrangeira. Aquele que não tinha pátria seria sempre o espectador frio (ou
hostil) dos feitos culturais e artísticos de outros, e porque no
desenvolvimento desses feitos não participara. E ao participar, se
participasse, na língua, na arte e na cultura europeias, o judeu não teria
outra hipótese senão a de imitar, repetir, incapaz de criar como artista ou de
exprimir como poeta.
O que ficou dito atrás seria de suma
importância para Wagner como explicação da estranheza que causariam ao alemão
as obras musicais dos judeus (então) modernos. Quando ouvimos falar um judeu, a ausência de toda a expressão puramente
humana do discurso faz-nos pensar que a fria monotonia daquele linguajar nunca
se elevará aos mais altos e animados patamares da paixão.
O judeu nunca se animaria no intercâmbio
das impressões pessoais com um alemão. Se o conseguisse era porque nesse
intercâmbio comparecia o seu interesse egoísta e a sua vaidade; e tal animação
estribada em tais motivações, e ferida do seu sotaque caricatural, produz no
alemão um efeito de ridículo e não procede de forma a despertar a mínima
simpatia.
E se pela linguagem falada ao judeu estaria
vedada a expressão de altos sentimentos e ideias, por maioria de razão lhe
estaria vedada a expressão sublime por meio da palavra cantada. O canto é o
discurso transportado ao mais alto grau da paixão, e a música é a linguagem da
paixão – segundo Wagner. Se ao judeu calhasse pretender elevar o tom do
discurso à palavra cantada nunca conseguiria emocionar um bom alemão e o seu
canto poderia atingir as raias do insuportável – não sei o que sucedia naquele
tempo de 1850, mas hoje seguramente Wagner não se atreveria a dizer tal coisa,
tantos são os judeus que no canto lírico atingiram esses tão altos patamares de
expressão e sentimento, inclusive na própria música de Wagner; ou talvez tenha
sido o ariano gosto a judaizar-se, e a tal ponto que ao cantar-se o Parsifal ou oTristão não damos pela
diferença entre um tenor judeu e outro ariano.
O judeu
é incapaz de se nos revelar artisticamente. Por causa da sua aparência e por
causa da sua linguagem. E com mais razão por causa do seu canto, apesar de ele
ter logrado impor-se ao gosto popular… pois, cá está, deve ser
isso, a impotência artística dos judeus afinal de contas era de tal maneira
efectiva, e mesmo poderosa, que já em 1850 se impusera a gosto germânico
tradicional.
E a questão do dinheiro. Oh, para o ariano
renitente e racista Richard Wagner a questão do dinheiro falava tão alto que o
fazia parecer judeu. Digo eu.
Mas o que ele diz é que a partir do momento
em que a evolução social do seu povo germânico conferiu abertamente ao dinheiro
uma importância excessiva na vida, acrescentando poder a quem o tem de seu, e
até nobreza em muitos casos, tornou-se impossível negar aos judeus – que só
conheciam o ofício único de ganhar dinheiro sem trabalhar, à custa da usura e
da exploração – um título de nobreza na sociedade moderna (de 1850, repita-se)
cada vez mais ávida de dinheiro – e repare-se na actualidade desta conclusão de
1850, isso, de uma sociedade moderna crescentemente ávara e ávida de dinheiro.
E por ser assim, e por essa avidez, a sociedade germânica moderna de 1850 começava
a olhar o judeu com outros e mais positivos olhos, e só por ser o judeu quem
lhe proporcionava mais dinheiro para ganhar.
A cultura moderna de 1850, diz mestre
Wagner, era apenas acessível ao homem de teres e haveres. E a esse homem de
dinheiros, consumidor de cultura, nada era proibido, mesmo em arte, desde que
pudesse ser convertido em artigo comercial de luxo. O que dá no surgimento de
uma nova categoria social relevante, a do judeu culto, em discrepância
flagrante com a anterior consideração do judeu como tipo grosseiro e ignorante.
E o judeu culto estabelecera para si a
tarefa mais ingente (e urgente) qual era a de tratar de se desfazer dos signos
característicos da judiaria, ou do vestígio dos mais baixos expoentes da sua
raça, e lavar-se de todo o lastro da sua orígem étnica, incluindo na operação o
recurso a um baptismo cristão.
Para Wagner, nem assim o judeu culto e
refinado logrou os seus intentos. Ficou isolado no seu estatuto. O de judeu
culto e refinado, precisamente.
Continuou, como judeu, a ser um homem seco e árido. E mais (segundo
Wagner):levou a que o alemão perdesse a simpatia pelo destino histórico que era
o dele, judeu, e pela trágica condição da sua raça. Esse judeu culto e refinado
somente se manteve em consonância e comunhão com aqueles que precisavam do seu
dinheiro.
Pois é. Mas para Wagner nunca o dinheiro determinou
laços fortes e fecundos entre os homens. E o judeu culto e refinado continuou
culto e refinado, mas estrangeiro e indiferente na sua pátria de empréstimo,
entre uma sociedade que ele não poderia compreender, entre tendências e
inclinações de que não compartilhava, convivendo com uma História e uma
civilização definitivamente inacessíveis para ele.
Se o judeu culto pensa exprimir-se
artisticamente, bom, então só poderá produzir aborrecimento e trivialidade – ou
luxo e futilidade.
Nenhuma
arte oferece com mais generosidade do que a música a faculdade de falar para
nada dizer, porque todos os seus maiores génios a fizeram exprimir tudo o que
poderia ser dito por uma arte absoluta. E pronto, uma vez dito por música tudo o que os maiores génios
disseram, o mais que viesse seria repetição, macaqueação penosa que só se
destina a criar a ilusão de qualquer coisa parecida que já há muito fora dita:
arte de papagaios que repetem as palavras e frases humanas completamente
desprovidas de expressão.
Isso. Era aqui que ele queria chegar: como
os papagaios no falar seriam os compositores judeus no musicar; a linguagem
musical simiesca seria a deles.
Porque o judeu nunca na vida teria tido uma
arte que lhe fosse própria. Nunca apresentara matéria à consideração e à
concepção artísticas. Nenhuma matéria artística com significado humano poderia,
naquele tempo, e no ver do mestre de Bayreuth, ser encontrável na vida do
judeu. O investigador que se pusesse a procurá-la só encontraria aquele modo
estranho de expressão. E como genuína expressão musical do judaísmo esse investigador
acharia unicamente a parte musical do culto a Jehová.
A situação do judeu no quadro da sociedade
alemã de 1850 não lhe permitia penetrar profundamente o ser dessa sociedade. O
judeu não poderia apreciar com um alto
grau de intimidade a arte alemã. Só superficialmente. Por ser assim é que o
fortuito e o superficial inundariam a essência das produções dos artistas
judeus. As impressões artísticas deixadas pelos judeus (na opinião para mim
injustíssima de Wagner) soariam então à sensibilidade alemã estranhas e frias e
anti-naturais e desfiguradas. Mais ou menos, exemplifica ele, como um poema de
Goethe recitado em jargão hebraico.
Sim, percebe-se aonde ele quer chegar, mas não consigo estar
de acordo – mas também… quem sou eu para poder avaliar tais ideias, eu, que nem
sequer sou alemão?
O
músico hebreu era então culpado de entretecer nos seus trabalhos, de enredar
neles, formas e estilos diversos, imitando todas as escolas de compor música,
imitando os grandes mestres alemães de todos os tempos. E aqui começa a
diatribe anti-semita de Wagner a aproximar-se dos seus alvos preferidos na
música, Mendelssohn e Meyerbeer. Sem razão nenhuma, na minha opinião, quanto ao
primeiro; e com quase toda a razão quanto ao segundo – na minha opinião.
Será a emoção interior, a verdadeira
paixão, o que na linguagem da arte ou, nesse caso, a da musica, o que se
procura comunicar, e o que a música escrita por um judeu não conseguirá jamais
comunicar, porque para o judeu não existe verdadeira paixão, e menos ainda
qualquer tipo de paixão que o provoque para a criação artística. É agitação
febril o que se ouve nas obras musicais de um judeu. Em alternativa à agitação febril,
ou quando muito, teriamos a inércia das ideias e dos sentimentos. Ou ainda o
ridículo. Ou ainda o trivial. O período histórico do judaísmo na moderna música
de 1850 deveria classificar-se como o período da mais completa esterilidade e
do mais gritante desequilíbrio estilístico.
Todavia, vá lá, Wagner reconhece ao seu
mais notável confrade judeu nesse tempo
de 1850, Felix Mendelssohn, entretanto já falecido, uma disposição artística excepcional, só
prejudicada pela inescapável condicionante rácica – é, quero crer, sobretudo
para atacar Mendelssohn e Meyerbeer, os
dois mais notáveis compositores judeus do tempo que lhe faziam sombra (não faziam, de modo nenhum, mas ele sentia
que lhe podiam fazer), que Wagner se dá a escrita deste ensaio anti-semita.
Mendelssohn mostrava que um judeu podia até
ser um músico dotado (nunca lhe chama génio) dos mais altos talentos, ter tido
a mais perfeita educação, a mais elevada e delicada das ambições espirituais,
não podendo porém, não obstante todas as suas prendas culturais e artísticas,
obter efeitos que tocassem o coração germânico e inspirar-lhe o tipo de emoção
que se espera ao fruir uma obra de arte. Nenhum (bom) alemão se sentiria
cativado pela música de Mendelssohn. Os motivos musicais mais famosos, mais finos, são motivos realmente
artificiais, e arranjados na confusão formal, em caleidoscópio de cores e de
formas em movimento, sem exprimir os sentimentos mais profundamente humanos e
mais caros aos corações.
É sabido (agora falo eu) que Mendelssohn
foi, digamos assim, o patrocinador da obra de Bach que por esses tempos,
estranhe-se, caíra no esquecimento – quase dois séculos de esquecimento para um
dos génios tutelares da música alemã. Mendelssohn, enquanto chefe de orquestra,
deu a ouvir muito do Bach esquecido, realizando para o público daquele tempo
audições inesquecíveis das paixões do mestre de Leipzig. E fez mais (o que
Wagner não levou à paciência): na sua própria obra coral-sinfónica, em especial
nas monumentais oratórias Paulus e Eliah,
assumiu claramente a herança de Bach, planeando as obras, desenvolvendo os
temas e organizando as harmonias deliberada e manifestamente ao estilo de Bach.
Daí a boutade dele, Mendelssohn: a
História ficaria a dever a um compositor judeu o ressurgimento do mais genial
dos músicos cristãos.
Mas tudo isso foram facadas para o invejoso
Wagner.
É
necessária toda a fútil irreverência do gosto contemporâneo para criar uma
música de luxo que suporta a música de Bach e de Beethoven, e para admitir que
entre as linguagens desses dois compositores a diferença seja devida apenas à
individualidade do estilo e não ao grau superlativo de uma cultura histórica – escreveu Wagner no ensaio anti-semita que
me deu para glosar. A linguagem de Bach
pode ser imitada por um músico muito hábil, embora a forma seja soberana só
nele, e também só porque a expressão puramente humana não lhe predomina na obra
com clareza bastante.
Na analogia com Beethoven, Mendelssohn é
acusado por Wagner de fazer desaparecer as formas precisas e as imagens
sugeridas, transformando-as em sombras difusas e fantásticas. À débil luz
mendelssohniana, a caprichosa imaginação germânica excitava-se arbitrariamente,
mas a aspiração íntima e humana de contemplar alguma coisa de inequivocamente
artístico é apenas aflorada pela promessa de poder ser satisfeita. Uma sensação
opressiva apoderava-se da alma do compositor (Mendelssohn) e constrangia-o a
comunicar uma resignação nobre e melancólica.
A tragédia de Mendelssohn: se no campo da
arte Wagner podia brindar o indivíduo com a sua simpatia, a força dessa
simpatia sairia debilitada quando se tornasse evidente que Mendelssohn não
teria uma consciência dolorosa e purificadora dessa tragédia.
Um
compositor judeu contemporâneo dirigiu-se nas suas obras a uma parte do nosso
público cujo gosto não era possível corromper e sim explorar. O público dos nossos
modernos teatros de ópera perdeu há muito o hábito de ser exigente (oh que actualidade têm estas conclusões
para o tempo moderno do século XXI – e não porque o compositor em questão seja
judeu). As salas de ópera são lugares de
entretenimento e estão em geral cheias dessa fracção da nossa sociedade
burguesa para quem a única razão de lá irem é o tédio.
Wagner fustiga então ( acho que com razão,
e, repito, não por ele ser judeu) o seu colega Meyerbeer, o célebre autor de
óperas que teve como única motivação da vida artística criar ilusões – disse dele Wagner. Bastou-lhe poder criar a ilusão
– e o êxito fenomenal de Meyerbeer comprova-o – e impô-la como expressão
picante e moderna de todas as vulgaridades aos auditórios de ociosos.
Esse
compositor ilusionista chega tão longe que se ilude a si próprio, e é mesmo
possível que a sua intenção seja essa, de se enganar a si próprio como o faz
com o seu público de gente enfastiada. Para Wagner, talvez Meyerbeer tivesse mesmo a intenção de
criar belas obras de arte, sabendo contudo que a tarefa lhe seria impossível. E
para sair do doloroso impasse compõe óperas para serem cantadas em Paris, e
sabendo que uma vez conquistado o público parisiense as suas óperas teriam
carreira garantida pelo resto do mundo. Paris seria o meio mais eficaz para
conseguir alguma glória artística sem se ser artista.
A nulidade de juízo do público alemão
provava-se portanto, e de forma indiscutível, a avaliar pelo êxito do tal célebre compositor judeu de ópera –
chamado Meyerbeer. Ou seja, até o público alemão se estava a tornar cúmplice
das “malfeitorias” do judaísmo em música, e só porque os seus gostos se estavam
a abastardar e a descambar para os lados do não-artístico.
Wagner acentua: no tempo em que a música
enquanto arte muito específica criou em si mesma uma autêntica e orgânica
necessidade de vida, até à época de Mozart e Beethoven, não havia nem um
compositor judeu (de mais alto gabarito, suponho ) em circulação. Porque era
impossível. Era impossível a um elemento estranho a esse organismo vital que
era a música participar nas criações dessa música. Só a partir do momento em
que se dá a morte interior desse corpo vital é que os elementos que lhe eram
exteriores ganharam forças e se apoderaram dele a fim de o decompor.
ResponderEliminarExcelente, como sempre!
Obrigado, mais uma vez...
Esclarecedor de tantas peias de linguagem e ideias. Tudo se mede por... questões de moral. Até me parece a única forma de medir ou avaliar.
ResponderEliminarE porque é que me vem à cabeça a palavra agora tão em voga: "mercado" ou "mercados"?
Temos pensamentos recorrentes, é o que é!
Abçs