ESQUIZOFRENIA
Atenuados os efeitos benéficos da retumbante vitória moral do Benfica
na Liga Europa, eis que ficamos de novo entregues à vida que somos coagidos a
viver sobre a realidade também das derrotas morais num país bipartido, ou tripartido,
ou até quadripartido. Sei lá bem. Dois, três ou quatro países distintos vividos
num só, num mesmo espaço e num mesmo esforço, em idênticas perspectivas vitais.
Há quem diga que a realidade é una, bem sei, como há quem
diga que a realidade é múltipla. Vou na segunda hipótese.
Vamos lá a ver uma coisa. Vivemos num primeiro país que nos
é apresentado pelos poderes públicos, pelos senhores ministros, com estoiros de champanhe comemorativos da treta da saída limpinha, limpinha, limpinha, quer-se dizer, da nossa derrota moral e material às mãos da troika, facto que para eles significa uma auspiciosa reinauguração da esperança
(tantas vezes inaugurada nos últimos 40 anos), do vá-lá-é-uma-merda-mas-podia-ter-sido-pior, ou do vamos-a-ver-o-que-é-que-isto-dá-e-como-é-que-a-malta-se-safa-desta.
Os nossos poderes constituídos têm em nós um país artilhado
para proveitos próprios, e do qual muito se orgulham, e pelo qual festejam símbolos
nacionais como o sol, a praia, o bacalhau, as sardinhas, o fado, a selecção, o
Benfica, o turismo; e mais os feitos universais das nossas artes, das nossas
ciências, e mais a História, os Descobrimentos, o 25 de Abril…
Se lhes falamos das nossas dúvidas (e dívidas), eles
riem-se, dizem que o país está finalmente no caminho certo, naquela fase de viragem
histórica de tesos para endinheirados, e no primeiro trimestre deste ano, meus
queridos, crescemos e aparecemos na ordem dos 1,2% e batemos a média europeia,
ahn, seus toleirões, viva o luxo, e mais o PIB, 1,2% no primeiro trimestre, que
tal, seus cabrões mal agradecidos?
Ah, mas um momentinho, senhores ministros, esse PIB caiu
fragorosamente 0,7% no segundo trimestre. Como diz? Não dizemos nós, diz o INE.
Então e as nossas exportações? O que há com as nossas exportações? Só 2% menos
do que os senhores ministros gostariam Tomem lá atenção, tudo isso, esses percalços,
são devidos aos efeitos meramente pontuais, as paragens para limpezas da GALP,
da Auto-Europa, da refinaria de Sines…
A verdade é que o país, numa das suas primeiras realidades,
a realidade ministerial, vê a queda do PIB com tranquilidade, sem insónia nem os
sobressaltos oníricos dos mais críticos. Essa queda do PIB é para ser levada à
conta de factores extraordinários e irrepetíveis. O que importa, senhores
duvidosos, é a continuação do nosso crescimento económico e o alinhamento com o
previsto no OE para 2014.
E avança em simultâneo o nosso segundo país – a ordem dos
factores continua a ser como sempre foi desde a antiga 4ª classe, arbitrária –
as fortunas de Amorins, Belmiros e Alexandres, que era, em 2011, 6,47 milhões
dele, é hoje de 7,7 milhões dele.
Que tal, senhores duvidosos do bom caminho da nossa
economia?
Ai isto não é crescimento económico? Essa é boa. Como? Com
os nossos quatro maiores bancos privados a acusarem prejuízos de 192,7 milhões no
tão cantado primeiro trimestre? Pois. Aí é que está. Aí é que está o quê,
senhores ministros? É assim mesmo. Agravamento de 29,4 milhões se compararmos
com o mesmo período do ano passado? É assim mesmo. E não é esse obscuro detalhe
que nos vai entravar a formidável caminhada para o sucesso.
Ou para o sucesso ou para o stress colectivo. Questão de ponto de vista.
Três anos de troika, austeridade, desemprego em barda,
cortes de salários e de pensões em barda, cortes de subsídios, de abonos de
família. Em barda. O nosso terceiro país. O que coabita com os dois primeiros.
A vergonha que os estudiosos da sociedade detectaram no espírito do país – qual
deles?
Vergonha? Sim, senhores, vergonha e desconfiança. Em quê, de
quê, porquê? Por exemplo, do nosso sistema político, da nossa economia. A consciência
cada vez mais aguda e mais comprometedora da falta de líderes. Vergonha? Sim,
uma sondagem. Ah, pff, sondagens, valem o que valem. Exactamente, valem o que
valem, muito. Vergonha e desconfiança que vão grassando, também, ai de nós!,
quanto ao próprio sistema democrático, outrora a luz dos nossos olhos.
O país do stress a
coexistir com o país dos senhores ministros, dos bancos falidos, e das
maravilhosas fortunas dos Belmiros Amorins e Alexandres.
As situações de stress
e esgotamento a crescerem mais do que a economia nacional, senhores! É o
que diz a Associação Portuguesa de Psicologia Ocupacional. 83% dos inquiridos a
dizerem-se esgotados após os regeneradores três anos de troika, austeridade, desemprego, cortes… e 78% pedindo a todos os
santinhos a possibilidade de uma mudança de emprego o mais tardar daqui a cinco
anos.
E por falar em cinco anos… pois há cinco anos 32% dos funcionários
públicos aparentavam sinais de stress
evidentes. Pouco, quase nada, comparado com os 59% do ano passado. Um crescimento
maior ainda do que o da economia nacional, não? E no sector privado dessa mesma
economia, o stress entre o pessoal
deu um salto mas um senhor salto, de 24% para 43%. Porquê, senhores? Fadiga.
Só. Sim, à mistura com a perda de horizontes profissionais, de rendimentos, de
salários, na perspectiva de desemprego que sobre eles paira como núvem maligna,
como espada de Damocles…
Três anos de troika
e de regeneração pela austeridade, pelo desemprego, pelos cortes de salários e
de pensões… e é quando o crédito fica ainda mais mal parado, as poupanças diminuem
(pudera!), e para cima de 18.534 famílias que no primeiro trimestre dos
auspícios da nossa felicidade económica, das nossas esperanças e das certezas
das contas bancárias dos Belmiros, Amorins e Alexandres, deixaram de pagar o
que deviam, entraram em incumprimentos. E só falando no primeiro trimestre
deste ano, porque ao todo são 133.563 famílias que não podem pagar contas que
subam para cima dos 1.000 euros.
No grande país que são três (pelo menos), feliz, rico,
progressivo, esperançoso, próspero, desesperado, caloteiro, alegre e deprimido, o mal-estar nas
instituições dá como consequência a intenção do pessoal de mudar de emprego
quanto antes. E isso quer dizer o quê? Quer dizer que esta má vontade deprimida
e stressada vai incidir perversamente na produtividade nacional. Já em 2008 35%
dos empregados queria à viva força dizer adeus àquele patrão e procurar outro.
Mas hoje já não são 35%, são 78%, e com incidência maior no sector público.
E se se fala em stress,
depressão, má vontade e impulsos de fuga para a frente, registe-se que no país da
felicidade, do crescimento económico e da melhorada fortuna dos milionários, no
ano passado, 75% faltava ao trabalho com uma limpeza que só visto.
Incremento da produtividade, não é?
Está mesmo assim garantida pelos senhores ministros a
sustentabilidade dos índices regeneradores acrescentados por três anos de troika, desemprego, austeridade, cortes,
e mais umas botas. E o perverso e descrente povo pergunta às paredes da sua rua
que sustentabilidade económica pode ser essa quando duas ou três empresas que
ficam cinco dias paradas para limpezas chegam por si só para fazer cair o PIB.
Ou como será possível aos senhores ministros equilibrarem-se
na corda bamba de uma feliz política orçamental em austeridade, quando empurrados
pela ventania de uma política de competitividade e crescimento…
À hora em que escrevo isto (domingo, 18 de Maio, por volta
de uma da tarde) ainda não sei se o Benfica sempre ganhará a Taça. Deus queira
que sim. Porquê? Ora… por tudo. E mais umas botas.
Meu caro Joel Costa.
ResponderEliminarComo diria o meu querido Eça... Isto não é um país, é um sítio mal frequentado!
Bem haja
No meio realmente de tanta euforia (politica ou futebolística, vem a dar o mesmo...),por um lado, tanto desespero e saturação, por outro, onde há um espacinho para podermos viver...?
ResponderEliminarUm abraço e agradeço este desabafo partilhado.