COESÃO NACIONAL
O Benfica.
Claro.
Não vejo nada nem
ninguém que de forma mais imediata e eficaz possa, nas vitórias como nas
derrotas, aglutinar sensibilidades, seja em termos interclubistas seja em
termos de transversalidade partidária.
Porque se não for o
Benfica…
Se não são as
instituições que falam mais fundo à consciência colectiva, não nos resta
senão a irrelevância das más palavras (aliás merecidas) lançadas sobre esse
rapazito, o Passos Coelho (é para o lado que ele se deita melhor, e também, se
não fosse, ele não tinha ido lá), ou o som do rancor (justificado) projectado
sobre a figura risível e tutelar do Cavaco Silva – que também dorme profundamente
para qualquer dos lados.
Nem os gastos capitães
de Abril conseguem ter um papel integrador na sociedade (portuguesa). Não os
deixam falar. Ou pelo menos não deixaram na solene sessão de S. Bento.
E porque haveriam os
ex-capitães do ex-Abril de falar em S. Bento se o papel deles foi apenas
operacional no deitar abaixo da ditadura e com a promessa de, seguidamente,
deixarem o campo livre às forças político-partidárias?
O que não aconteceu, como bem sabem
os que se lembram, porque, tirando uma, não havia mais nenhuma força
político-partidária em cena.
Uma vez consumada a
operação, e 40 anos passados, porque razão formal deveriam eles ir falar na
solenidade parlamentar, ou no cóio legislativo dos actores da chamada democracia
a quem a operação deles deu voz?
Só se fosse por uma
questão de moral.
Mas como não falaram,
ou melhor, como não os deixaram falar, a tarefa moral dos capitães que já são
coronéis, ou que já não são, perdeu oportunidade. Ou perdeu sentido. Era esse
mesmo, a perda de sentido da existência dos capitães, o simbolismo que os
parlamentares da maioria pretendiam transmitir ao país.
Conseguiram-no. E ficaram mal vistos.
Mas só por uma questão de moral.
A maioria parlamentar
não se pode sujeitar ao risco de ouvir falar mal de si, e por isso não dá
confiança a um simples coronel, ex-capitão, para ir à casa da democracia dizer
sinceramente o que pensa.
Falar mal da maioria é falar mal da
democracia e é minar o bem valioso do optimismo nacional.
Então… bolas!, a democracia é frágil.
É. Sem dúvida. E o optimismo nacional também. Sim. Sem dúvida. E o caso do mutismo forçado dos coronéis que
foram capitães na casa da democracia é a prova disso. Como é prova disso a
inenarrável senhora reformada que manda na casa da democracia (logo, na
democracia mesma), quando compara os manifestantes irrequietos e populares das
galerias às forças nazis ocupantes da França durante a II Guerra.
Fragilidade? Da democracia?
Evidente. E comprova-o cada discurso
em que um presidente da república se assume como o técnico de contas ambicioso
atirado pelas contingências da fragilidade democrática para a missão de ser
símbolo e garante da nacionalidade, da identidade nacional, da História
portuguesa, e o que faz é atrapalhar-se na confusão dos balancetes…
Só pasmo é pelo seguinte: como é
possível dizer-se ainda por aí que vivemos em democracia só porque mais ou
menos metade de nós se dá à maçada de ir votar de quatro em quatro anos?
E compreende-se o desespero
egolátrico dos capitães que já chegaram a coronéis quando se apercebem, não só
de que já poucos (e velhos que não contam para nada) se lembram do feito deles,
como de que os que se lembram, deixaram de conceder a esse feito significados
grandiosos.
E se os outros, os que se lembram do
feito dos capitães, fazem trinta por uma linha para se esquecerem dele… ó diabo, por
alguma razão será…
Os partidos.
Nem é bom falar deles. Dão azar. Dão
azar até à democracia.
E porque todos lhes atiram à cara com
o ónus da culpa. Da culpa da crise económico-financeira. Da culpa da crise
política. Da culpa da crise moral que trespassa como lâmina esse valor fingido
e incontornável que é o optimismo nacional.
Porque é verdade.
E serem os partidos os grandes
causadores de todas as crises nacionais quer dizer alguma coisa a respeito da
nossa democracia – ou daquilo que por falta de termo mais adequado ou por
conveniência própria alguns ainda chamam democracia.
Mas não há democracia sem partidos.
Ora toma!
Mas de certeza que há partidos mesmo
sem ser preciso haver democracia. E esta?
E o problema da nossa democracia pode
não ser o de não haver partidos, mas sim de haver os partidos que há.
É daquelas coisas (como tantas na
nossa santa terrinha) que nunca terão uma solução condigna. A “simples” mudança destes partidos por
outros imediatamente levantaria o clamor grego de que estávamos outra vez nas
vésperas da ditadura e do fascismo.
O mal foi dizerem aos partidos que a
democracia portuguesa não passava sem eles.
Ai é? Então, já que a democracia tem
que nos gramar, estamos de mãos livres para promover devidamente as nossas mais
brilhantes mediocridades, para contentar os nossos mais insaciáveis
gananciosos, para dar pulso livre aos nossos mais sinistros mafiosos, para
abrir caminho aos nossos mais ilustres trapaceiros e vigaristas. E desta forma
os partidos portugueses nos dão (e não de borla) a grande lição sobre o que é,
ou o que pode também ser, uma democracia moderna. E bem à portuguesa – como o
socialismo e o cozido.
E todos os estratagemas serão
permitidos aos nossos partidos para se manterem vivos.
Pergunto eu: o que poderia levar os
partidos, que nos asseguram para efeitos oficiais a existência de uma
democracia, a regenerar os seus processos, a reformular o seu funcionamento?
Nada. Pela ordem natural das coisas, nada.
Quais seriam os engraçadinhos a ter a
lata de tentar fundar um ou dois partidos de massas para concorrer com os que
estão?
Quem, fundando um novo partido sério
e honesto, enquadraria a sufocada voz do eleitorado? Ninguém. Porque esse seria
gozado, enxovalhado, aniquilado pelos actuais partidos donos e senhores da
nossa vida institucional, os tais do pomposamente chamado “arco da
governabilidade”. Brincamos?
Além de que não se divisa assim a
olho nú ninguém com carisma, e sobretudo moral, para tanto. Mas, se houver, só
poderá ser uma carantonha conhecida e reconhecida pelos media, e nesse caso já estará identificada – e marcada para ser
destruída, pelo menos moralmente, pelos comunicadores de mão às ordens dos do
“arco da governabilidade”.
Ah, Benfica, Benfica… se não fores tu
a dar alguma alegria, nem que seja gratuita e passageira, à democracia
portuguesa, não sei quem mais possa ser…
E quem, em transparência e ética,
financiaria o novo ou novos partidos porventura surgidos, ou sugeridos, na
sequência de uma utópica reforma do sistema eleitoral-partidário, ou até, e por
consequência, por uma reformulação da democracia mesma? Ninguém. Em toda a
transparência e legalidade? Ninguém.
Noutro tempo, para se reformularem
coisas e formas de governo, ainda havia o recurso fatal ao golpe de Estado.
Geralmente militar. E porque os militares passavam por ser uma casta acima dos
partidários vendilhões do Templo, acima das correntías e democráticas
corrupções, dos correntíos e democráticos manobrismos partidários. Noutro
tempo. Mas hoje…onde estarão esses militarões puríssimos? Só os coronéis de
Abril. Que nem falar podem no areópago da democracia. Que nem reconhecidos são
como heróis da democracia. Que constituem hoje a novíssima brigada do reumático
que noutro tempo eles tanto gozavam.
E onde caberia na cabeça de alguém no
seu juízo pensar possível uma bernarda que não implicasse a ruptura com a U.E. e com o respectivo euro?
Impossível. E até improvável.
Quem terá talento, coragem, sensibilidade,
honestidade e credibilidade moral, já não digo para rupturas, mas pelo menos
para promover uma reforma da democracia portuguesa sem a bênção dos partidos (e
partidários) que estão?
Será o revisor oficial de contas do
governo que habita o mal empregado palácio de Belém às voltas com os seus
balancetes?
Ah, Benfica, Benfica...
Claro.
E claro que resulta óbvio que nos
tempos mais próximos não haverá ruptura alguma no sistema partidário, nem reformulação
alguma dos caminhos da insistentemente chamada democracia portuguesa.
Claro que não haverá real e séria
reforma de coisíssima nenhuma que cheire ao perigo de um reavivamento da
democracia portuguesa desacreditada por quase metade do eleitorado.
Não. Tudo continuará como está. Tudo
será evidentemente renovado, mas só por força da corrupção do tempo. E não
tenhamos dúvidas de que tudo será renovado nos tristíssimos parâmetros do
atraso mental produzido pelas juventudes partidárias, vulgarmente chamadas
jotas.
Ah, mas tudo depende de nós!,
grita-se nas redes sociais. Tudo depende de nós!
Nós, quem?
Ai que parvo… nós, o povo.
Mais um problema. O povo é o Benfica.
Enquanto o Jorge Jesus e o Vieira continuarem a ganhar nem no Benfica será
mudado um cortinado na sala da direcção, quanto mais no país, quanto mais na
democracia portuguesa.
Seja o que for que dependa deste povo
benfiquista, estará condenado ao não-ser, à
não-existência.
Não me venham para cá dizer que foi o
povo que fez o 25 de Abril. Foram os velhos coronéis artríticos de hoje quando
eram novos. O povo foi atrás. E bem.
Tudo depende de nós! De nós quem? Do
povo unido. Do povo soberano!
Povo soberano. Povo unido. Patranhas.
Todos ao Marquês de Pombal para reformar a democracia portuguesa que tanto
precisa, coitadinha!
Só se for. Quando é que este povo do
Marquês de Pombal benfiquista foi soberano cara-a-cara com os seus supostos
representantes – ou dos que, em bom rigor aritmético, representam menos de
metade dele, povo soberano? Não sei. 1383? Não sei.
Se os alegados representantes
políticos do povo soberano português não são sequer soberanos no seu próprio
alvedrío, como é que o povo que eles dizem representar o poderá ser?
Soberania, só se for por mais não sei
quantos anos debaixo do olho húmido dos nossos credores, dos nossos
estrangeiros e económicos numes tutelares. E nós sem termos a mais vaporosa
hipótese de algum dia podermos solver as nossas dívidas – e podermos sobreviver
enquanto povo soberano sem elas…
Capitães de Abril, oh, sim, a
esperança. A mensagem de Abril. Está viva? Está morta?
As conquistas de Abril! Vivas? Mortas
e enterradas? Quem as matou? Quem as enterrou?
Que haverá mais a esperar do 25 de
Abril, passados 40 anos, e quando esse mesmo 25 de Abril foi feito com 30 anos
de atraso?
Só se viesse outro parecido. Se fosse
possível, claro. E mesmo assim…
Tudo o mais é irrelevância, são
queixas do governo, deste, daquele, do outro e do outro, do Guterres, do
Barroso, do Santana, do Sócrates, e já agora do gonçalvismo, do sá carneirsmo,
do soarismo, do cunhalismo, do marcelismo, do salazarismo (oh, sim!), da
república, da monarquia…
Perda de tempo e de energia com
insultos a desvalidos política e intelectualmente, e todavia eleitos pelo povo
soberano, e quando o nosso mal vem de tão longe e é infinitamente mais profundo
do que tudo o que os últimos políticos de miserável porte nos tenham feito de
mal.
Ou então, vamos lá a ver, o mal deve
ser nosso. É o nosso ser. É a fatalidade geo-política que nos fez ser, que nos
envenenou a alma e o corpo. E é o fado. E é o Benfica. E é Fátima. E é o
contrário de tudo isso, se possível É tudo o que de inconsciente trazemos em
nós. É o que avistamos na distância da nossa improvável e infeliz soberania
sempre ilusória, Inquisição, expulsão dos judeus, Alcácer Quibir, Filipes,
Terramoto, invasões francesas, fuga do rei, ultimato inglês, rotatividade da
monarquia, regicídio, 5 de Outubro, La Lys, 28 de Maio, guerra colonial, perda
do império...
Mas o mais grave dos nossos desastres
históricos é bem capaz de estar a acontecer hoje. Ou mais do que hoje, é o que
viveremos nos próximos vinte anos, trinta anos, se o mundo não se esquecer de
dar aquela grande volta com que nos ameaçam, e se nós ainda existirmos, nem que seja só
formalmente, como hoje, enquanto país livre e soberano.
O Benfica.
Claro.
Muito bom... E que música (portuguesa?) para acompanhar este texto? Amália? Madredeus? Júlio Pereira? Dr. José Afonso? Adriano? Paredes? Marceneiro? Lopes-Graça? Freitas Branco (o Luís)? Rodrigo (o Joaquín...)? Ou, apenas e sempre, Frei Manuel Cardoso e todos os nossos excelentes polifonistas sacros de Seiscentos, quando todos fizémos, também formalmente, parte da vasta IBÉRIA?...
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