ENTRE A MAFIA E O APOCALIPSE
Sim, sim, é um título que condiz
lindamente com os tempos. Mas não, não é ao das granadas nem ao Ricardo Salgado
que venho. Venho a matéria mais artística. Francis Ford Coppola.
Cabaret tinha levado os prémios todos e eu desejei subitamente,
desesperadamente, ganhar também um prémio. Quando, com O Padrinho não consegui ganhar fiquei muito deprimido.
Tinha a certeza de nunca mais vir a fazer outro filme que tivesse tão boas
condições para ganhar um Oscar. Francis Ford Coppola, pois, numa entrevista
de 1975 à Playboy.
Coppola, autor, toda a gente sabe, de
dois grandes monumentos da cinematografia moderna – não obstante o estilo
tradicional da narrativa - O Padrinho (I,
II e III) e Apocalypse Now. Para além
de outros, naturalmente, alguns deles que por minha conta poderia considerar
obras-primas, One From the Heart (Do Fundo do Coração em português), The Conversation, Cotton Club, Jardins de Pedra.
Coppola acabaria por ganhar um Oscar de melhor filme com a segunda parte de O Padrinho, ou O Padrinho II. Achava esse segundo tempo de O Padrinho mais complexo e difícil do
que o primeiro – e na altura desta entrevista ainda não tinha feito o terceiro
-, e um filme feito com um certo e especial tipo de integridade artística.
Os críticos consideravam o livro de
Mario Puzo (em que se baseou) uma porcaria e admiravam-se de Coppola ter
extraído dele uma obra-prima. Coppola ao ler o livro pela primeira vez viu nele
uma novela popular, talvez sensacionalista, com personagens escandalosamente
tomadas de famosos modelos reais – o cantor protegido em Hollywood pela Mafia
não podia ser outro senão Frank Sinatra. Mas Coppola decidiu pegar na história
por outra ponta, resolveu ver nela uma
história de família, a história de uma família italiana emigrada que podia ser
a sua própria família, e percebeu que não apenas podia tirar dali um filme de
sucesso como também um bom filme – o que nem sempre é a mesma coisa,
evidentemente.
Para o papel de Don Vito Corleone, o padrinho, Coppola testou e observou centenas
de actores italianos e ítalo-americanos da velha guarda ainda em actividade. E chegámos à conclusão de que se um actor
italiano chegou aos 70 anos sem se ter tornado famoso é porque lhe faltou
sempre alguma autoridade no trabalho, algum carisma. E o que Coppola queria
era uma personalidade intensa, magnética, carismática.
Bem,
rapazes, o que eu queria para o papel era o maior actor do mundo. Simples.
Laurence Olivier. Marlon Brando.
Mas os chefões da Paramount
disseram-lhe logo para começo de conversa que Marlon Brando nem pensar. A menos
que…
Ora… a menos que Brando estivesse
disposto a sujeitar-se a um teste. Claro, algo que não passava pela cabeça
propôr a um célebre Marlon Brando com 47 anos na época.
Mas Coppola tem artes de testar Brando secretamente.Através de
uma câmara de video pedida emprestada, e fazendo em casa de Brando um ensaio
como se ele estivesse já contratado. Foi quando Brando, na salita de estar lá
de casa, alisou o cabelo com graxa preta de sapatos, decidiu que precisava de
um bigode para compor a figura (um tio italiano de Coppola usara bigode, batia
certo), meteu kleenex nas bochechas
para simular as peles caídas da cara de um velho, “quero parecer um bull-dog”,
improvisando a cena e o diálogo.
Quando os chefes da Paramount viram o
video com o resultado imediatamente concordaram: o papel não poderia ser feito
por outro senão Marlon Brando.
E a outra sensacional revelação do
filme iria ser Al Pacino.
A rodagem passou por vicissitudes várias.
Os chefes de estúdio não estavam a gostar do trabalho. O orçamento derrapava,
derrapava. Coppola esteve a uma unha negra de ser despedido e substituído por
Elia Kazan. Mas não foi. O filme foi concluído e, mais difícil ainda, foi
resolvido fazer uma sequela, passada agora em tempos actuais, final dos anos
50, grande parte passada na Cuba da mafia, do jogo e da prostituição, vésperas
da chegada triunfal de Fidel Castro a Havana. Al Pacino, como Michael Corleone,
filho do grande padrinho que fora
Marlon Brando, seria um padrinho mais violento e sanguinário do que o pai.
A Máfia. Coppola não estava muito de
acordo em que a Mafia fosse um fenómeno tão puramente italiano como isso – e
está visto que não é, os nossos (nacionais, nossos) brilhantes exemplos
provam-no. A Mafia não podia desenvolver-se tal como é conhecida (mal
conhecida, aliás) senão em solo americano, em condições de vida americanas – ou
a fingir de americanizadas, como as nacionais, nossas.
E cá está: Coppola a dizer: controlo absoluto, demarcação de
territórios, fixação rigorosa de preços, eliminação da concorrência. Tudo isso
é filosofia operacional da Mafia. E foi também essa filosofia que tornou
possível a existência de algumas multinacionais americanas e algumas das
maiores fortunas da América. Quando os sicilianos aqui chegaram encontraram o
lugar perfeito para desenvolver as suas actividades.
(Refere-se aos
princípios do século XX. Nós por cá não precisámos de sicilianos.)
A carreira e a vida de Michael Corleone
– Al Pacino no filme – é a metáfora de um novo mundo. Coppola de novo a falar: como a América, Michael começa como um tipo
decente e limpo, um jovem brilhante e cheio de recursos que acredita em ideais
humanistas. Como a América, Michael Corleone é filho do velho sistema europeu.
Como a América, Michael é um inocente que julgou possível corrigir as más
práticas dos pais. Mas o sangue corria-lhe nas veias. A partir do momento em
que cresce começa a mentir a si mesmo e aos outros acerca daquilo que faz e
porque o faz. Torna-se o espelho da suas orígens, ou torna- se ainda pior do
que isso. E eu limitei-me a adaptar o livro de Mario Puzo. Se eu tivesse feito
um filme com as minhas opiniões pessoais acerca da Mafia teria saído outra
coisa. Mas O Padrinho não é um filme
acerca da Mafia. Nem o livro é um romance sobre a Mafia. Trata-se da história
de um rei e dos seus três filhos. É uma história cujo tema é o poder. Podia ter
sido inspirada nos Kennedy.
Sim, mas outros
dirão ainda mais: que o filme foi pago pela própria Mafia e com a finalidade de
limpar alguma coisa da folha da mesma Mafia. Não sei.
Romantizar a Mafia? Pergunta do
entrevistador da Playboy. Se você tivesse estado próximo de Hitler,
tivesse estado em casa dele, tivesse ido às festas dele e ouvido as histórias
dele, teria possivelmente gostado dele, ou do homem que ele era. Se eu fizesse
um filme sobre Hitler e tivesse pegado num actor poderoso e carismático para
fazer o papel, as pessoas diriam que eu estava a querer transformar Hitler num
ser humano muito bom. Claro que Hitler não era esse ser humano muito bom, mas o
mal, o mais efectivo mal que se possa imaginar sobre a face da terra é feito
por seres humanos aparentemente normais, e saudáveis até, e que no entanto são
seres miseráveis em si mesmos. Não se pode fazer um filme sobre uma família de
mafiosos sem os fazer parecer seres humanos.
Italianos? Coppola faz uma reserva. Um
dos mais poderosos chefes da Mafia de todos os tempos não era italiano. Era
judeu. Chamava-se Meyer Lansky.
E as reacções da própria Mafia ao
filme?
O desenhador da produção, Dean
Tavoularis diz que, enquanto escolhiam exteriores para filmar, via homens a
disfarçarem-se pelas esquinas, em frente de restaurantes. Robert Evans,
produtor do filme, quando estava em Nova York recebia no hotel telefonemas a
dizer para matar a serpente é melhor
cortar-lhe logo a cabeça; ou então: se
você quer que o seu filho tenha mais do que duas semanas de vida saia
imediatemente da cidade.
Mario Puzo fez a Coppola e à equipa
avisos sérios. Disse-me que talvez eu fosse
contactado por alguém. Se fosse, deveria recusar abrir-me com eles. Eles
respeitariam essa atitude.
Al Rudy, um outro produtor do filme,
jantou algumas vezes com gente da Mafia (cá está), mas Coppola diz nunca ter
sido convidado para tais jantares.
Uma
coisa curiosa é que eu, italo-descendente, nunca me interessei pela Mafia,
embora saiba que alguns importantes chefes usem o mesmo apelido que eu. Trigger Mike Coppola (Mike Gatilho Coppola) era um dos lugares tenentes de Vito
Genovese e tinha fama de ser um homem temível.
Mas então agora diga-nos cá, Sr.
Coppola… e a conexão à Mafia de Frank Sinatra? Bem, sim, encontrei-me com
Frank Sinatra várias vezes antes de começar a rodar o filme. Foram encontros
amigáveis. Disse-lhe que não gostava de explorar a ficção da vida de um homem,
qualquer homem. Disse-lhe que não gostava da parte do livro que se dizia ter
sido inspirada por factos da carreira dele e que os minimizaria no filme. Ele
apreciou. E Sinatra até me disse: sabe, do que eu gostaria era de ser eu a
fazer o papel do Padrinho.
Toda
a gente em Hollywood tem a ideia de que um filme de um autor tem que ser o que
foram os últimos quatro filmes antes dele. Coppola tinha-se por um criador original, e, naturalmente, não
pensava assim.
O senhor é um pessimista… a julgar
pelos seus filmes – diz o homem da Playboy.
Não,
não. Não sou um tipo negativo. Mas quero pôr nos meus filmes uma outra parte de
mim. E é divertido saber que muitos realizadores põem nos filmes ideias e
coisas que são exactamente o oposto do que pensam e do que são.
Em 1997 Coppola consideraria O Padrinho como um filme-metáfora do
capitalismo. Pelo menos tanto quanto uma história de crime ou uma crónica de
família. Ou talvez não seja bem o filme a metáfora do capitalismo. Pode estar
mais na Mafia, the mob, em si mesma,
essa metáfora do capitalismo. Digo eu. Não sei se ele o disse.
Sentiu-se ameaçado?
Acho
que o que um artista mais teme na vida é um certo tipo de ameaça, é ser exposto
como uma mistificação. Ouvi isso a actores e a realizadores. Peter Sellers
disse-me uma ocasião: qualquer
dia eles deixarão de me proteger e toda a gente vai notar que eu sou uma
fraude.
Todos os artistas bem sucedidos vivem
com a noção de que o seu talento fica muito aquém do seu sucesso.
O Padrinho parece uma obra irresponsável porque dizem que comemora a violência.
Nunca foi essa a minha intenção. Mas se centenas de pessoas são postas a assar
no incêndio de um arranha-céus como em Torre do Inferno, isso já é menos horrível do que um tipo ter as suas fortes razões
para matar outro com um tiro.
Uma
vez, num restaurante de Nova York, vi uma cena de murro e fiquei muito
impressionado. Em termos de cinema era uma coisa modesta, nada teria de
extraordinário. Mas porque fiquei nesse momento aterrorizado com o que via?
Porque se tratava de pessoas reais.
Coppola entendia, em 1975, que se vivia
num tempo em que as coisas mudavam depressa demais. A igreja católica já não
era que fora; a unidade da família
também não. O cinema seria então um meio com redobrada responsabilidade pela
influência que tinha sobre as pessoas. Milhões tinham visto O Padrinho por esse mundo fora. As
pessoas podiam gastar três horas da sua vida numa sala escura, concentrados, a
olhar para o que se passava num ecran e esse tempo tinha um valor.
O senhor acha que os realizadores de
Hollywood no passado propagandearam falsos estereótipos para influenciar o
público?
Talvez.
Em certo sentido. Mas os filmes americanos em geral seguem os estereótipos
existentes, não são eles, filmes de Hollywood a estabelecer esses estereótipos.
(E aqui não sei se
concordo com Coppola.) Diz ele que leu um dia ser a indústria do cinema
responsável pela opinião do público acerca dos índios. Mentira, diz. A indústria do
cinema apenas fez eco e amplificou a imagem que já se tinha formado no público
sobre os índios - o que já não é
pouco, diria eu.
O próximo filme de Coppola seria sobre
o Vietnam. Sabia que era um projecto arriscado, mas adiantava não versar nem
sobre política nem sobre aquela guerra em particular. Talvez tivesse a ver com
a guerra que decorre na alma humana.
Devo dizer que Apocalypse Now foi um dos filmes que mais me marcou na minha já
longa vida de cinéfilo – agora estou eu a falar, evidentemente. Para mim, Apocalypse Now será sempre o que Coppola
quis que fosse, quer dizer, o trajecto interior de um homem que sobe um rio
remoto e perigoso e que nessa subida descobre os mais escondidos escaninhos do
seu próprio ser, a sua agressividade, a violência da sua animalidade, o horror
que há em si.
Apocalypse
Now ganhou
a Palma de Ouro de Cannes.
Coppola fala do filme em 1979. Acho que realizei algo de real acerca de uma
era importante da América.
Coppola tentaria no filme dizer que a
moral é matéria que deve ser assumida tal como se apresenta – e eu ou traduzi
mal ou não sei o que quer ele dizer com isto. E diz ele também assim: um dia você mente à sua mulher, no outro dia
não. E quando a moral atinge os níveis mais altos da consciência não cabe a
mentira, entra-se no reino da loucura, onde as expectativas são de vida ou de
morte.
Enfim. Coppola pegou na sua equipa e
foi filmar o Vietnam para as Filipinas. Tormentoso. Os custos começaram a subir
em flecha. Coppola teve que pôr dinheiro, e bom dinheiro, do próprio bolso. Uma
grande tempestade desembestava do sul da China e dividia-se em duas partes. Uma
parte desabava sobre um pequeno povoado e outra parte ia caír sobre uma pequena
e obscura cidade situada a 200 milhas de distância do primeiro pequeno povoado.
A tragédia, o azar dos Távoras, foi que em qualquer desses obscuros e asiáticos
locais estavam montados, on location, os
cenários do filme que Coppola realizava.
O clima era de morrer. Os lugares de
filmagem eram inóspitos e isolados e de logística improvável. Harvey Keitel,
que esteve para ser o capitão Willard, foi despedido e substituído por Martin
Sheen. Martin Sheen assim que chega ao local de filmagem de exteriores sofre um
ataque cardíaco. Marlon Brando chega ao plateau
gordíssimo, noventa libras de peso a mais – não sei quanto é isto em quilos.
Correm rumores de que cadáveres foram desenterrados só para se colocarem os
alicerces dos cenários (Coppola nega). Fiquei
devastado com os problemas que tive para poder filmar exteriores. No meio
disto tudo, Coppola chegava à conclusão de que o argumento não o satisfazia.
Quando voltaram das Filipinas tinham gasto em fita oito vezes o que é normal
gastar.
No
cinema o público não se interessa tanto por explosões ou helicópteros a voar. O
público gosta de uma história com personagens a interagir.
O filme pretendia-se baseado na novela
de Joseph Conrad, Heart of Darkness, Coração nas Trevas na tradução
portuguesa, mas Coppola refere que nunca fora intenção sua adaptar o livro à
letra.
Ficou célebre a sequência de um ataque
de helicópteros pelo batalhão da Cavalaria do Ar, comandado por um desvairado
(mas muito real, tanto quanto eu possa apreciar) tenente-coronel de Cavalaria,
chamado Kilgore (interpretado pelo esplêndido Robert Duvall) e com música de Wagner
em fundo. O tenente-coronel Kilgore, além de gostar de surfar debaixo de fogo,
atacava o Vietcong sempre com Wagner, com o que Wagner tinha de mais semelhante
a um ataque aéreo – a cavalgada das valquírias.
Apocalypse
Now abalou
muito Coppola, física e psicologicamente. E financeiramente.
As
vezes penso: porque não me contento em produzir o meu vinho, realizar um
filmezito de dois em dois anos, viajar mais vezes à Europa com a patroa e os
miúdos? Porque me satisfaço só quando pretendo atingir cumes incríveis e me
arrisco a rebentar com a minha vida pessoal só para poder fazer um filme?
Muitas
noites vou para a cama coberto de suores frios… será que a estrela que eu penso
contratar quer fazer o meu filme? Como é que vou filmar a cena prevista para
amanhã? Será que eles vão gostar do meu filme? Sim, sim, eu sei, eu sei que
estou a perder anos de vida.
Isto, note-se, foi dito por ele em
1979, exactamente depois de Apocalypse
Now.
Já
fui, sim, um daqueles jovens deslumbrados… ah, que bom, tenho um novo carro
desportivo…. ah, óptimo, estou finalmente a dirigir um filme… ah, aquela miúda
vai por mim… mas… bom, depois dos 40 já nada é assim. Depois dos 40 o que eu
quero é construir uma relação harmoniosa entre a minha vida pessoal e o meu
trabalho. Gostaria de ser feliz, sim, de me sentir bem comigo…
Cem milhões estava a custar Apocalypse Now. Ganhou a Palma de Ouro de Cannes, já se disse, e
Coppola era o único director a ganhar o prémio duas vezes.
Só do bolso dele tinha empatado no
filme cerca de 16 milhões de dólares. Fora, já se vê, os financiamentos
externos mais vultosos. Em 1980 tinham-se apurado de lucro 4 milhões e 900.000
dólares, graças aos direitos de televisão por cabo. O filme, apesar do êxito,
não havia meio de estar pago.
E se calhar ainda hoje não está…
É
preciso anos e anos para que o verdadeiro valor de um filme seja revelado.
Apocalypse
Now era,
para Coppola, em certo sentido, um filme sobre a moral. Quase um épico
surrealista, situado no Vietnam mas não acerca do Vietnam, ou acerca dos
exércitos americanos. Em vez do exército americano poderiam lá estar as tropas
persas na Grécia antiga.
Apocalypse
Now referia-se
ao espectáculo de destruição, aos desmandos da guerra, aos homens postos em
situações limite. Não havia no filme opiniões expressas sobre o exército
americano. Cenas como o surf no
interior de uma arrepiante cena de combate eram tão espectaculares e bizarras
que era difícil pensar que soldados e oficiais americanos pudessem fazer coisas
daquelas – ou talvez fizessem, essas ou outras não menos aparatosas…
O
que eu queria era exprimir um tema universal… soldados postos fora de qualquer
controlo…
A guerra do Vietnam dá a Coppola um
exemplo entre muitos de um conflito burlesco e desprovido de lógica, cozinhado
pelos poderosos deste mundo, no altar dos quais muita da juventude foi, e
continua a ser, sacrificada.
Coppola via no exército apenas uma
categoria operacional defensiva. E se o
meu governo decide enviar tropas para um conflito militar absurdo apenas pelo
desejo de adquirir poder sobre uma parte do mundo, as tropas obedecem e vão.
Mas em si, e de per si, o exército
não determina as políticas. O exército americano, em mais de 200 anos, não tem
influência sobre os governos. A indústria e o meio militares talvez sim. Mas o
exército em si continua a ser uma instância de defesa da nação sempre na
expectativa de ser chamado para isso.
Os compromissos. Se você vai filmar uma cena que deve ser passada sob um sol escaldante
e está a chover, você precisa fazer um compromisso. Realizar filmes é a arte do
compromisso.
Os filmes em que um realizador
trabalha, dada a natureza intensa e quase obsessiva desse trabalho, tornam-se
parte capital da vida desse realizador. Da vida dele num sentido total. Pode
ser uma coincidência o efeito que o realizar certo filme tenha na vida pessoal
de quem o realiza. Coppola acha que não. Fazer um filme pode ser parte de um
processo de crescimento e aperfeiçoamento pessoal e até um meio de que o
indivíduo se serve para resolver alguns assuntos da sua própria vida privada. Para onde quero ir? Que devo fazer? Quem
devo ser? Isso, e também, claro, temas mais íntimos, como a família, a
memória, o amor, os amigos…
Na
minha maneira de ver… maneira
de ver dele, Coppola, já em 1988, a qual maneira de ver, por acaso, subscrevo… o
cinema é uma forma de arte que pode comportar imensa variedade. Podem-se
adaptar todos os estilos, como em literatura, em pintura, em música. Mas hoje
em dia, a indústria procura fazer filmes de tipo único. E aqui está porque
eu, eu mesmo, hoje em dia vou tão raramente ao cinema… duas vezes por ano?, por
aí… ou nem tanto… filmes de tipo único, como pensamentos de tipo único. como
vidas de tipo único, pois é…
Continua ele a falar,a dizer… o cinema já foi espaço de inovação, e está a
deixar de o ser. Para mim, será difícil trabalhar numa indústria regulada a
este ponto.
Em 1997, falando ainda d’O Padrinho, Coppola diria que
pessoalmente foi uma daquelas histórias que um criador sente que o pode
arruinar. E em certa acepção arruinou-me
mesmo. Porque fez com que a minha carreira seguisse por uma certa via que não
era a via por onde eu na verdade queria ir.
E qual era a via por onde o sr. Coppola
queria ir?
O
que eu queria era realizar uma obra original como escritor e realizador. O
sucesso de ’O
Padrinho teve o condão de espevitar, de
inflamar alguns outros desejos que havia em mim, ter uma companhia de produção
própria, por exemplo, estúdios próprios… ah, e grande frustração na minha
carreira é ninguém querer de mim que faça o trabalho e realize a obra de que eu
gosto. O sucesso de ’O Padrinho
obrigou-me a violar uma quantidade de esperanças que tinha para mim mesmo
naquela idade.
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