MR. ALFONSO
GABRIEL CAPONE
VISITA HOLLYWOOD
Em 1917, estavam os
mancebos americanos a ser chamados às fileiras para combater em França, e
justamente com 17 anos Alfonso Gabriel Capone era criado de mesa e moço de
limpezas de um restaurantezeco de Coney Island. Um dia, em serviço, sentiu-se
fortemente atraído por uma cliente que estava acompanhada por um cavalheiro,
uma rapariga italiana muito bonita, e tanto cirandou em volta da mesa do casal que
a certa altura não se conteve, inclinou-se para a rapariga e murmurou-lhe:
-
Tesouro, sabes… tens um rabo muito bonito, e deves aceitar isto que te disse
como um cumprimento.
Acto contínuo, o
acompanhante da jovem levanta-se, prega um murro em Alfonso. Alfonso cambaleia,
atordoado. O homem, que era irmão da rapariga e já estava bêbedo, saca de uma
navalha, precipita-se sobre o jovem Alfonso e retalha-lhe a cara por três
vezes. O sangue corre pelo chão do restaurante, há gritos. O homem, que se
chamava Frank Gallucio, pega na irmã e sai porta fora.
O golpe
maior na cara de Alfonso ia da orelha ao queixo e media 10 cm. Um outro golpe,
5 cm., cortava-lhe a face esquerda. E o terceiro nascia-lhe debaixo da orelha,
a esquerda. Nunca mais um cabelo cresceria naquela parte da cara dele. Seria obrigado
para o resto da vida a aparecer em público de cara empoada, graças aos montes
de pó de talco que passaria a aplicar para disfarçar as cicatrizes. Pensa
recorrer à cirurgia estética. Suponho que nunca o chega a fazer. Quando
apareciam fotógrafos Alfonso Capone apresentava sempre o seu perfil intacto, o
direito. Passaria a detestar a alcunha que o celebrizaria daí em diante,
Scarface.
Alfonso pensa vingar-se
de Gallucio. Gallucio recorre ao conselho de um assassino profissional, que por
sua vez marca consulta com um gangster cerebral e já afamado, de nome Salvatore
Luciana – mais tarde celebrizado como Lucky Luciano, homem temível, inteligente
e muito polido.
Calha que Luciano, dois
anos mais velho do que ele, andara à escola com Alfonso. Tinham nessa altura
feito ambos parte de um gang de adolescentes.
E também calha que
Luciano toma o partido do tal Gallucio das facadas – a honra de uma irmã tem de
ser defendida. E por causa disso Alfonso ainda tem a obrigação de apresentar
desculpas a Gallucio.
Alfonso tem de levar em
consideração o parecer de Lucky Luciano, figura já prestigiada no mundo do
crime, enquanto ele não passa de um gaiato de 17 anos, empregado de mesa e moço
de limpezas, desconhecido no milieu. Luciano era uma personalidade.
Alfonso não era ninguém.
Entre 1901 e 1903 para
cima de um milhão de sicilianos, 25% da população da ilha, emigrou para os EUA.
Uma vez lá chegados, competia-lhes arranjar trabalho. Muitos deles deles
acharam-se em altas dificuldades e juntaram-se aos bandos de rua.
Alfonso Capone, que não
era siciliano, era napolitano, transferira-se directamente dos bairros
miseráveis da Nápoles natal para os bairros miseráveis de Nova York – Brooklyn,
em pleno ghetto italiano.
O pai era
barbeiro. Na escola chegou a esmurrar um professor e depois disso nunca mais lá
apareceu. Teve vários trabalhos, mas preferia vigarizar os colegas ou estar à
coca à porta das escolas e roubar o dinheirito que os miúdos levavam para pagar
o almoço. Depois encontrou-se com Johnny Torrio, um homem cuja missão era
organizar como devia ser o crime na cidade de Chicago - Chicago, cidade
descrita por H.G.Wells como uma mancha de sombra debaixo do céu.
1919 – O Congresso dos
EUA proíbe a venda de álcool. A emenda que estabelece a interdição é ratificada
a 20 de Janeiro de 1920.
Os anos de proibição vão
revelar todas as potencialidades do crime organizado na América.
Os americanos
vão gastar por ano, em álcool, 5 milhares de milhões de dólares. E quem vai
prover à insaciável sede dos americanos vão ser dois estrangeiros, dois
italianos, Alfonso Gabriel Capone e Lucky Luciano. Só pelo contrabando do
álcool a indústria americana do crime vai gerar 5% do PNB americano. E o
gangsterismo vai adquirir um certo prestígio social, dado que até o presidente
Harding mandará servir na Casa Branca whisky
de contrabando.
Em Chicago, os gangs
rivais combatem rua a rua, casa a casa, pelo controle do contrabando. Do álcool
e do que mais vier. Pode-se dizer que a cidade é dominada por eles em quase
todos os aspectos da vida.
Big Jim Colosimo, chefe
do gang de quem Alfonso era homem de mão, chega uma noite a casa, entra o
vestíbulo, vê uma sombra a mover-se e nem deve ter ouvido os tiros que lhe perfuraram
os ouvidos e o cérebro.
A polícia não consegue
encontrar o assassino de Big Jim Colosimo, mas uma testemunha, o secretário do
próprio Colosimo, descreve a sombra assassina como um homem forte com a cara cheia de cicatrizes do lado
esquerdo.
O primeiro, ou um dos
primeiros, assassínios supostamente consumados por Al Capone, o que acabei de
referir, é encenado no filme Scarface, de Howard Hawks, de 1932 – e
sobre o qual escreverei um destes dias.
Só para polícias e
outros funcionários da autoridade de Chicago, Alfonso Capone distribuía por ano
qualquer coisa como 30 milhões de dólares. Para as suas despesas pessoais, Al
Capone reservava 300.000 dólares. Por semana. Tinha 3.000 homens a trabalhar
para ele. Na coluna das receitas, a facturação dos empreendimentos de Capone,
jogo, álcool, prostituição, montava aos 10 milhões de dólares. Por semana.
Capone tinha,
naturalmente, um motorista particular. Que se chamava Filipo Sacco: Capone
embirrava com aquele nome e aconselhou o chauffeur a adoptar um nome,
por assim dizer, mais… glamoroso, e por outro lado mais americano. E o Filipo
Sacco, motorista, começa a fazer-se de Johnny Rosselli, um nome de que estou
farto de falar neste blog a vários e criminosos títulos, e que tempos depois
estará no centro de muitos dos negócios da Mafia em Hollywood. Aliás, Rosselli
apanha um princípio de tuberculose e é o patrão, Capone, quem o manda à
Califórnia para se recompor e, ao mesmo tempo, estudar as possíveis
oportunidades de negócio que se oferecem na indústria do cinema. Johnny
Rosselli passará desde então a ser uma espécie de chefe da delegação da Máfia
em Hollywood.
O gang de Alfonso Capone obrigava os
trabalhadores a sindicalizarem-se. Não era, já se vê, pelos lindos olhos dos
trabalhadores, mas era porque a sindicalização do maior número proporcionava ao
gang grossos rendimentos. O gang obrigava os trabalhadores a
aderirem ao sindicato para meter ao próprio bolso o dinheiro das quotizações. E
tinham preferências. Preferiam os sindicatos fabris, os dos transportes e os
que enquadravam pessoal de bares e afins. Capone tinha um nº 2, Frank Nitti,
encarregado do caso, quer dizer, obrigar os trabalhadores a sindicalizarem-se à
força de ameaças – de morte inclusivé. Eram sindicatos livres, americanos,
democráticos. Felizes.
Chicago, à época da
Proibição, era um dos mais importantes centros cinematográficos da América. 1/5
dos filmes americanos dos anos 20 eram produzidos em Chicago e boa parte dos
indivíduos que se tornaram grandes patrões em Hollywood eram oriundos de
Chicago: Carl Laemmle, fundador da Universal Pictures; Adolph Zuckor, da
Paramount; Leo Spitz, da RKO. A norte da cidade ficavam estúdios de filmagem de
certa importância, e só não se produziam lá filmes de cow-boys por causa do mau tempo que assolava frequentemente a
cidade.
Nos começos de
Hollywood, os banqueiros mais conservadores entendiam o cinema como um sector
proibido, por incapaz de fornecer garantias de retorno de um investimento –
isso para além do irónico facto de ser domínio de judeus. Mas é o Banco de
Itália o primeiro a aceder emprestar dinheiro aos empresários de Hollywood. E fá-lo
na base de um princípio inatacável: àquele que controlar o negócio do cinema
será dado o poder de controlar o pensamento do mundo inteiro - é por essa razão
que os olhos deitados nestes meus textos, também e indirectamente, sobre a
democracia americana nos seus desenvolvimentos já do século XX, passe
essencialmente pela entidade emissora de ideologia, prática e comportamentos
que é o cinema, que foi Hollywood.
A Mafia compreendeu tudo
muito cedo, e compreendeu que para os seus negócios era tão indispensável
controlar Las Vegas como controlar Hollywood.
Dizem alguns analistas
que o mundo do cinema, concretamente o mundo hollywoodesco, pode ser tão duro,
ou mais, parecendo que não, do que o mundo marginal das mafias. O que não é de
admirar quando sabemos da forte implantação dos mafiosos nesse mundo do cinema.
O certo é que tanto a
Mafia como Hollywood, depois de infiltrada pela mesma Mafia, funcionavam como
sociedades secretas, inexpugnáveis aos não-iniciados, aos estranhos, e onde
reinava a mística da omertà siciliana, a lei do silêncio, o segredo.
Para dar uma fachada de
respeitabilidade ao negócio, os primeiros magnates da indústria recorreram aos
serviços do célebre inquisidor e censor William Hays – autor do chamado Código
Hays que censurava moralmente os produtos de Hollywood.
Acontece então, em
1920, na vida privada de uma estrela de então, o cómico Fatty Arbuckle, um
escândalo que mete orgias sexuais e um assassinato. E é então que a indústria,
para se proteger, deita mãos ao moralista Hays de modo a abafar o caso.
E os homens fortes de
Hollywood perguntaram-se: se houve quem se saísse bem na vida a fazer todo o
tipo de contrabando atrás da fachada legal de empresas de limpeza a seco,
porque não usar esta técnica de disfarce com a indústria do cinema?
Aos 25 anos Alfonso
Capone estava fabulosamente rico. Rico, mas entalado numa guerra de gangs. Rico mas histérico e esquizofrénico
e bipolar e o mais que se quisesse, permanentemente a alterar a exaltação com o
desespero. Rico, mas completamente agarrado pela cocaína.
E Chicago
estava a ferro e fogo. Chicago estava nas mãos dos gangs. Reinava a anarquia criminosa. Nos anos 20, num curto período
de quatro anos, deram-se em Chicago muitos assassínios, e, entre esses, 200
deles nunca a polícia os soube, pôde, ou quis resolver.
Acontece que, sabedores do sucesso
fulgurante de Capone no contrabando do álcool em Chicago, os seus congéneres em
Nova York tiveram sempre em vista a ambição de o ultrapassar. Capone produzia
em Chicago a sua própria cerveja e o seu próprio whisky, e os bares que controlava em Chicago eram providos de caves
de acesso interdito à maioria do público e onde o álcool corria. Caves que
estava ligadas entre si por quilómetros de corredores subterrâneos que
possibilitavam cargas e descargas clandestinas, tanto quanto eram utilíssimos
para fugas quando era caso de alguma rusga policial.
É pelo fim do ano de 1927 que Alfonso
Capone visita pela primeira vez Los Angeles. Em Los Angeles abundava a cocaína
e os milhares cheios de ilusões que aguardavam a sua oportunidade na indústria
do cinema – entretanto tornada a quinta indústria mais importante da América:
Hollywood empatava mais dinheiro a imprimir os filmes do que o Tesouro a cunhar
moeda. Capone ia estudar atentamente as chances que se lhe ofereciam ao negócio
e entretanto investia umas centenas de milhão de dólares na aquisição de propriedades
na Califórnia do Sul.
Em Los Angeles, Alfonso Capone instala-se
no Biltmore Hotel e prepara-se para visitar Hollywood.
Capone, segundo alguns comentadores, estava
agarrado por uma droga que se dizia ser ainda mais perversa do que a cocaína: a
publicidade. Ele era o modelo do gangster-estrela.
E adorava esse estatuto. Dava conferências de imprensa muito concorridas,
recebendo os jornalistas na sua suite do Biltmore. Fazia vender jornais, logo,
era um produto muito rentável a explorar. Acusavam-no os jornalistas de
assassinar pessoas, mesmo numa sociedade tão democrática e puritana, gente que
ele tomava como rivais. Capone ouvia-os e ria que nem um perdido. Era um homem
de negócios e os assassínios não eram nada boa coisa para o negócio.
Los Angeles era uma cidade aberta onde não
havia donos para o crime. Um El Dorado para Capone. Era só questão de se pagar
bem a polícias, a promotores públicos, a advogados e a juízes e a protecção das
actividades ilegais estava garantida – fala-se de álcool, cocaína, jogo e
prostituição. Em Los Angeles, só os casinos e as casas de prostituição podiam
render à Mafia os seus 50 milhões por ano. Houve delegados, promotores, magistrados,
comissários de polícia, advogados e juízes enviados pelo governo a Los Angeles
para pôr um fim à corrupção, mas todos eles, perante a cultura da cidade e o
espectáculo que nesse aspecto a cidade lhes oferecia, preferiam fechar os olhos
e deixar-se corromper também pelas generosas gratificações mafiosas.
Capone chega a ser visitado em Los Angeles
por agentes da autoridade. Recebe-os gentilmente – era um cavalheiro cheio de
charme, diga-se de passagem – oferece-lhes um café, nada tem a ver com actividades
ilegais, é um turista em gozo de férias. E dedica-se a visitar os estúdios de
cinema. E também as residências das míticas vedetas. Fica especialmente
impressionado com a casa de Mary Pickford e Douglas Fairbanks. Tudo lhe cheira
a dinheiro fácil.
Numa noite em que Capone regressa ao hotel
depois de uma das suas visitas a Hollywood, encontra a rua pejada de gente,
polícias, jornalistas, fotógrafos, pagode. É intimado a abandonar a cidade.
Johnny Rosselli, o antigo motorista Filipo Sacco, e agora delegado de Chicago
em Los Angeles, intermedeia a crise e propõe que Capone e a sua equipa fiquem
uns tempos na sua própria casa. A
polícia recusa. No dia 12 de Dezembro desse ano de 1927, Al Capone e respectiva
entourage são escoltados pela polícia até à estação ferroviária de Santa Fé e
despachados em grande velocidade para Chicago. Capone vai fascinado com o
estilo e a vida das stars. Há uma margem imensa de vigarices a
experimentar em Hollywood e ele pensa instalar-se por lá em definitivo.
- Fiz
muito dinheiro em Chicago, tenho muito ainda para gastar em Hollywood -
diz ele a um jornalista do Los Angeles Times. - Não pensem que se livram de mim assim com duas cantigas. Voltarei. E
mais breve do que julgam.
Mas por acaso nunca mais voltou.
Os
negócios duros de Chicago ocupavam-no a tempo inteiro. Havia que tomar conta
dos novos gangs entretanto
decapitados dos respectivos chefes. Havia que andar de olho nos outros gangs activos e exterminá-los logo que
possível. Resta-lhe a solução de enviar a Hollywood o seu irmão Ralph. E Ralph
Capone, em vista das centenas de dólares que os magnates e as estrelas de
cinema dispendiam nos restaurantes de Hollywood e de Los Angeles, começa a
ameaçar os proprietários no sentido de estes lhe venderem os negócios ao mais
baixo preço.
Penso poder jurar que todos os leitores
deste blog já viram o filme Quanto Mais Quente Melhor. Muito bem. Quero
falar em especial da cena em que os dois músicos desempregados de Chicago, Jack
Lemmon e Tony Curtis, entram por acaso numa garagem para irem buscar o carro de
uma namorada e são testemunhas de um ajuste de contas da Mafia, sob a forma de
um assassínio colectivo, em massa.
Os dois músicos são detectados pelos
assassinos, estão para ir também desta para melhor por serem testemunhas
perigosas, mas conseguem fugir. Sentem-se perseguidos. Disfarçam-se de mulher e
conseguem emprego numa orquestra feminina itinerante – orquestra em que Marilyn
Monroe toca okulele – e vão dar a Miami. E logo com tanto azar que em Miami se
vai realizar uma espécie de convenção de mafiosos, e que depois de muitas
peripécias eles são detectados e perseguidos.
O filme é uma obra-prima da comédia
cinematográfica, mas o ponto de partida é uma charge ao que sucedeu de facto em Chicago no dia de S . Valentim de
1929. Al Capone não vê alternativa senão destruir para sempre e de uma vez só o
gang que se lhe opõe, chefiado por um
tal George Bugs Moran. O quartel general deste Moran é justamente numa garagem
em North Clark Street. E nesse dia 14 de Fevereiro de 1929, dois polícias
entram na garagem, ordenam aos homens de Moran que lá estavam para se virarem
para a parede. Os gangsters de Moran pensam que se trata de uma rusga normal, a
que já estavam habituados, e obedecem. Entretanto, aparecem dois tipos à civil
e esvaziam sobre os homens de Moran virados para a parede os carregadores das
suas metralhadoras.
Claro que os policias eram falsos, eram
gente de Capone disfarçada, e entre esses estaria um certo Sam Giancana, que
anos mais tarde ocuparia o lugar do padrinho da Mafia de Chicago, amicíssimo de
Frank Sinatra, por sinal, como já tivemos ocasião de verificar em textos
anteriores.
No filme Quanto Mais Quente Melhor
não se fala do nome de Capone, mas é fácil de atingir que o gangster bem vestido, de polainas
brancas, a quem chamam de Spats (polainas) Colombo não é senão uma figuração de
Capone. E o engraçado é que, no filme, o papel de chefe do gang, ou seja, de Al Capone, é desempenhado com muita propriedade
por aquele tal actor muito tido e achado nos meios mafiosos de que já aqui
falei, George Raft.
Nos dias seguintes, a imprensa comentou o
massacre de S. Valentim sempre no pressuposto de que fora obra de polícias
comprometidos nalgum caso de corrupção. Com o andar do tempo, vem a
descobrir-se que se tratara de uma encomenda de Capone e tornou a haver
pressões sobre a autoridade do estado federal. Havia que fazer alguma coisa
para pôr fim ao crescimento do gangsterismo e consequentes carnificinas.
Quem ficou preocupado a sério com o
audacioso golpe de Capone para se descartar do gang chamado de North Side, foi
Lucky Luciano no seu quartel general de Nova York. Curiosamente, a Mafia
novaiorquina onde pontificava Luciano, era chamada de Sindicato.
Lucky Luciano era um criminoso de vistas
largas, correctas e democráticas, e projectava
reestruturar e modernizar o mundo do crime organizado. Desse processo não fazia
parte o recurso a massacres como o de Chicago do dia de S. Valentim. É então
que Luciano convoca todos os chefões mafiosos para uma reunião magna atinente à
adopção de novos processos. Mas tudo teria de ser feito democraticamente – sim,
senhores, o crime foi também uma instância da democracia americana. É essa
convenção mafiosa que Billy Wilder retrata com pilhas de graça em Quanto
Mais Quente Melhor. No filme, o conclave terá lugar em Miami; na realidade,
aconteceu mesmo, entre 13 e 16 de Maio de 1929, no President Hotel, de Atlantic
City. E lá apareceram os nomes mais sonantes do crime americano da época,
Capone, Lucky Luciano, Alberto Anastasia, Bugsy Siegel, Longy Zwillman. A
imprensa estava presente.
Luciano propõe exactamente a formação de
uma comissão de âmbito nacional onde, democraticamente, todas as famílias
estivessem representadas, e ficando democraticamente assente que todo o
assassinato a ser cometido só o seria depois de autorizado pela tal comissão.
Tudo claro, limpo, democrático.
- Se
os tiroteios e os massacres não acabam depressa, não faltará muito para
estarmos todos inscritos no desemprego – tirada final da alocução de
Lucky Luciano.
Que diria a isso o napolitano Mister
Alfonso Gabriel Capone?
Sim, alguém pergunta ao empoado Alfonso
Capone se está disposto a apresentar-se voluntariamente à prisão e cumprir uma
levíssima pena, só para aplacar a opinião pública e fazer as coisas acalmarem.
A resposta de Capone foi levantar-se de repente, atirar com a cadeira e
desferir um irado chorrilho de obscenidades, gritando:
- Deixem
lá, rapazes, descansem… descansem que vocês ainda vão ouvir falar de mim!
Discutido o melindroso item com os seus
conselheiros, Capone teve de dar razão ao seu inimigo de infância, Lucky
Luciano. A prisão podia resultar numa chance para ele.
Dois dias depois, Capone e um dos seus
capangas são detidos por posse ilegal de armas e levados para a penitenciária
de Filadelfia. Os polícias que o foram
prender, claro, faziam parte da lista de pagamentos do gang. Aliás, Capone pagou 20.000 dólares a cada um deles pela sua
própria prisão. Dez meses de prisão numa cela atapetada, telefone para longa
distância, cómoda, sofá e um rádio.
O telefone do irmão,
Ralph, que ficou à testa dos negócios, é que estava sob escuta, e por aí a
policia tomou conhecimento de muitos dos negócios ilegais de Capone,
designadamente, e em tempo de lei seca, uma quantidade de cervejarias. Essas
cervejarias clandestinas começam então a ser invadidas e destruídas pela
polícia federal.
O homem que vai andar
furiosamente na cola de Capone é um detective federal chamado Eliot Ness,
imortalizado pela televisão e por um filme de Brian de Palma, Os
Incorruptíveis - com o Kevin Kostner
A guerra mais a sério contra Capone arranca
depois de o presidente Hoover ter visitado em Miami Beach um bairro de gangsters. Hoover afirmou ter visto
mulheres nuas a dançar em volta de uma fogueira enquanto alguns dos gangsters disparavam para o ar.
Não sei
se o que impressionou mais o presidente Hoover foram as mulheres nuas se os gangsters aos tiros. O que se sabe é que
Hoover declarou que era finalmente preciso fazer alguma coisa contra aquele
estado de coisas.
A Capone teríam que lhe pegar pelo lado da
contabilidade. Da contabilidade com o fisco. Mas começariam pelo nº 2 de
Capone, Frank Nitti. Calcularam-lhe os ganhos e as despesas e não viram
documento probatório de que tivesse algum dia pago impostos. Cadeia com ele. 18
meses. E multa de 10.000 dólares.
A seguir foi o irmão de Capone, Ralph. Três
anos numa penitenciária do Kansas.
Al Capone nunca conseguiria realizar o
sonho de voltar a Los Angeles e por lá se radicar. E assim porque nunca
conseguiu infiltrar-se nos sindicatos do crime que dominavam Hollywood, roubando
as quotizações aos associados, extorquindo dinheiro aos estúdios. Não o fez
Capone em Hollywood. Mas houve muito quem o fizesse.
A Proibição acaba em 5 de Dezembro de 1933.
Às mafias toca-lhes inventar novos meios de enriquecimento ilícito. Hollywood
acena-lhes. Hollywood é uma tentação.
E Capone tem sucessores em Chicago.
Sucessores mais modernizados e profissionais do que ele, e que planeiam alto e
em grande. Por exemplo, apoderarem-se das grandes companhias produtoras de filmes.
Faz pensar que o chamado "sonho americano", utopia almejada por tantos....tenha como base criminosos deste calibre. Até podemos recuar ao filme de Scorcese "Gangters de Nova Iorque".
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