OIKONOMIKÉ
Atenas.
Porto do Pireu. Século IV.
O pai do poeta Hesíodo está no Pireu pronto para se
fazer ao mar em “negro barco”, à procura do lucro aleatório em Acra, remédio
único para escapar “às dívidas e à amarga fome”, navegando cinquenta dias no
pleno verão quando se apanha um mar menos perigoso.
Os gregos começam a competir nas trocas comerciais
do Mediterrâneo.
Chegam até nós,
graças à importância da nossa cidade, os produtos de toda terra, e os bens
produzidos por nós já não são só nossos mas também do resto do mundo – disse Péricles (citado por Tucidides).
As atividades do porto do Pireu desenvolvem-se. A
cidade começa a dedicar mais atenção à vida comercial, até então ferida de
indignidades, agilizando as vias de comunicação e exportação, assim como a
organização fiscal e o aumento dos impostos a cobrar aos mais ricos, se quer gerar
receitas que permitam o bom funcionamento das instituições.
Só os
atenienses podem ter nas suas mãos as riquezas dos gregos e dos bárbaros. Se um
Estado é rico em madeira para a construção dos barcos, onde a venderá se não se
entender com o povo que é senhor do mar? (Idem.)
Inicia-se a ação da magistratura financeira. Chamam-se
os técnicos, o mais notável deles Licurgo, o grande administrador da cidade que
leva a tribunal os imprudentes e desonestos concessionários das minas.
Os cidadãos ricos começam a desinteressar-se dos
assuntos da cidade em benefício dos seus negócios privados e são por isso censurados
pelos oradores do areópago, tanto quanto o são os mais pobres que depois da
perda do império perderam soldos, despojos de guerra e concessões de terras e vivem
agora dos subsídios provenientes das representações dramáticas.
O nosso país é
o que oferece mais prazeres e mais lucros aos comerciantes, porque possui os
refúgios mais cómodos e mais seguros para os navios, que uma vez ancorados
podem descansar sem receio do mau tempo –
disse Xenofonte.
Quando começou a colonização, os gregos começaram
a emigrar e a falta de terras obrigava-os a fazer-se ao mar em busca de terras
novas.
A posse da terra era fonte de preocupações e conflitos.
Os gregos viviam na cidade, que significava a forma superior da organização
humana, mas era a terra que garantia ao grego os meios de subsistência e era a
agricultura a atividade principal da comunidade.
O bom funcionamento da cidade exigia dos membros
da comunidade que fossem proprietários rurais, e sendo esses os únicos a
considerar como cidadãos; e sendo também que, para fechar o círculo dos
dilemas, só poderia ser proprietário aquele que fosse cidadão.
A questão é que a terra helénica não era fértil,
com exceção das terras produtivas do Peloponeso, e os cereais tinham que vir do
Egipto ou da Cirenáica.
Em Atenas, os proprietários trabalhavam
pessoalmente as terras “ricas em abelhas, ovelhas, bagaço de azeitona, a cheirar
a vinho novo, a lã, aos caniços para o queijo, a abundância”, e os pequenos e
médios proprietários eram a massa da população.
Foi a guerra do Peloponeso a dar cabo da relativa
prosperidade desses pequenos e médios proprietários rurais, obrigados a
abandonar as terras e as casas.
Aristófanes, o comediógrafo, dedica-se ao assunto
numa peça em que põe uma personagem a vaticinar a hipótese de entregar o poder
às mulheres, o que implicaria o risco de coletivização dos bens, única maneira
de acorrer aos que nem um palmo de terra tinham para serem sepultados.
É essa miséria e fome dos camponeses que se vestem
de andrajos e se alimentam das “folhas de nabo raquítico” a dar azo às
reivindicações revolucionárias que pretendem a divisão das terras e o perdão
das dívidas.
O proprietário também podia entregar o cultivo da
terra aos escravos de confiança. Acabada a colheita, os escravos entregavam-na
ao proprietário. Porém, a pobreza podia obrigar os homens livres a fazer
trabalho de escravo.
No século IV a agricultura era fonte de rendimentos
elevados quando se vendia a madeira e o vinho e se especulava nos preços. A
cidade apoiava-se nos proprietários rurais, e por aí se compreende as lutas que
rebentavam no sentido da repartição mais justa da posse das terras.
Derivadas do movimento cívico do século VII, que
tinha como motivo justamente a desigual repartição da propriedade fundiária,
surgem as tiranias. E daí Aristóteles propor como modelo mais próximo da cidade
ideal uma república de camponeses.
Também Esparta era uma cidade de proprietários de terras,
todavia não sendo esses de considerar como camponeses. Na Lacónia viviam os
camponeses escravizados, os hilotas, um perigo para os espartanos pelas
constantes revoltas que armavam.
Quem não tinha estatuto eram os artesãos. É Xenofonte
quem o diz: os ofícios chamados
artesanais estão desacreditados e são desprezados nas cidades.
Porque o
trabalho artesanal arruinava a vida dos operários, obrigava-os a uma vida
caseira, sempre sentados nas oficinas, junto do fogo, sem tempo livre para os
amigos e para a vida da cidade.
Quem
exerce tais ofícios é um indivíduo mesquinho, tanto nas relações com os amigos
como na ajuda à pátria.
E nas cidades guerreiras (Esparta) proibiam-se terminantemente
os cidadãos de se dedicarem ao artesanato.
Em Atenas, entretanto, e sob a tirania dos Pisístratos,
com os cidadãos cheios de dívidas e desprovidos de terras para cultivar, o
artesanato desenvolve-se rapidamente. Os tiranos estimulavam as construções
públicas, cunhavam as primeiras moedas de que há notícia como consequência da
exploração de minas de chumbo, assim ativando uma política de expansão marítima,
que Temístocles e Péricles vêm a desenvolver no século seguinte.
É o segundo quartel do século VI que marca a
aparição da cerâmica das figuras negras, a que se segue a das figuras
vermelhas. É a cerâmica ática a vai destronar a cerâmica coríntia.
Aristóteles, no Livro I da Política liga a invenção da moeda às necessidades das trocas
comerciais. A moeda era um instrumento de medida de valor dos bens trocados,
mantendo as reciprocidades na comunidade cívica.
E é quando Atenas começa a cunhar moeda que a
exploração mineira regista um maior incremento, meados do século VI. As minas
eram propriedade do Estado, que as concedia de exploração a privados, naturalmente
contra o pagamento de uma renda.
O tratamento dos minerais desenvolve a cidade e
muito em função dos impostos, além de ocupar os cidadãos mais ricos, ao contrário
do que podia acontecer com a atividade artesanal.
Além das minas, a cidade fomenta a construção
naval, que serve de escoamento profissional para os pequenos artesãos livres, a
trabalhar nela em conjunto com os escravos.
Instituição e atividade muito antiga e que
implicava muito capital de matéria-prima e mão-de-obra de cidadãos e de pessoal
das colónias era a indústria das armas.
O grande Demóstenes era proprietário de
uma dessas fábricas, onde tinha 30 escravos a trabalhar e lhe dava de
rendimentos 300 dracmas/ano. Tinha herdado do pai provisões de marfim e ferro
que o incentivaram a dedicar-se à indústria.
Claro que essa indústria ateniense de armas
poderia hoje chamar-se indústria de defesa nacional. Produzia os previsíveis e
cortantes instrumentos, espadas e lanças, mas não só isso, também escudos,
elmos, capacetes e penachos.
A propósito, Aristóteles não conferia ao artesão
estatuto de cidadão da cidade ideal. No entanto, ainda aceitava o caso de
artesãos cidadãos numa cidade onde reinasse a oligarquia, e por estes artesãos
fabricantes de armas serem homens muito ricos – entre os 5.000 cidadãos a quem a
certa altura tinha sido retirada a cidadania por não serem proprietários de
terras, havia uma quantidade considerável de homens ricos, que vieram a assumir
o poder nos fins do século V.
Também os curtidores eram homens ricos, os sapateiros,
os que trabalhavam o couro bruto
E o oleiro e o pintor eram homens livres com direito
a assinarem os seus trabalhos.
- Quem é essa gentalha que te intimida? – pergunta
Sócrates ao jovem Cármides. - São sapateiros, carpinteiros, ferreiros,
traficantes que vendem por muito o que compraram por pouco. É essa a gente que
constitui a assembleia do povo.
Exacto: no seio da democracia ateniense, artesãos
e comerciantes juntavam-se aos camponeses no poder de decisão das assembleias
do povo.
Mas o comércio era ocupação para marginais. Era ocupação
de camponeses endividados, de filhos mais novos atirados para fora da herança
de família e dos rendimentos, e que por isso largamente se endividavam também.
E para tanta dívida, a salvação estava ali no
porto do Pireu, estava no mar. Estava no lucro chorudo do que quer que
vendessem, desde que o tivessem comprado por baixo preço.
As dívidas, questão grega muito antiga.
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