PÒLEMOS
Esparta. Século VII.
A cidade está a formar-se, e um novo
modelo de guerreiro aparece, o hoplita.
O hoplita protege-se no combate com
grevas, elmos, couraças de bronze, escudo redondo de 80 cm. de diâmetro, feito
de peles, ou de vimes, ou de madeiras sortidas. A novidade hoplita está no
escudo, que era primeiramente usado ao dependuro do pescoço e passou a ser
aplicado ao antebraço por uma braçadeira de bronze e uma correia a funcionar
como pega.
Uma alteração no equipamento combatente
com as suas consequências, parecendo que não. O hoplita passaria a ter só o
braço direito para trabalhar com as armas de ataque (a lança de madeira com
dois metros e meio de comprido, pontiaguda de ferro ou bronze, a espada curta
para os episódios de corpo-a-corpo), ficando-lhe o flanco direito a descoberto,
ou a ser coberto pelo camarada de linha à sua direita, num contexto de falange
compacta quanto possível.
E quem tinha bastantes meios de fortuna
parasse prover de equipamentos e armaria tão sofisticados? Seria um caso a ver.
Na certeza de que, sequentemente à inovação, no recrutamento atender-se-ia a
quesitos económicos, de fortuna pessoal, alargando o campo desse recrutamento
até aí limitado a uma aristocracia militar tradicional e de casta.
Criava-se no corpo cívico a falange
hoplita. Não se sabe de tal criação ocorreu de um momento para o outro ou se
foi efeito de sucessivas experimentações. Foi, parece, uma revolução nas
táticas de combate, implicando a subalternização da cavalaria. Pode ter sido
motivo de transformações sociais e políticas, dando lugar ao aparecimento das
tiranias.
Mais tarde, o equipamento hoplita
aligeirava-se. Braçadeiras, proteções contra as setas, segunda lança utilizada
como dardo: tudo fora. A couraça de bronze pesava muito, dificultava a
mobilidade, e por isso deixa de ser de bronze; ou deixa mesmo de ser couraça,
passa a ser um casaco de linho (ou de couro) reforçado a placas de metal.
Continuava a ser investimento vultoso:
cem dracmas, igual ao salário de três meses de um operário qualificado. No
século V grego tal esforço financeiro só estaria ao alcance de algumas classes
sociais.
A batalha que esperava os hoplitas
envolvia aspetos de competição desportiva (agon).
Tudo começava com a cerimónia dos sacrifícios e ações de graças aos deuses, o
campo era delimitado, e o combate era leal, ritualizado, sem táticas ou efeitos
de surpresa.
Definia-se o campo num acordo entre
inimigos, uma planura agrícola, de um modo geral.
As falanges dispunham-se e
compactavam-se em fileiras, oito em regra. A pressão teria de ser coletiva e os
espaços entre os homens, se por um momento vazios, eram rapidamente
preenchidos. O espaço entre cada combatente da mesma falange não podia exceder
o metro: 10.000 homens estendiam-se num campo com cerca de dois quilómetros e
meio. Os cavaleiros e as tropas mais ligeiras ocupavam-se das alas com a missão
de evitar movimentos contrários de envolvimento e cerco e procurar lançar a
confusão nas linhas inimigas.
Invocava-se o favor divino. Arrancava-se
em marcha ordenada ao encontro do inimigo – marcha ordenada que ia aumentando
de velocidade até ao passo de corrida. No caso dos espartanos a marcha
prosseguia num silêncio aterrador, no dizer dos historiadores militares. Quando
muito, ouvia-se o som da flauta. Os não espartanos motivavam a própria
agressividade pelo som da trompa, pelo grito, pelo cântico de ataque.
As duas falanges chocavam-se franca e
estrepitosamente com muito poucas manobras de flanco. A tendência natural de
uma falange era deslocar-se sobre a direita, em oblíquo, o que se explica pelo
movimento instintivo para o lado oposto ao escudo, na tentativa de não descolar
da proteção que era assegurada pelo companheiro da direita.
As alas acabariam por decidir a sorte da
batalha. A ala direita que conseguisse romper podia desarticular a falange
oposta, pois não havia tropas de reserva, e nem os comandantes tinham meio de
alterar o sentido dos acontecimentos. Era então o pânico. Era a infernal
confusão.
Os desfeiteados deitavam a fugir, os vencedores perseguiam-nos, mas
não muito, e ao vencido era concedido recolher os seus mortos.
O vencedor entoava o hino de vitória,
honrando Dioniso e Apolo. Levantava-se no campo um troféu de madeira decorado
com armas arrebatadas ao inimigo vencido. E regressava-se a penates, e
festejava-se com orações, sacrifícios e banquetes.
A infantaria hoplita nas cidades
helénicas passava a ser a arma nobre e iria decidir o resultado de muitas
guerras que a História registou.
De notar que as batalhas eram para ser
resolvidas rapidamente, uma manhã de recontro e chegava, quem ganhou ganhou,
quem perdeu perdeu. Não havia apelo de espécie alguma.
E de notar também que, pela mesma razão,
a batalha hoplita não chegava a retirar o cidadão combatente das suas ocupações
costumeiras. As batalhas travavam-se no termo das fainas agrícolas, dias, ou
poucas semanas, depois, e em data acordada entre os contendores, geralmente no
verão, para garantir as colheitas, deixá-las em condições propícias ao vencedor
para delas se apoderar.
Os civis mobilizados apresentavam-se
munidos das provisões para a viagem, e para o resto da logística contava-se com
os produtos do saque e com os vendedores ambulantes que sempre apareciam nas
imediações de uma batalha, obviamente na mira de um lucro melhorado. Cada um
levava as suas armas, os seus equipamentos e trajos de campanha, e daí se
subentende que o aspeto destas tropas não era uniformizado, se excetuarmos as
tropas espartanas, que não prescindiam no combate das suas magníficas túnicas
vermelhas.
Os homens gregos estavam muito calhados
na guerra. Eram belicosos, pode dizer-se. A clássica Atenas estava em guerra
mais ou menos dois anos em cada três, e por dez anos seguidos não soube o que
era a paz.
E a paz era a abundância, a alegria, o
disfrute dos prazeres da vida. A guerra eram as prolongadas abstinências de
tudo isso, cansaço, dores, tristeza.
Platão: é na paz que se deve viver o melhor que se puder a maior parte da nossa
existência.
Aristóteles: a paz é o fim
último da guerra, como o descanso é o fim último do trabalho.
Máximas, é bom que se diga, que muito dificilmente se aplicavam a
Esparta.
Mas para os historiadores gregos só a guerra parecia ser matéria
digna de menção e memória, e tema condutor das respetivas obras: as guerras
pérsicas (para Heródoto), Peloponeso
(para Tucidides), imperialismo romano (para Políbio).
No quotidiano eram os cidadãos que se afligiam permanentemente. Para
o ateniense, obrigação de ir à guerra fixava-se entre os 19 e os 59 anos. Não
era brincadeira – ainda que no ativo operacional o limite fossem os 49 anos e o
resto na reserva. E era imprescritível competência das assembleias populares
decidir a respeito da guerra.
Na família, a figura central é o guerreiro, e em volta dele as
relações se articulam. Na religião, se se lhe pode chamar assim, a cada uma das
figuras divinas vai conferido um sentido funcional militar. E o valor moral de
um homem respeitável assenta na coragem. Coragem que não se mede somente no
alto significado social de disfrutar da “bela morte” em campo de batalha, mas,
antes disso, na luta íntima contra as paixões mesquinhas.
A mais ignominiosa e desonrosa das guerras era a guerra civil, a stasis, vista como um guerra travada
dentro da própria família, com membros da mesma comunidade a lutar entre si.
Guerra realmente nobre e muito prestigiante, a pòlemos, era, sim, a guerra entre as diferentes comunidades, e
ainda assim combatida em condições éticas aceitáveis. A guerra selvagem, dita
guerra de lobos, era escândalo, era transgressão imperdoável às regras da
convivência e da justiça.
A guerra aceitável cumpria, à partida, a formalidade de ter que ser
declarada nos devidos termos. Depois, o cumprimento escrupuloso dos sacrifícios
(o respeito aos deuses era a exigência maior). Depois, o respeito pelos lugares
sagrados. Depois, o respeito pelas pessoas, fossem arautos, fossem suplicantes,
fossem peregrinos; pelas pessoas e pelos concomitantes atos dessas pessoas, os
juramentos à divindade nomeadamente. Depois, a obrigatória concessão aos
vencidos de resgatarem os seus mortos. E por fim, a severa abstenção de
crueldades gratuitas, injustificáveis mesmo em guerra.
Quanto às causas que poderiam provocar uma guerra, bem, temos uma
muito simples, a de querer ter mais, mais fosse o que fosse, mais riquezas,
evidentemente; e também obter escravos (para os vender, o que ia dar no mesmo),
açambarcar comida (as abundâncias naturais escasseavam).
A guerra era uma arte, além do mais, a arte de obter pela força
meios suplementares de vida, e sendo por outro lado a paz entendida como a arte
de usufruir o que se conquistava na guerra.
Diga-se entretanto, e segundo os entendidos, que numa guerra
ofensiva o que se avaliava menos eram os lucros em dinheiro e mais os lucros em
despojos de diversa ordem. Prisioneiros: que se trocavam por um resgate; ou se
vendiam (lá está) aos mercadores de escravos; ou se utilizavam, é evidente,
para aumentar o contingente de escravos do vencedor. Gado: que se capturava nos
campos circunvizinhos às batalhas. Produtos agrícolas prontos a colher. Metais.
Tecidos. Utensílios. Não falando da conquista de novos territórios, claro está,
e do recebimento dos tributos.
O Estado apoderava-se dos territórios conquistados, dos tributos,
dos metais preciosos apanhados nos saques e dos lucros da venda de
prisioneiros. Ao soldado combatente cabiam os bens de consumo arrebatados aos
vencidos e os equipamentos. Também era preciso compensar os comerciantes e
senhores da guerra pelas despesas que faziam para melhorar o rancho dos seus
soldados e em eventuais aquisições de armamento, e a esses cabiam as presas de
mais qualidade.
E assim se passava a ser soldado porque se era cidadão e nunca o
contrário. O exercício das armas era expressão de privilégio de um complexo de
posições sociais e de estatutos que representavam os diversos aspetos e valores
de uma cidadania.
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