A AUSTERIDADE NÃO É CANCERÍGENA
É o que nos vale. A austeridade trata-nos
da saúde, inibe-nos a gula, afasta de nós os meios de chegarmos aos sangrentos bifes,
às capitosas chispalhadas, aos gulosos churrascos, às patas mais negras de um presunto.
E a OMS é mais um
elemento desestabilizador da nossa vidinha. A OMS lançou o pânico sobre os
devoradores de tornedós, sobre os indefectíveis do cozido à portuguesa, e até
sobre os que, tocados pela austeridade, não podem almoçar todos os dias muito mais
do que uma desenxabida sandes de fiambre.
A OMS veio
informar-nos de que, para o caso do cancro, era igual fumar um cigarro ou
degustar uns ovos com bacon. Dá
cancro na mesma.
Os restaurantes proíbem os fumadores por
causa do cancro do pulmão, porque escolheram colaborar com o cancro do cólon e
fornecem bifes. E se à volta de 80% de tudo o que comemos faz mal e pode matar (pelo
menos na opinião da OMS), os restaurantes estão a cumprir o seu papel.
E melhor estariam se se criassem
compartimentos em que cada cliente pudesse escolher o cancro da sua simpatia: de
um lado os tabagistas agarrados ao cigarro e a tratar do cancro do seu pulmão
de volta de uma cabeça de pescada; do outro os anti-tabagistas limpos de fumo e
a convocar o seu cancro colo-retal retalhando um alto bife da vazia.
Pois foi mau, e foi desmoralizante, o
comunicado da OMS, para os que andam há anos e anos a querer evitar o cigarro
continuando a almoçar secretos, pianos e bochechas de porco. Uma desilusão para
os que, em prol da salvação da sua alma e do seu corpo, se privaram do seu whiskyzito dos fins de tarde (porque o
álcool dá cirrose) mas continuaram a enfardar salsichas enroladas em
couve-lombarda. Já não bastava a proibição das alheiras por mor do botulismo. Para
se promover uma vida ainda mais insípida tinha que se chegar ao cachorro
quente.
O cancro está escrito no volumoso livro da
nossa vida. Não há escapatória.
Ou há, claro que sim. A fome. Neste estádio
empolgante do progresso civilizacional a fome passa a ser o mais saudável dos
exercícios físicos. Não engorda e pode evitar o cancro. Assim como, por decorrência,
a austeridade é factor de boa saúde enquanto indutora da fome.
Numa vida de austeridade o perigo do cancro
é muitíssimo atenuado. A austeridade é entidade anti-cancerígena por excelência
nesta vida de sanitarismo e de correcções incansáveis que levamos (correcção
política e correcção alimentar).
Quem foi condenado ao desemprego e não
conseguiu emigrar para paragens mais alimentícias pode estar livre do cancro.
Se não tem dinheiro para tabaco salva-se do cancro do pulmão, do badagaio
vascular e dos enfartes (de feijoadas ou de miocárdios). E se já estava livre
do cancro do fígado por falta de verba para as copofonias, também pode ficar a
salvo do cancro intestinal por falta de dinheiro para as bifalhadas.
Mal estão os alemães, os ingleses, os
franceses ou os belgas, ou outros dos prósperos, dos assisados de orçamento, suecos, dinamarqueses. Têm
dinheiro que chegue para lidar com bifes, chouriços e presuntos, é certo, mas
pela letra da OMS estão condenados ao cancro. Não tenho muita pena deles. O
parecer da OMS é a vingança dos pobretanas que foram comendo carnes até à insustentabilidade
da sua dívida pública, a qual finalmente os veio a inibir de festins
pantagruélicos.
Por isso recomendo: bebamos à saúde da troika.
Emborquemos o nosso último copo, fumemos o nosso último charuto, comamos o
nosso último bife de novilho: a troika e a sua austeridade não-cancerígena está
a salvar-nos a vida.
Finalmente vemos esta Fenix fantástica a renascer. Para nosso gáudio e desepero dos "lapiz azuis" que silenciaram as Questões de Moral, o melhor programa de sempre das nossas ondas sonoras
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