segunda-feira, 25 de abril de 2016


         shakespeare 400 – polanski

                  
 
Nos dias da sua juventude, inspirado pelo visionamento do Hamlet filmado por Laurence Olivier, Roman Polanski leu quase todo o Shakespeare em polaco e sempre com ela fisgada: como é que tudo aquilo resultaria em filme – quer dizer, num filme dele, evidentemente.
 
 
Muitos anos depois, lembrando as leituras de Cracóvia, aquele Shakespeare, aquele desafio, entendeu ele que era tempo de deitar mãos ao trabalho.
Passou em revista as grandes tragédias que já haviam sido tratadas em cinema e verificou que faltava Macbeth. Ou antes, a bem dizer não faltava, então e Welles?, então e Kurosawa? Sim, tinham filmado  Macbeth, mas, segundo ele, Polanski, com diferentes graus de sucesso, ou, pelo que me parecia, de fracasso.
 
 
Fala com o produtor Andy Braunsberg.
        - E porque não hei-de eu realizar Macbeth?
O produtor gostou da ideia e lá vão eles para Londres, e depois para Nova York. Precisavam do apoio de um grande estúdio. Passos dados em vão e voltar pelo mesmo caminho, Londres, Kenneth Tynan, o afamado crítico e produtor teatral. Entusiasmo. Estava feito. Tynan colaborava na feitura do guião.
 
 
Aquele era o primeiro trabalho que atraía realmente Polanski desde o bárbaro assassínio da mulher, Sharon Tate – a escolha da peça não teria sido indiferente e combinava bem com a tragédia pessoal dele, sem dúvida, e havia de pagar por isso em termos de crítica nos EUA.
 
 
Definir os inevitáveis cortes em obra teatral tão longa. Evitar os clichés teatrais da tradição. Fazer aparecer os esposos Macbeth jovens e bem parecidos. Porque, dissera-lhe judiciosamente Tynan, os Macbeth não sabiam que estavam a viver uma tragédia e sentiam-se às portas do sucesso previsto pelas bruxas, revelando com o andar dos acontecimentos o lado obscuro da até aí ignorada natureza de cada um. Bem visto, acho eu.
 
 
As bruxas. Shakespeare resolvera-se por três. Polanski, sem afinidades culturais e artísticas com a tradição isabelina, achava que três era pouco para dimensão do grande écran de cinema. Mais bruxas acrescentariam dramatismo à cena.
 
 
Cena do sonambulismo: Lady Macbeth a aparecer nua; símbolo de vulnerabilidade, ou de intrínseca humanidade; e porque naquela medieva época toda a gente dormia nua – a camisa de noite era uma convenção teatral, e também porque, no tempo de Shakespeare, os papéis femininos eram representados por rapazes.
 
 
Os sicários enviados por Macbeth para assassinar Lady Macduff e os filhos traziam a Polanski memórias de infância no ghetto de Cracóvia, um oficial SS a passar-lhe em revista o quarto, a fazer vibrar uma chibata na bota alta, a brincar-lhe desprezivelmente com o urso de peluche.
 
 
E se nos tempos shakespearianos era interdito representar no palco o assassinato de um rei e tudo se passava fora de cena, em cinema, nos anos 70, fazia todo o sentido encená-la com o máximo de versão de sangue possível.
 
 
Ele e Tynan de tronco nu (era verão) ensaiaram no escritório várias versões da cena com uma faca de cortar papel. Os locatários de meia idade das janelas do prédio fronteiro ficaram a olhar sem acreditar no que viam. Ergui o braço e convidei-os a juntarem-se a nós. À vista da minha reacção voltaram costas, fingiram que não tinham visto nada, partindo obviamente do princípio de que as nossas excentricidades faziam parte da atmosfera sexual que naquela época se vivia em Londres.
 
 
Terminada a escrita do argumento foi mostrá-la aos produtores – que depressa franziam o sobrolho à menção do nome de Shakespeare. Mas na Playboy Productions gostaram. Acharam o argumento “brilhantemente acessível”, e foram fechar o negócio a Marbella. As Playboy Productions avançaram milhão e meio de dólares e a Columbia encarregou-se de distribuir o filme, desembolsando outro milhão.
 
 
Problemas na produção e na rodagem não faltaram. O filme esteve a uma unha negra de ser acabado por outro realizador. Aí, Polanski prescindiu de um terço dos honorários. Toda a gente já ouvira falar no azar que comporta uma montagem de Macbeth (o incêndio do Dona Maria!), Polanski também, e se não acreditava na maldição de Macbeth passou a acreditar piamente.
 
 
Estreia em Janeiro, em Nova York – um suicídio cinematográfico, segundo Polanski, toda a gente prefere ficar em casa depois das festividades e das despesas do Natal.
 




 
O envolvimento da Playboy no projecto também não ajudava, e o público de cinema pensou na aparição de Lady Macbeth na cena do sonambulismo vestida de coelhinha Playboy, e todos se preparavam para ver Macbeth em versão de comédia destravada.
 
                                                         

                                                                                        

                                                        
 
Críticas amargas. A Newsweek: racionalização de um impulso psíquico… uma obra de arte à moda de Buchenwald, Auschwitz e dos criminosos de Charles Manson.
 
 
Aquele filme era a catarse de Polanksi.
 
 
Polanski que optara por Macbeth pensando que Shakespeare pelo menos o livraria de preconceitos quanto a suspeitosas motivações.
Depois do massacre dos Manson era evidente que qualquer filme que eu apresentasse a seguir seria tratado da mesma forma pela crítica. Se eu tivesse feito uma comédia teria sido acusado de insensibilidade.
 
 
Os prejuízos financeiros da Playboy nunca foram recuperados.

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