shakespeare
400 - as imagens
Uma senhora chamada Caroline Spurgeon
sustentava em Shakespeare parecenças entre Troilus
& Cressida e Hamlet. Era uma
continuidade de simbolismos e era também o facto de terem sido peças escritas
praticamente em simultâneo, e quando o poeta, no dizer da Senhora, se achava em
estado de desilusão, de perturbação e revolta, e sendo que tais estados de alma
não se achavam facilmente noutras peças.
E mais ainda porque Shakespeare não
teria sido tão grandioso se não tivesse sido sincero e descrito tudo quanto na
sua íntima realidade sentia.
Em Hamlet,
a Senhora Spurgeon desencanta sinais de doenças específicas do autor, úlcera,
cancro – doenças atribuíveis ao próprio herói, Hamlet, ou a doença colectiva do
reino da Dinamarca.
Em Troilus
& Cressida era o aparelho digestivo do autor que não estava a funcionar
na perfeição.
“Feras em luta, devorando-se umas às
outras” – Othello.
“A luz torna-se espessa, e agora o corvo
dirige o seu vôo para o barulhento bosque: as coisas boas diurnas caem em
sonolência” – Macbeth.
A imagem, o ambiente, a metáfora do
crime dos Macbeth; o paralelo, a relação da noite com o mal e da luz com o bem.
Concretismo sensorial de “luz espessa”. O vago e o específico que se entrelaçam
“as coisas boas diurnas caem em sonolência”. Que coisas? Aves, animais,
pessoas, flores…
Em que momentos da suas peças emprega Shakespeare imagens?,
perguntam-se outros analistas literários. Haverá relação entre o emprego de
imagens e a situação dramática?
Que função para as imagens? Espasmódica
ou puramente ornamental?
Respostas que não interessam a ninguém,
evidentemente. A evolução linguística de Shakespeare desaba num pensamento
metafórico.
Quando
possuímos 24 obras maciças de um escritor e dizemos que nada conhecemos da sua
pessoa a culpa é exclusivamente nossa. Ele deixou toda a sua personalidade
nessas páginas. É só questão de compreendermos o que lemos, e, se isso
acontecer, saberemos quem ele foi – escreveu isto um senhor dinamarquês chamado George Brandes que
foi um dos mais reputados biógrafos de Shakespeare.
Não estarei inteiramente de acordo com
ele – mas quem sou eu? E por maioria de razão no caso concreto de Shakespeare.
E exactamente por ser Shakespeare um profissional de teatro e longe de ser o
que se poderia chamar de escritor confessional – introvertido, autocentrado,
solipsista. E exactamente porque 24 são muitas obras e tão diversificadas em
ambiência, épocas, situações, contextos históricos, personagens, que se alguma
coisa foi possível extrair quanto ao homem real por detrás de Macbeth, de Lear,
de Othello, de Iago ou de Romeu não me parece líquido que se possa fácil e linearmente conhecer o
homem Shakespeare pela obra.
Mas também, que interessa conhecer o
homem se ele eventualmente nos deu essa obra monumental como estratagema para
se esconder no labirinto dela mesma, e porque a obra é tudo o que importa
conhecer de um autor – já o pensava outro grande, e este contemporâneo, William
Faulkner.
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